POVs Sui
"Transtorno do espectro autismo". Aquelas palavras fixaram na minha mente. Talvez isso explicasse muito sobre as coisas que aconteciam comigo diariamente e talvez explicasse o meu jeito diferente de ser. Às vezes, as pessoas não conseguem me entender e sempre me chamam de insensível, grossa ou coisa do tipo, mas na verdade, eu não as entendo e sempre me dou por convencida em ter algo de errado comigo. É incômodo, mas eu não posso mudar muita coisa, não é como se eu pudesse controlar, então eu prefiro dormir. Definitivamente, não existe nada melhor do que dormir.
Sou Sui, quero dizer, Sui Granger. Sou apaixonada por dinossauros no geral, mas braquiossauros são os meus preferidos. Acho que podia vê-los por todos os cantos do meu quarto, mas me contento só com o Zézinho. Agora são quase nove da noite e não entendo o que faço acordada, não que pareça cedo, mas sempre será tarde quando posso perder uma ou duas horas de sono. Já disse que não existe nada melhor do que dormir? Talvez melancias e chocolates sejam melhores e me deixem na dúvida, mas eu ainda escolho dormir.
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─ Sui! Não vai a aula? ─ minha mãe entrou no quarto preocupada.
─ Cinco minutos? ─ questionava hesitando abrir meus olhos.
─ Nem dois. Arrume-se e vá tomar café. ─ foram suas últimas palavras antes de deixar o cômodo.
Miados ficaram cada vez mais próximos e um pequeno riso formou-se em meus lábios ao ver a ino ali. Peguei o animalzinho do chão e a enchi de beijos, mesmo ela não gostando tanto assim do meu jeito "felícia" de ser. Quem liga? minha filha tem mais que me aguentar mesmo. É uma peste negra essa gata, mas eu não viveria sem.
Enquanto fazia a limpeza do meu rosto, estava pensando sobre como eu iria me vestir hoje, não que fosse uma missão difícil, mas o fato do meu guarda-roupa ser quase todo preto era prático. Lá estava eu na frente do espelho, com uma salopete preta, uma camiseta branca e um all star amarelo. "Okay, Sui, você está incrivelmente linda!" repeti antes de ser expulsa do quarto das minhas mães e não demorei muito para que já estivesse sentada a mesa, bebendo o meu chá, como de costume.
Chaves, bolsa, trabalho. Okay. Tudo aqui.
Repeti a sequência algumas vezes e saí de casa. Um pouco atrasada? Talvez, mas ninguém merece ter aula de genética às oito da manhã. A única coisa que a genética me diz nesse momento é que no meu DNA corre bastante sono e tudo o que eu queria era poder dormir. Já devo ter dito, mas dormir é a melhor coisa que existe. Estava tão entretida com uns vídeos de gatinhos no facebook que nem notei quando minha mãe chegou na faculdade. Me despedi e logo saltei do carro ao ver o Matthew chegando.
─ Bom dia, chaveirinho. ─ disse ele ao me abraçar.
─ Chaveirinho o que, tu não me estressa essa hora da manhã não, garoto. ─ desferi um tapa em seu braço o fazendo rir.
─ O que temos para essa manhã? ─ me olhara brevemente.
─ Sono. ─ retruquei e segui para sala.
Fingi a egípcia e entrei na sala sem atrapalhar o que meus amigos faziam e até mesmo a explicação da Sra. Hansen. Ailie me sorriu no fundo da sala e ergui uma das sobrancelhas cumprimentando-a antes de achar um lugar para me fingir de morta.
─ Granger. Peter será a sua dupla no trabalho, façam as análises e me entreguem no final da aula. ─ informou Kendall.
Talvez meu plano de me fingir de morta tenha falhado? Talvez.
Peter e eu tínhamos mais de um horário para fazer as análises, mas eu realmente desejava não ter que fazer aquilo. Estava tentando manter o foco, mas lembrei do quanto eu amo dinossauros. Talvez seja possível saberem, mas muitos cientistas afirmam que não podemos clonar um dinossauro, nem mesmo se encontrarmos algum vestígio do seu sangue dentro de um mosquito em âmbar. O que é triste, não é? Braquiossauros deveriam existir, mesmo que desse para clonar algo que viveu há milhões de anos atrás.
Aquelas análises me deixaram com tanta fome que não pensei duas vezes em sair dali e comprar algo para comer. Primeiro: comer é sempre importante. Segundo: eu não aguentava mais aquela aula. Terceiro: primeiro.
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POVs Henry
Tic-tac, tic-tac, tic-tac, os olhos castanhos percorriam os ponteiros impacientemente. a sola do sapato batia no chão, os dedos balançavam e eram entrelaçados vez ou outra. A cabeça do jovem tombava para o lado e um suspiro longo escapava de seus lábios em um único pedido: alguém me tira daqui. e constantemente seu olhar vagava pelo vidro da porta da sala. Sombras passavam de um lado para o outro, mas a aula de fundamentos de ciências sociais parecia não passar e então levantou. Correu para a porta e no abrir desesperado, assustara a única pessoa que passava por ali.
Por meros segundos, seus olhos estavam fixos ao da garota a quem havia assustado, mas a mesma logo desviou seu olhar para o final do corredor.
─ Desculpas. É isso que se pede quando assusta alguém. ─ disse ela. E antes que o rapaz pudesse dizer algo, ela saiu as pressas. Ele apenas riu e ignorou o que tinha acontecido.
Henry decidiu sentar nas mesas do restaurante universitário que já estava fechado por conta do horário, tirou seu caderno do bolso do moletom que usava e rabiscos surgiram. Esteve assim por um bom tempo, o suficiente para conseguir escrever um soneto sobre suas relações decepcionantes, mas teve tua atenção voltada para quatro garotos parados no outro lado do corredor. Em um tipo de barreira, era possível ver que eles implicavam com algo, mas não havia se importado até observar por entre as brechas dos garotos, o all-star amarelo.
─ Não vai fazer o que mandei? ─ o mais alto disse e os outros o seguiu na ordem.
Os olhares se voltaram para Henry quando passou pelo meio de dois deles e segurou na mão da garota do outro lado, puxando-a para fora dali. Tentaram seguí-los, mas ficaram pra trás quando foram notificados por um inspetor de corredor.
─ Você já pode me soltar. ─ dissera e ele finalmente lhe soltou a mão. ─ Eu não precisava de sua ajuda... ─ ele assentiu, mas nada lhe disse e sorriu.
─ Aceite como um pedido de desculpas por horas atrás. ─ murmurou e a deixou seguir com o que pretendia fazer antes de encontrar aqueles rapazes.
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POVs Sui
Ter contratempos na hora do almoço, transformou o meu dia estressante e só de imaginar que eu iria de ônibus pra casa... interação, pessoas... eu não aguento! Se eu não ficasse tão nervosa por dirigir onde há movimento, eu não precisaria de um ônibus.
Assim que entrei no ônibus, fiz questão de sentar nos primeiros bancos depois da catraca, o motorista me conhecia de certa forma, eu só pegava transporte com ele pra voltar pra casa. Ele não demorava tanto e eu sempre chegava rápido, mas parece que hoje tinha sido o meu dia de sorte. O trânsito estava um pouco lento e isso me deixou incomodada. Eu não gostava quando isso acontecia, eu chegaria mais tarde e isso não era bom.
Meus olhos passeavam entre as coisas do lado de fora, as cores dos assentos do ônibus e aquilo me irritava um pouco. Minha cabeça doía, parecia que meu cérebro estava comprimindo e eu só queria chegar em casa logo. Eu estava perdendo o controle da situação quando os carros começaram a buzinar loucamente. Aquilo me incomodava tanto, eu não podia evitar que aquele ruído perturbasse tanto a mim como fazia. Tentava amenizar o barulho com as mãos em meus ouvidos, mas o som era alto demais e eu só queria chegar em casa.
"Queria chegar em casa!" repetia isso inúmeras vezes na minha cabeça.
─ Eu vou descer! ─ Gritei desesperadamente e a porta atrás de mim se abriu.
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Can I be him?
Fiksi PenggemarSui Granger é uma jovem neuro atípica, dentre todas as confusões vivenciadas por ela, uma luz surge no fim do túnel e a faz crer que a vida pode sim ser boa para quem tem o espectro.