I. Aquele dia

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Era apenas uma tarde de verão na grande capital, sem qualquer alteração significativa na rotina. Ela - uma transição de uma garota para uma jovem mulher - vestia uma camisa branca com detalhes na gola, um mero gracejo, em combinação com uma calça de tecido azul estampado, sapatilhas vermelhas e seu colar habitual. Os cabelos eram compridos, ondulados e escuros, cortados em camadas. O óculos de armação vermelha lhe conferia certo charme intelectual em seu rosto arredondado. Sua beleza era mediana, assim como sua estatura e peso, e também sua situação acadêmica. Costumava estar sempre na média, não tinha nada de extraordinário, apenas o tamanho de seus sonhos e sentimentos. Queria mudar o mundo, e se frustrava cada vez que conhecia as crueldades do mesmo; todavia, não desistia.

Naquela tarde calorosa estava com ele, seu professor. Tratava-se de uma sala pequena e estreita. Para alegria de ambos, era um dos poucos espaços que continham o ar-condicionado. As cadeiras estofadas também eram confortáveis. O fluxo de pessoas naquele corredor era mais restrito, o que tornava o ambiente mais silencioso e secreto , de alguma forma. Não era a primeira vez que ficava nesse lugar secreto , e tão pouco seria a última. O objetivo de tais encontros semanais, ora quinzenais, era a realização de um projeto.

Tanto os cabelos como os barba eram grisalhos - afinal ele já passara pela transição de garoto, todavia ainda conservava algo jovial. Ainda que sua aparência não fosse tão atraente à primeira vista, também não era desagradável aos olhos. Sua estatura e peso eram medianos como os dela, mas havia algo de extraordinário - pelo menos aos olhos dela. Sua inteligência e desenvoltura eram extremamente atraentes, como seu senso de humor característico - na maioria das vezes sincero demais, provavelmente uma qualidade coexistente a um defeito. Sua vestimenta era casual e formal, o único acessório que era usado na sua pele clara era o relógio e a aliança.

A relação entre eles também não tinha nada de extraordinário. Ela já havia observado como ele tratava outras alunas, e não via qualquer distinção - por mais que assim desejasse. O primeiro contato se deu entre professor e aluno na sala de aula, completamente indireto. Ela o admirava à distância, sentada na sua carteira de plástico, nada confortável, enquanto ele lecionava com elegância os conhecimentos que dominava. A sala estava cheia, ela era apenas mais uma espectadora. Ele apreciava os alunos que tiravam boas notas, e talvez a tenha enxergado quando atingiu esses números, no entanto, sua visão ainda não era nítida, era apenas uma relance. O professor de outra disciplina, seu amigo, era mais habilidoso no tratamento direto com seus alunos, sempre sabia seus nomes, portanto, enxergou primeiro. Após o final do semestre letivo, prestes a iniciar outro, ela fez o primeiro contato direto - ainda que indireto: um convite por e-mail para o tal projeto. Ao escrever-lo pensava seriamente que seria recusada, afinal era uma aluna mediana, nada de extraordinário, ainda que tivesse alcançado uma nota melhor na disciplina. Ao receber o e-mail, como previsto, o destinatário não sabia como associar o nome ao rosto, e assim precisou consultar seu parceiro de docência. Para a surpresa da garota, o convite foi aceito. Mal sabia ela que ali nas entrelinhas haveriam sentimentos, também convidados a participar.

O contato indireto mudou, agora ele conhecia seu rosto e seu nome. No começo sentiu receio, até ensaiou como conversar com ele, pensou que seria muito difícil, que talvez não estivesse à altura para trabalharem juntos. Para sua surpresa, foi fácil. Não por não haver problemas ou desafios embutidos, mas sim pelo desenvolvimento dele. Foi natural desde o princípio. Ali, ao lado dela, ele agia como se fosse um ser humano comum, uma espécie de um jovem preso a um corpo mais velho. Ela se sentiu à vontade com ele, não havia barreiras enquanto estavam junto, embora houvesse previamente. Toda vez, antes de iniciar ou entrar em contato direto, sentia um estranho nervosismo, o que desaparecia quando se cumprimentavam. Como se estivessem em uma dança, ele a conduzia perfeitamente, ainda que ela não soubesse dançar. 

Ela sempre queria uma próxima música. Ele se desculpava por passar do horário previsto enquanto ela respondia " sem problemas" . Sua companhia era extremamente agradável, sempre rica em conhecimento e em humor, a cada novo encontro aprendia algo sobre seu trabalho e muito além disso, sobre a vida, e isso a fascinava cada vez mais. Queria sempre mais, sempre mais uma música. O tempo ao lado dele passava tão rápido, como jamais passava em uma aula! Ele a conduzia... e ela adorava ser conduzida por ele. Era uma relação completamente inusitada, diferente de tudo o que já vivera até ali.

A garota tinha habilidades com as palavras, definições nunca foram problemas, no entanto, pouco sabia definir o que sentia, para isso lhe faltavam palavras. Ela apenas sentia e agia, consciente e inconsciente. Sem saber direito o que esperar, vestiu sua saia xadrez que lhe definia bem o corpo na primeira conversa que teve com ele, após o convite por email. Em seu íntimo sentiu que agradou, por mais que sua autoestima não fosse das melhores. Obviamente, ele não disse nada para elogiá-la, mas seu olhar foi suficiente para que ela o recebesse. E esse olhar se repetiu em um segundo momento, quando os encontros passaram a ser periódicos.

O segundo momento foi muito breve. Não foi marcada uma reunião, mas apenas uma conversa rápida para acordar uma etapa. Nesse dia não estava calor, portanto não usava sua saia xadrez. Usava uma calça bege, uma camisa social e botas, mas foi um dia que se sentiu bonita. Ele pediu para que o encontrasse rapidamente em um intervalo de uma de suas aulas - a garota não fazia essa matéria. Ela o esperou na saída da sala, encostada na parede do corredor estreito. Ele a cumprimentou com um beijo no rosto e encostou na parede à sua frente. Como o corredor era estreito, estavam próximos, frente a frente. Por alguma razão desconhecida aquele breve momento a marcou, talvez pelo olhar  recebido, caloroso e sutil ao mesmo tempo, porém mais intenso do que quando usou sua saia xadrez.

A primeira conversa oficial após o convite aceito e o breve momento no corredor estreito marcaram a garota por razões inimagináveis, no entanto, foram marcas tão sutis quanto o olhar dele. Nada era concreto, era apenas sua mente criativa e suas interpretações ilimitadas que a perturbavam. Da parte dele não havia nada . Nada. Ele apenas a tratava bem, como q oualquer outra aluna. Ele apenas fazia seu trabalho. Para ele nada disso era inusitado, inexplicável, ou mesmo extraordinário. Era apenas rotina, apenas seu ofício. Até aquele dia...

Aquele dia que definitivamente marcou a garota, naquela tarde de verão, na sala secreta .

Como vestia uma calça de tecido fino, o contato com sua perna era mais direto do que se usasse uma calça jeans comum. Estavam lado a lado, bem próximos, enquanto conversavam naturalmente sobre o trabalho. Para uma relação formal entre professor e aluna, a distância poderia ser um pouco maior, todavia, para ela, a distância poderia ser ainda menor. Talvez para quem olhasse de fora a distância fosse até normal, sem segundas intenções. E então ou inesperado aconteceu durante uma conversa formal, um ato completamente informal e atípico. A mão dele tocou sua perna. O toque foi tão útil quanto o olhar no corredor, mas foi concreto e não uma interpretação. A reunião continuou como se nada houvesse alterado a rotina desse dia. Para ele, talvez não, mas para ela, completamente. Jamais esqueceria aquele dia e o que sentiu.

SubmersoWhere stories live. Discover now