2 • O papai Noel não existe, Olly

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"Serei a atriz estrelando nos seus pesadelos

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"Serei a atriz estrelando nos seus pesadelos

Eu não confio em ninguém e ninguém confia em mim." — Look What You Made Me Do, Taylor Swift

Agora me deixe falar sobre nossa segunda faísca, River

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Agora me deixe falar sobre nossa segunda faísca, River. Foi no natal, apenas alguns dias depois de você ofender minhas botas. Eu posso culpar o sol da Califórnia pela falta de neve na decoração que nossas mães fizeram nos jardins. E eu também posso culpar você, River, pelo sumiço de todos os Papais Noéis que foram comprados, mas não foram usados.

O que acontece é que nossas mães criaram uma amizade bem legal nessas três semanas de convivência e logo eram como melhores amigas ou algo do tipo. Elas fizeram o clube do livro, ginástica e até decidiram decorar o natal juntas. A ideia era que os dois jardins se tornassem um só, com toda a decoração que os Harpers e os Cusacks mereciam. Elas começaram os preparativos cinco dias antes da véspera de natal e eu posso garantir que estavam fazendo um ótimo trabalho.

O natal era minha época do ano favorita. Eu sempre amei as luzes e o fato de que um velhinho desceria pela chaminé e me traria presentes. A nossa casa nova não tinha chaminé, entretanto meu pai garantiu que ele entraria pela janela, se deixássemos uma destrancada na noite de natal.

River, eu não posso reclamar ou sequer dizer que tive uma infância difícil, porque não seria verdade. O que eu tive foram ótimos oito natais regados a ceias fartas e presentes caros.

O jardim estava cheio de amigos e parentes de ambas as famílias. A comida estava boa e a decoração também. Eu te disse que lembro das coisas detalhadamente.

Faltavam menos de três horas para meia noite quando você e sua língua perversa vieram em minha direção.

— Desculpe por ter falado das suas botas. — Sua voz era pura como a de um anjo, River. Sério. Tem que acreditar em mim. Era a droga de um santo bem ali na minha frente.

Eu pensei na possibilidade de você estar fingindo um arrependimento, mas ignorei isso. Pois é, Oliver Harper é uma grande idiota.

— Desculpe por ter pisado no seu pé. — eu disse, dobrando a barra da minha camiseta e olhando para as minhas sapatilhas, porque naquele momento era mais fácil olhar para baixo do que para o seu rosto, Riv.

E pode acreditar que cada palavra minha foi verdadeira. Do primeiro D ao último É.

Você sorriu e sentou ao meu lado.

Sabe, River, eu odeio o modo como você se sente confortável em qualquer lugar e em qualquer situação. Você sentou do meu lado e roubou uma uva do meu prato. Que tipo de pessoa faz isso? Um mal educado!

Eu evitei uma discussão e apenas respirei fundo, acreditando que todos têm defeitos e que talvez o seu fosse ser um grande idiota.

Bom, esse pensamento perdurou nove anos.

— O que acha que seus pais colocaram debaixo da árvore? — você perguntou.

— Eu não sei, talvez tenham entregado minha carta ao Papai Noel e ele me traga uma bicicleta. — Dei de ombros.

Você deu uma risadinha, mas depois ficou sério e me encarou como se eu fosse algum tipo de obra de arte abstrata, daquelas que você não entende porcaria nenhuma.

— Você está brincando, certo? — Sua voz demonstrava incredulidade e talvez até pena.

— Não.

— O Papai Noel não existe, Olly. É só uma invenção que movimenta o capitalismo. — River, você era um garoto mau. Um garoto mau destruindo um sonho bom.

Eu lembro de ter me questionado mentalmente o que diabos era capitalismo.

Eu não disse nada. Ainda estava processando aquela informação. Para não parecer que estava chocada, enchi minha boca de comida e mastiguei devagar como se estivesse ocupada demais para responder. Você continuou falando:

— Se quer saber, eu abri os presentes ontem à noite. Meus pais estavam dormindo, então eu fui até a árvore e olhei todos. — você falou, em seguida esticou o braço e roubou mais alguma coisa do meu prato.

River Cusack, desde criança um fora da lei indomável. Você sempre teve esse espírito de rebeldia, seja nas roupas ou nas ações mais discretas. Você é incontrolável.

— Meu pai mandou eu não abrir ou balançar os presentes antes do Natal. — comentei.

— E você sempre faz o que seu pai manda? — perguntou. Eu ainda lembro da sua sobrancelha esquerda arqueada como se fosse um desafio e os olhos brilhantes em um tom intenso de azul, me hipnotizando como mágica.

Fato curioso: os seus olhos foram os primeiros olhos azuis que eu vi na vida. Ninguém na minha família possuía os olhos nessa cor e nem meus amigos de escola, pelo menos não que eu tenha reparado. Mas você, River, você tinha a coisa mais azul do mundo. Eles não eram claros como o céu e nem translúcidos como o oceano. É algo como um rio. Um rio de verdade. Turbulento, escuro, profundo. Eu tive inveja dos seus olhos, porque os meus são castanhos e não são tão expressivos.

Depois disso tudo você levantou e foi falar com sua mãe. É claro que eu também corri em direção aos meus pais. Eu perguntei que palhaçada era aquela de "Papai Noel não existe" e por mais que minha mãe tenha tentando, não conseguiu impedir meu pai de me contar a verdade. Eu fiquei tão brava e decepcionada que recolhi sozinha todas as miniaturas e alusões ao Papai Noel que encontrei espalhadas pela decoração. Foi um natal sem Noel.

Com o tempo a nossa relação ficou mais bagunçada que qualquer gaveta no escritório do meu pai. Por algum motivo eu criei um ressentimento enorme por você. Pode ter sido por ter arruinando meu Natal ou talvez por ter roubado coisas do meu prato. Eu pensei em ser superior e apenas ignorar a sua presença irritante. Só que ignorar você era impossível. Nossas mães faziam questão de forçar uma amizade entre nós e além de tudo éramos vizinhos e frequentávamos a mesma escola.

Em outras palavras: você estava em toda droga de lugar.

Nós passamos o ano inteiro trocando farpas e brigas. Eram sempre bobagens, mas a gente fazia questão de cada discussão.

Cada argumento era precioso, River. Eu dormia e sonhava com mil maneiras de me vingar de você. E eu aposto que você fazia o mesmo, porque nós fomos longe.

Teve o meu aniversário de nove anos quando você empurrou meu rosto contra o bolo e eu fiquei cheia de chantilly. Houve a Páscoa em que você me lançou ovos de chocolate que na verdade eram apenas ovos de galinha. Crus. Também teve o dia em que eu amarrei seus cadarços juntos e você caiu enquanto eu gravava tudo com a ajuda da filmadora. Tiveram as caricaturas ridículas suas que eu joguei por debaixo da porta de todo o bairro.

É, River, nós não tivemos tréguas.

Mas como eu disse, eram sempre bobagens.

Só que a gente cresceu.

E os motivos, as discussões, as implicâncias cresceram também.

Como eu disse antes, eram faíscas.

E nós jogamos gasolina.

California sempre teve um clima agradável, mas depois de nós, River, ela pegou fogo.

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