O Símbolo

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O metal borbulhava sob uma crosta, pronto a transbordar quando se fechou no box, respirando fundo o ar cheirando a desinfetante para acalmar o vulcão que queria acordar. Como esperaria, se tivesse tido tempo de pensar, em pouco a porta se abriu  e alguém se dirigiu para o box do lado.

— No início do ano eu levei um pé na bunda. — a voz vinda do outro lado era da garota gorda — O namoro era muito importante pra mim. — pausa — Saber que tinha alguém que gostava de mim, mesmo eu sendo gorda, que me achava bonita.

Ela falava devagar, pulou as perguntas inúteis de “você está bem?” ou os consolos fáceis de “vai passar”.

— Ele dizia que eu o sufocava, que ele precisava de espaço. — pausa — Ele precisava de espaço e eu precisava dele. — pausa. Tinha entendido onde ela tinha chegado. — Às vezes quem a gente ama não pode nos dar o que a gente precisa, mas a gente não deixa de precisar por isso. — pausa. — Meu nome é Paula. — ela se apresentou como ponto final.

Queria agradecer, fazer algum comentário inteligente, contar que entendeu que talvez a mãe precisasse de um tempo fechada no silêncio, mas que mesmo assim precisava de uma mãe. Mas o que conseguiu falar foi — Por que tem uma Qliphot aqui?

— Uma o que?

— Uma Qliphot, uma Cabala invertida. — procurava as palavras para tentar explicar o que era — Um símbolo de magia negra.

— Quê!? — Paula perguntou assustada, saindo do box com algum estardalhaço. 

“Que explicação perfeita” Roberta se repreendeu mentalmente enquanto saía do box e tentava acalmar Paula. — Calma. Não é bem isso.

— Magia negra? Tem um símbolo de magia negra no banheiro? — Paula parecia mais amedrontada do que Roberta esperava.

— É só um desenho. E não é bem magia negra. A Qliphot são os princípios negativos ... — quase falou “Como como a destruição e a morte.” — Ok, é magia negra, mas provavelmente alguém tirou de um disco de black metal. 

— Cadê essa coisa? — Paula perguntou avançando para o box de Roberta. 

— Aqui. — ela respondeu apontando os dez círculos feitos com pincel atômico, nove dispostos em três grupos de três e um solitario — Cada uma é uma Qliph, que é a inversão de uma Sephira da Cabala.

— Como é que você sabe dessas coisas? — O medo de Paula começava a ser substituído por curiosidade.

— Eu gosto de black metal. — Ela deu de ombros, admitindo a verdade.

— Tinha um desses no banheiro do pátio. — Paula murmurou com ar conspiratório. 

— Será que ainda está lá? —Roberta perguntou como convite, animada.

— Você quer descer? — Paula não aceitou o convite — Não é melhor voltar para o Círculo? 

— Eu... — começou para mudar de ideia — Vão fazer perguntas.

— Vão nada. — Paula tranquilizou — Nunca fazemos. 

— Sempre sai gente correndo da sala? — Quem quer que tenha desenhado a Qliphot, sua magia permitiu sair de uma situação constrangedora para uma conversa informal.

— Desde que começou, pelo menos uma vez por ano. — Paula respondeu já se dirigindo pra a saída.

— Ah, nem minha cena é original. — Roberta já acompanhava Paula.

— Oi Roberta. — Guilherme disse assim que chegou à porta. — Estive preocupado que você não voltasse antes de fazermos o Pacto. 

— Pacto? 

— Sim. Um pacto de silêncio. — Ele se levantou e foi até o armário do canto da sala — Tudo que se fala aqui é bastante pessoal, então todos nós estamos sob o Pacto. — Ele voltou com um livro encadernado em couro marrom que parecia muito velho estendido para Roberta.

Em cada página várias vezes a mesma frase repetida em diferentes caligrafias, seguidas de uma assinatura.

“Sob este Pacto aceito que o que é dito dentro do Círculo deve ficar dentro do Círculo.”

A primeira assinatura era — Paula Fonseca —. Seria a mesma Paula? Havia muitas páginas preenchidas, talvez vinte, e entre quatro e oito assinaturas por página. Quantas pessoas passaram pelo Círculo? Quando chegou à última página Guilherme estendia uma caneta e todos olhavam com expectativa. Seria algo ridículo se não fosse a atmosfera de solenidade. Quando terminou de escrever não pôde abafar dois pensamentos: “Agora sou parte do Círculo.” e “É como um ritual mágico.”

— Obrigado Roberta. É muito importante para nós que todos aqui estejam sob o Pacto. — Guilherme disse como porta voz — Nos permite ser mais sinceros.

O CírculoOnde histórias criam vida. Descubra agora