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  Emily Clark desde nunca foi uma sortuda. Seu pai a deixou para "sua ida às nuvens", assim sua mãe sempre a contava quando era apenas uma garotinha. "Aquela droga de destino", como ela se referia ao mesmo, a amaldiçoou desde o seu nascimento com a morte de seu pai. Até então, existiu apenas Emily e sua mãe, como boas companheiras e amigas: mãe e filha.

    Poucos anos depois do ocorrido sua mãe acaba conhecendo um homem que fisga seu coração e promete a ela completar o espaço que seu falecido marido havia deixado quando foi levado pela morte. Parecia tudo ser um início de um sonho, finalmente um homem bom levou sua mãe para os céus novamente, afinal vê-la feliz era tudo que ela mais queria. Porém mal sabiam as duas que o único céu que aquele homem havia trago eram os do inferno.

Diariamente haviam desavenças entre o casal, aos olhos de Emily eram apenas discussões normais entre casais, porém a cada dia que se passava a  situação piorava e a garota passou a ver a própria mãe cada vez mais depressiva.

     Ao chegar em casa depois de mais um dia de colégio, a ainda estudante do fundamental se depara com sua mãe jogada aos cantos com uma ferida em seu rosto, enquanto podia se escutar xingamentos de seu padrasto que estava na garagem.
A pequena Emily logo foi em direção da mãe largando o material escolar que estava em suas mãos, e abraçou a mesma fortemente.

— MÃE, O QUE HOUVE COM SEU ROSTO? O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? — Gritava desesperadamente.

— Não se preocupe filha. Está tudo bem, te garanto! Apenas fique quieta e não se preocupe okay? São negócios de adultos. Logo tudo irá melhorar meu anjinho, não se desespere.

    A voz angelical de sua mãe acalmou profundamente a alma da garotinha Emily, fazendo assim com que a mesma fosse se trancar em seu quarto no andar de cima, na esperança de que sua mãe fosse ficar bem logo depois. Porém, dias, meses e anos se passaram e a cena vinha se repetindo diariamente, e tais coisas se tornaram rotina, piorando o estado da Sr. Clark–como chamavam a mãe de Emily.

   4 anos depois, em seus 16 anos, a situação havia chegado em seu auge: ela não aguentava mais a intragável e esgotante rotina. Ameaças diárias vindo de seu padrasto em relação a denúncias, fazendo com que a garota apenas ignorasse o cenário depressivo de sua mãe, apesar de no fundo se preocupar.

    Emily se sentia completamente exausta. Quando entrava em sua casa era possível sentir uma chuva de peso, como se vivessem embaixo de uma enorme pedra, o clima era tão pesado e frio que chegava a causar arrepios em quem lá residia.

     Emily vinha mantendo seus hábitos:  ia a escola, voltava para casa, e dormia durante a tarde inteira, até acordar e fazer seus deveres do colégio. Entretanto sua rotina foi quebrada quando em um final de semana, a garota chega em sua casa como de costume e se depara com uma profunda briga: podia se escutar de fora da sua casa os gritos e móveis quebrando, como se não bastasse o alto choro de sua mãe. Clark logo se sentiu incapaz e assustada, entrando em um leve surto e apenas fugiu, deixando suas pernas a levar a nenhum destino, somente se afastou daquele pesadelo. Ouvir sua mãe gritando de dor e chorando pelos cantos sem poder fazer nada a deixava sem fôlego. Ela era apenas uma adolescente.

Em meio a sua fuga, encontra um prédio de pintura antiga e acabada, com as paredes mofadas e mal pintadas. Era um prédio grande, e ainda haviam pessoas morando ali. Emily, como uma boa curiosa, acaba por encontrar uma sala enquanto explorava o local. Olhando ao redor, nota ser uma velha sala de dança, o espelho a sua esquerda estava visivelmente inteiro, diferente das descascadas paredes ao seu lado, já o chão parecia resistente e novo, o que era contraditório se compararmos com todo aquele prédio velho e aparentemente desgastado.

    Respirando fundo Emily passou a dar seus primeiros passos. Vocês já experimentaram liberdade? Era o que a garota experimentava. Em sua cabeça se passava um filme com vivências, memórias e uma calma música de fundo. Cada movimento seu ativava uma faísca escondida em seu ser, ela finalmente havia encontrado seu refúgio, a dança. Emily finalmente se sentia livre e quem olhasse para a coreografia, reconheceria a dor e o sofrimento que os passos mostravam.

Foi assim até seus 17 anos, quando ela chegou em casa, abriu a porta, olhou para a cozinha que era separada da sala apenas por um balcão de mármore, e viu sua mãe caída no chão, com o sangue escorrendo de seu peito direito e do lado uma faca em suas duas pernas: haviam feridas e marcas por todo seu corpo. Emily se dá conta de que sua mãe tinha ido para as nuvens, juntamente com seu pai.

  — MÃE! POR FAVOR ACORDA! O QUE VOCÊ FEZ, SEU MANÍACO? QUAL É O SEU PROBLEMA?— Dizia a mesma, em prantos.

Emi olhava para trás e apenas via a cena de seu padrasto fugindo como se nada houvesse acontecido, ignorando tudo o que aconteceu. A garota liga para a polícia, que tem sua chegada tardia.

A dor de Emily naquele momento foi indescritível, sua vida havia sido arruinada por um monstro a quem sua mãe fazia o alimento todos os dias, monstro pelo qual não se separava por medo da solidão e esperança de que "Este homem irá mudar", mas a única coisa que mudou foi seus batimentos cardíacos, agora inexistentes. Foi neste momento pois, que Emily encontrou seu único refúgio: a dança, no quartinho velho onde apenas o enorme espelho podia observar o seu corpo expressando toda a angústia dentro de si.

"Mais fundo
Sim, acho que estou indo mais fundo
Eu continuo perdendo o foco
Não, me solte
Deixe os meus próprios pés me guiarem
Irei mergulhar em mim mesmo
No meu mais profundo interior
Eu me encontrei"

Black Swan; BTS.

ATÉ MEU ÚLTIMO SUSPIROOnde histórias criam vida. Descubra agora