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A madeira velha da estação localizada em Busan já não pertencia aos seus bons tempos de funcionamento, isso era óbvio há anos, 7 longos e incontáveis anos para ser específico. Os passos que antes soariam gelados e ensurdecedores por cima das tábuas bem colocadas abaixo dos trilhos de trem agora já não soavam mais, era como se sequer existissem naquele momento.

Completavam sete anos desde que aqueles trilhos sentiram e fizeram o solo ao seu redor tremer ao que o trem se aproximava e alcançava sua estação com tintura caindo aos pedaços. Já não era mais perigoso andar pelos ferros enferrujados, totalmente danificados pela ação das estações que haviam se passado.

Eu não me sentiria tão velho se não soubesse exatamente que as crianças da nova geração sequer sabiam sobre a existência daquele lugar e também não sabiam a história dele. Não sabiam o quanto aquele trem já havia conseguido machucar não só uma pessoa, mas várias.

As atividades do velho trem, que agora deveria estar abandonado ou tendo suas partes usadas para criar outras máquinas humanas, foram canceladas durante o ano de 2013, exatamente na data de 13 de junho, conforme as notícias mais específicas costumavam trazer em seus jornais e "comemoravam" aquela data todo digno ano, como se fosse algo histórico. No dia, eu sequer havia completado meus dezesseis anos de vida e, mesmo assim, eu ainda conseguia lembrar perfeitamente do ocorrido.

Meus pés nunca deixaram de tocar o solo próximo daquela estação e também nunca puderam abandonar as memórias que restavam por ali, as únicas que reviviam como uma fita cassete bem preservada em minha mente. Por anos, minhas esperanças se mantinham em estar conectado àquele lugar, me recordando do quão especial ele costumava ser anos atrás.

Minha memória nunca era falha quando se tratava de lembrar das ideias e planos que o dois anos mais velho levantava sobre o nosso futuro, ideias nunca cumpridas por nós e que talvez, nunca serão alcançadas.

Mantinha minha cabeça girando apenas entorno das fantasias e falas que foram deixadas para trás com a estação, como o dia em que Taehyung havia virado em minha direção e dito que se talvez começássemos a colorir aquelas tábuas da estrutura com giz, o lugar ganharia vida. Eu nunca pude discordar da sua ideia, eu não ousaria nem por um segundo quando tinha conhecimento de que concordar traria o sorriso quadrangular até os lábios finos dele.

Eu chamava suas ideias de obras de arte mentais, amava como ele as pintava sem qualquer medo e fazia com que as pessoas se apaixonassem por sua mente peculiar e brilhante.

Pensando por aquele momento, eu esperava poder ter dito um último "eu te amo", talvez aquilo pudesse ter mudado tudo.

O encerramento das atividades e viagens planejadas para o trem enferrujado de Busan foi anunciado um dia após o dia 13 de junho de 2013. Entretanto, eu sabia que o dia anterior já havia sido o fim para qualquer vai e vem que o trem pudesse fazer.

Nenhum sentimento poderia substituir a dor que a manhã do dia 14 de junho havia trago consigo.

Imaginando agora, eu não queria que fosse diferente, não queria que fosse eu em seu lugar, apesar de ter criado e segurado esse desejo por anos. Taehyung estaria ainda pior se eu houvesse o puxado e caído em seu lugar.

No entanto, eu queria poder ter o impedido. Queria poder ter o abraçado forte e dito que aquilo não seria o tipo de solução adequada para o caos que ele havia se tornado.

Fui quem observou por longas e demoradas semanas a família Kim se desmanchar aos poucos e, sinceramente, ver como os dois irmãos Kim haviam se destruído após o incidente, apenas piorou a minha visão sobre o ocorrido.

Me sentia ignorante por pensar que eu estivesse pior.

Jin hyung, quem era responsável por nosso grupo de amigos e quem nos mantinha na linha, agora era uma pessoa completamente oposta. Estava lá quando o vi descer o primeiro gole de soju enquanto entrava na própria casa chorando, nunca em minha vida havia tanto desejado não estar na minha casa para presenciar o modo em que ele parecia totalmente... Vázio.

Não queria ter descoberto que a família Kim era o completo contrário do que aparentavam ser em frente às cortinas abertas do teatro que criavam.

Namjoon foi o primeiro a notar a situação em que estava, o primeiro que teve a iniciativa e coragem de deixar o ambiente já não tão perfeito que toda aquela cidade infernal considerava. Fiquei feliz ao ser quem o apoiou em procurar seu final feliz em outro lugar longe dali, por mais sufocante que fosse estar vendo todos, que antes eram importantes, saírem da minha vida aos poucos.

Eu nunca imaginei o quão exaustivo poderia se tornar estar apoiando e segurando tudo.

Yoongi hyung e Jimin hyung por outro lado, foram os que menos se afetaram pela situação. Eu os vi manter a positividade e tentarem, juntos, manterem a calma de todos nós.

Eu agradeceria eles por tudo agora.

Ao terceiro ano desde o acidente, eu os vi dizerem o último adeus antes de se afastarem para morar na capital da Coreia do Sul.

Mesmo que sobrecarregado, eu não pude deixar de sorrir ao notar que todos com exceção de Jin hyung haviam lidado bem com a perda de Taehyung, inclusive Hoseok hyung, que insistiu por dois longos anos até que eu o aceitasse como parceiro de dança.

Estar visitando o túmulo de Taehyung, depois de tantos anos, era ao mínimo totalmente doloroso, mesmo que estivesse o fazendo por sete anos durante todos os sábados. Meus joelhos sempre acabariam no solo gelado em frente à lápide enquanto eu contava sobre cada detalhe da semana, até que eu deixasse o ramo de flores e fosse embora.

Porém não seria assim naquele momento.

Novamente visitando a estação antiga, agora já não pertencia aos sentimentos ruins que era traçar o caminho até o túmulo localizado próximo ao local. Não haviam sentimentos de arrependimento pela primeira vez em anos e agora, já não sentia a necessidade em me culpar.

Pousar o olhar sobre a lua cheia que iluminava ao caminho não parecia tão cansativo de repente, podia até mesmo reviver o som que o trem enferrujado emitia nos atrás durante aquele mesmo horário, o mesmo péssimo horário.

Agora, não existia mais um trem.

E ao fim da noite de 13 de junho de 2020, eu pude finalmente sentir minhas esperanças sumirem do velho trem, local onde elas talvez nunca estiveram antes.

A esperança sempre esteve em Taehyung.

E em um anúncio ao primeiro minuto do dia 14 de junho de 2020, o garoto que havia sido salvo de seu suicídio ao dia 13 de junho de 2013 pelo namorado Kim Taehyung poderia finalmente deixar a estação de trem de Busan sem quaisquer sentimentos ruins senão a saudade, esperando pelo dia em que poderia agradecer ao seu garoto por ter sido o seu trem da esperança.

"[...] Durante o dia 13 de junho de 2013 às 21 horas, o estudante de 17 anos Kim Taehyung foi atingido pelo único trem funcional de Busan em uma tentativa falha de impedir o suicídio de seu melhor amigo também presente no dia. Apesar da tentativa de resgate, o jovem não resistiu aos ferimentos e faleceu ainda no local do acidente. Família e amigos se declaram abalados pela notícia."

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