Vizinha

8 0 0
                                    

Eu tinha uma vizinha que arranjava briga com qualquer pessoa que parasse o carro na viela ao lado de sua casa. E era por um motivo macabro.
Toda vez que alguém parava o carro na vielinha, mesmo que por alguns instantes, a senhora saía de casa, dizendo que seu marido iria chegar a qualquer momento e pedia para que o motorista retirasse o veículo dali. Alguns condutores mais pacientes tentavam argumentar que não estavam estacionados em frente a casa dela, mas a mulher alegava que o marido não conseguiria entrar na garagem com aquele carro parado ali.
A vizinha quase sempre ganhava a discussão. Quase. Alguns motoristas batiam o pé e não retiravam o carro. O curioso é que ela não fazia escândalo quando alguém se negava a retirar o automóvel da viela. A mulher, de idade avançada, entrava em casa e ficava na janela, observando o carro – e o motorista - até ambos saírem dali.
Um dia, deixei o carro na viela. Como ela me conhecia, saiu de casa e, educadamente, perguntou se o carro era meu. Ela sabia que era, mas foi a maneira que ela encontrou para puxar assunto. Não demorou muito para que ela falasse do marido:
- Quando meu marido chegar, você retira, para que ele possa entrar?
- Claro, respondi serenamente.
A vizinha agradeceu e entrou em casa. Porém, quase duas horas depois, quando finalmente fui recolher o carro, percebi de relance que ela estava em pé, dentro de casa, me observando pela janela, atrás da cortina. Fiz de conta que não vi sua silhueta e guardei o carro na garagem de casa. Era início de noite.
Naquele mesmo dia, fiquei de escolta na sala, vendo em qual momento o marido dela iria chegar. Pouco antes de dormir, ouvi uma buzina. Imaginei ser o tal marido da vizinha, que finalmente havia chegado, mas não, eram meus pais. Como eles moravam no mesmo bairro que eu, passaram em casa para perguntar se estava tudo bem comigo.
Nem chegaram a entrar. Voltavam de uma festa e apenas nos cumprimentamos rapidamente lá fora. Eles pararam na viela. Mesmo com os faróis acesos e o carro ligado, ouvi a porta da vizinha se abrir. Minha mãe acenou para ela e ela retribuiu. Se conheciam há anos, pois antes, ali onde moro, era a casa de meus pais.
Com um sorriso apático no rosto, a vizinha fingiu regar as plantas de seu quintal, enquanto eu conversava com meus pais, debruçado na porta do carro.
- Daqui a pouco ela vai dizer que o marido vai chegar – eu disse, baixinho.
Minha mãe me repreendeu com um tapinha e pediu para que eu não brincasse com o luto alheio. Não entendi e ela me contou que o marido da vizinha havia sido assassinado, enquanto voltava para casa, durante um assalto naquela viela e, até hoje, ela pensa que ele irá entrar em casa. Não consegui me mover. Um misto de tristeza e medo me paralisou ali mesmo naquela viela, que agora era o local de um crime, de uma morte violenta. Meus pais se despediram e foram embora, mas eu não lembro disso. Meu remorso era tanto, que só retomei a consciência com a voz da vizinha, atrás de mim:
- Da próxima vez, peça para seus pais não demorarem tanto tempo aí na viela...
Atônito, me virei e perguntei, em voz baixa:
- Seu marido... vai chegar?
- Não, ele já chegou – ela respondeu calmamente, enquanto regava as plantas. Agora, ele quer sair - finalizou, me olhando.
Atordoado, olhei para a janela de sua casa e juro que vi outra silhueta lá dentro, em pé atrás da cortina, observando nossa conversa. 👀
.
Conto de Daniel Pires, do LendaUrbanaTV.

Lenda UrbanaOnde histórias criam vida. Descubra agora