II. O namorado

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O segredo não saiu da sala secreta tão cedo. Aconteceu quando todo aquele sentimento lhe sufocava, era preciso que alguém lhe escutasse. Suas melhores amigas foram os dois ombros que precisava, o verdadeiro aconchego. Era difícil falar sobre, tanto que compartilhou com mais duas amigas. Afinal deixou de ser segredo. O alívio que sentiu foi imensurável.

Uma das amigas que compartilhava o tamanho segredo lhe disse que a razão daquilo poderia ser carência. Claro, a famosa carência que justifica tudo ou quase tudo. Era simplificar demasiadamente, até banalizar tamanho sentimento. Como poderia tal complexidade se resumir em carência, um simples substantivo feminino? E claro, tinha que ser feminino. Por que tudo referente ao feminino tinha que ser tão complexo e ao mesmo tempo tão banalizado? Como era difícil ser mulher! Ninguém costuma justificar a atitude ou o sentimento de um homem como uma simples carência, mas é sempre a primeira opção para a mulher. Quando era criança, a garota brincava que era um garoto, e até imitava os atores de seus filmes preferidos. A mãe também desejou um menino durante a gravidez, para que brincasse com o irmão - quanto a isso não tiveram problemas, pois brincaram muito, a menina e o menino, e se tornaram melhores amigos. Muitas vezes pensava, em seu íntimo, que era melhor ter nascido menino.

Pois bem, avaliou a tal carência. Não foi necessária uma profunda análise para concluir que não, pois se lembrou do namorado. Estava a ponto de completar dois anos e meio de namoro quando ocorreu o episódio na sala secreta, aquele dia.

A garota se considerava mais sortuda no jogo de cartas do que no amor. A maior parte de sua vida se resumia em amores platônicos, e das poucas vezes que foram correspondidos, também não foram bem sucedidos.

Os amores na infância sim eram banais. Bastava que um menino fosse bonito e pronto, apaixonava-se! No entanto, havia um perfil. Sempre eram os engraçados e de boa desenvoltura. Talvez por ser tímida, agradava-lhe o oposto. Naquela idade ainda não os escolhia pela inteligência, ainda não era uma virtude que apreciava, nem um pré-requisito.

Seu primeiro beijo não lhe rendeu um relacionamento, apesar de ter sido uma boa aventura, que lhe rendeu boas risadas no futuro. O primeiro namorado foi um verdadeiro cavalheiro, um príncipe, no entanto suspeitava que fosse homossexual. O segundo foi a relação mais intensa, talvez tenha sofrido mais do que foi feliz. E por fim o terceiro, e último. Evidentemente houveram outros garotos no meio do caminho que lhe renderam bons momentos e boas lembranças, porém nada efetivamente significativo. O terceiro e último namorado foi o namorado.

Costuma-se dizer que um dia, quando menos se espera, encontra-se a alma gêmea, a pessoa predestinada a ser sua, somente sua. Não foi à toa que o período literário realismo veio após o romantismo.

O namorado tinha todos os requisitos para um marido ideal, ou quase todos. Era fiel, companheiro, carinhoso, educado, familiar, responsável, e ainda era bonito, de corpo atlético. E como se não bastassem tantas qualidades, ainda tinha uma que não era usual nos homens - por uma questão histórica e cultural: o cuidar dos afazeres da casa. Parecia ser o ideal, o perfeito, e talvez fosse, o nível de perfeição palpável e alcançável permitido pelo realismo. Ele a fez imensamente feliz, a maior parte do tempo. Se chorou por ele? Evidente que sim, no entanto, isso já nem lhe pertencia à memória, tornara-se insignificante. O que permaneceu foi o fato de ter sido o único homem que a amou verdadeiramente pelo que era. Foi ele quem lhe revelou o significado de amar e ser amado.

Aparentemente estavam certos sobre o que se dizia, sobre ter a sua pessoa. De fato ele lhe aparecera de uma forma inesperada, sem planejamentos ou o menor sinal de aviso prévio. E cada dia foi perfeito, como em um belo livro de romance. Muitas vezes se via sorrindo para o nada, desacreditando do que vivia, de que era real. Por fim, chegou a acreditar que se casariam, que envelheceriam juntos, e até fizeram planos sobre isso. Todavia, a vida não é tão singela e homogênea.

É extremamente penoso analisar alisar o ponto exato da ruptura, a verdadeira causa e consequência. O que a garota sabia, com certeza, é que sempre lhe faltou algo, mesmo o namorado esbanjando qualidades. Era o que ela tinha com ele, seu professor. Conversas ricas, o brilho nos olhos de admiração, o intenso desejo de querer cada vez mais sua companhia.

Ora, por fim, sua amiga estava certa. Era a tal da carência. A carência, no entanto, não provinha simplesmente da ausência masculina, era de algo muito mais intrínseco, algo que a própria garota desconhecia. 

SubmersoWhere stories live. Discover now