IV

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— VOCÊ É UM INÚTIL! VÁ EMBORA AGORA! NÃO QUERO MAIS VER TEU ROSTO NA MINHA FRENTE, DESGRAÇADO! - Berra o homem, expulsando seu próprio filho de casa, lugar pelo qual chamou de lar durante 17 anos. O garoto entra no quarto as pressas. Sua visão embaçada por lágrimas o fazem esbarrar no pequeno armário e derrubar um retrato com a foto de seus pais. "Em algum momento fomos felizes?", interroga-se, antes de fechar sua mochila. Toma rumo a porta, porém, dá meia volta e parte em direção ao banheiro. Havia um longo espelho em formato retangular, que ocupava metade da parede direita de seu vasto e grande banheiro. Ao olhar sua imagem, tudo o que conseguia ver é um garoto frágil. Sentia aquela vontade a retornar. Ele precisava de se machucar.

"Fraco.  Idiota. Covarde. Você mal consegue suportar sua própria dor. É Noah, você é apenas um imbecil. Se eu fosse outra pessoa com certeza lhe daria uma boa surra para te lembrar o quanto você é um belo de um merda infeliz, mas você já sabe disso, não concorda?"

Pensa, antes de socar seu reflexo. O murro foi intenso a ponto de quebrar o espelho e fazer cacos de vidro caírem pelo chão, cacos enormes. Descendo o olhar, Noah conclui que aquela mão ensanguentada demonstrava o quanto ele odiava a si mesmo. Ele realmente tinha descontado toda aquela raiva por si mesmo. Suas lágrimas, assim como seu sangue, não paravam de fugir: o mesmo sentia-se no alto de um abismo. Ver os fragmentos estilhaçados e afiados trouxe aquele sentimento, aquela incontrolável vontade. 

                                                   "Eu me odeio. 

                                         "Droga, eu sou um imbecil"

        "Idiota, você simplesmente não deveria nem ter nascido, resto de aborto."

Ele ouviu as vozes de sua cabeça  de novo. Outra vez, elas controlaram suas mãos,e elas já não eram mais suas, mas sim de seus demônios. Os cacos de vidro fizeram um brando corte.

Com a respiração um pouco mais compassada, coloca uma jaqueta e sai de casa sem sequer olhar nos olhos de seu pai. Leva apenas algumas roupas, uma enorme lasca do antigo espelho de seu quarto, e um livro de poesias que havia ganhado de sua mãe com 11 anos. O único lugar que ele pensou naquele momento foi a sala de dança, já que seu canto em cima do prédio provavelmente estaria congelando. Decide passar o resto de sua noite lá, acompanhado de sua ansiedade e do sangue que escorria de seus pulsos. Após chegar, imediatamente adormece.

Era sábado, Emily não tinha escola, então, tecnicamente, tinha o resto da manhã para manter seus olhos fechados sonhando com sua mãe. No entanto, ao acordar na casa vazia, ela sente que deve ir mais cedo para o treino, por isso,rapidamente se levantou, trocou-se e fez sua higiene. Não quis se alimentar nem nada, apenas foi de forma ligeira para sua encomenda sala. Quando abriu a porta e andou alguns passos para frente, percebeu gotas de sangue. Na hora Emily paralisou: "Quem foi o lindo que deixou isso aqui? Acredito que um animal veio parar nessa sala, não duvido" constatou consigo mesma, tentando não imaginar o pior. Posteriormente deu mais alguns passou e se atentou ao redor até notar um Noah todo ensanguentado, deitado ao lado do espelho. Emily corre até ele, desesperada.

- NOAH? ACORDE, PELO AMOR DE DEUS! VOCÊ ESTÁ BEM? NOAH! O QUE É ISTO NO SEU BRAÇO? - Grita, balançando o frágil corpo do amigo.

Noah acorda, direciona sua cabeça para uma Emily aos berro e lhe oferece o mesmo olhar sereno que tinha quando a viu pela primeira vez.

- Suponho que são 4:50 da manhã. Como ousas me acordar nesse horário, bela princesa? - Calmamente diz Noah, ainda com seus braços cheios de sangue, sem contar os olhos vermelhos; era notável o bom tempo que permaneceu chorando. O mau hálito predominava: ele claramente havia consumido alguma bebida alcólica.

- NOAH,  VOCÊ TÁ MALUCO? O QUE VOCÊ FEZ? - suspira Emily, na tentativa de se acalmar para entender a situação - O que houve? Cara... Estou preocupada com você, preciso que me dê agora esse caco de vídeo também, não quero você com ele. Me entregue já!E cara, você está bebado?

Emily reparou a "arma" que Noah tinha usado para se machucar. Seu amigo a devolve, atônito. Era estranho ver alguém se importar com ele. Após entregar o objeto cortante, Emily afirma:

- Vamos a um hospital. Você não pode continuar aqui com seu braço desse jeito.

– Quê? NÃO. Meu pai vai me matar, tá loucona? 

Com ajuda de Emily, Noah se levanta, e desloca-se para o lugar do dia anterior. Ela achou uma boa idéia ir para lá, já que ele adorava aquele espaço. Afinal, Noah era importante para ela, não gostaria de perde-lo, alguém que acabou de começar a amar. Chegava a ser estranho, a sensação de não o ter por perto era monstruosa.

Na sacada do velho prédio, a primeira coisa que Emi fez, foi limpar todo o sangue dos braços e mãos de Noah, logo colocando algo que vinha a parecer um curativo. Com os machucados já limpos, Emily focou nos lindos olhos de Noah como nunca havia feito antes, e indagou calmamente:

- Conte- me o que aconteceu e como você chegou a esse ponto, quero lhe ajudar.

- Por que me ajudar? -Perguntou Noah, em um tom debochado.

— Por que eu me importo com você. É a segunda vez que lhe digo isso, o corte foi nos braços ou no cérebro?

Risos são soltos pelos dois, mas logo em seguida a face de Noah volta a ficar séria.

- O que você falou foi pesado. Não diga isso novamente, por favor.

- Dane se, quero que me conte o que aconteceu, solte tudo o que está dentro de você.

- Se eu lhe contar como me sinto, você promete não se magoar?

ATÉ MEU ÚLTIMO SUSPIROOnde histórias criam vida. Descubra agora