Promessas

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Me disseram, me disseram para te tirar da minha mente,
Mas eu espero nunca perder as feridas que você deixou para trás.
Oh meu Deus, oh meu Deus, eu preciso de você ao meu lado.
— Bruises; Lewis Capaldi

— Não precisamos passar por lá. Podemos pegar uma rota alternativa e passar pelo Colorado, talvez. Ou até ir pelo outro lado, passar por Nova York.
— Não — sua voz era firme, mas seu olhar estava distante. E sua mente mais ainda. — Eu quero passar por lá. Acho que só assim vou colocar um ponto final nisso. Finalmente cicatrizar a ferida.
Edward dissera exatamente aquelas palavras. E quando sua família estava atravessando as florestas de Forks à caminho do Alasca, ele insistira que o esperassem um pouco. Ele precisava fazer algo. Não demoraria muito.
Mas parado diante da casa familiar, escondido em meio às árvores. Ele não tinha mais tanta certeza.
O cheiro dela não estava mais presente. Talvez houvesse um leve toque, uma lembrança de que um dia — um dia há muito, muito tempo — ela estivera ali, mas estava escondido sob outros cheiros que atravessaram o terreno durante décadas. E por um momento, ele pensou que o pior — e ao mesmo tempo o natural — houvesse ocorrido.
Hesitante, ele foi para frente da casa. Não havia carros ali. Nem moto, bicicleta. Nada. Havia algumas plantas na frente da casa, arbustos de flores que não estavam ali da última vez em que ele estivera. E o lugar estava silencioso. Silencioso demais.
Ele deu a volta, observando as paredes externas e janelas. Havia uma aberta. Uma única janela aberta. A janela. E ele até podia ver as cortinas tremulando lá dentro.
Com um suspiro, ele escalou a parede. Seria silencioso. Invisível. Ninguém o veria. Mas ele veria tudo. Queria ver tudo. Entrar no quarto dela uma última vez, ver o local.
Quando deslizou para dentro do quarto, Edward teve certeza de que, se pudesse, seu coração teria acelerado. E talvez ele tivesse chorado.
Ele não sabia o que esperava, mas não era aquilo. O quarto dela simplesmente não era mais o quarto dela. Agora tinha um tom mais vivo de azul, e várias nuvens espalhadas por parede. Obviamente, o quarto era dividido. De um lado, um possível adolescente. Havia uma bola de basquete, um laptop, roupas espalhadas e vários CDs. Do outro lado, uma criança pequena com sua mini cama, brinquedos e bichos de pelúcia. A cadeira de balanço, exatamente a mesma, estava ali, perto da janela, mas era a única evidência de que um dia ela estivera ali.
Edward estava tão preso em seus pensamentos que não ouviu a aproximação de um carro. Apenas notou quando sentiu dois cheiros muito fortes. Um, o de lobo. Como o de um cachorro molhado. Pertencia à alguém da reserva quileute, ele tinha certeza. E o outro, era o dela. E Edward ficou tão apavorado por Bella estar tão próxima à um lobo que esqueceu de sair. Foram duas vozes jovens que lhe tiraram de seu transe.
— Não acredito que me fizeram vir até aqui por conta de uma mísera bola de futebol. Pelo amor de Deus!
Era um garoto. Um adolescente. E estava exasperado e irritado enquanto abria a porta principal da casa.
— Para de reclamar por um segundo, Alex.
E mais uma vez, Edward achou que, se fosse possível, seu coração teria acelerado.
Era a voz dela! Era ela! Ele tinha que vê-la!
Esgueirando-se pelas sombras, ele fez seu caminho para o andar debaixo sem ser notado. A mobília não mudara muito por ali e ele sabia exatamente onde se esconder para passar despercebido pelos olhos humanos.
E então, escondido, ele se permitiu observar a dupla. O garoto, um adolescente como ele presumira, tinha cabelos lisos e castanhos que quase caíam em seus olhos e um corpo magro, alto e desengonçado. Ele marchou escada acima. Seu cheiro estava impregnado pelos odores que Edward sentira virem do carro. Lobo e Bella.
A menina continuou no andar debaixo, de costas para Edward, observando o ambiente. Seus cabelos, castanhos como os do garoto, eram longos e ondulados, batiam em sua cintura. Ela sacou um amarrador do bolso da calça e começou a fazer uma trança, virando-se lentamente.
E, se já não estivesse morto, Edward teria caído duro naquele instante.
É Bella!, pensou, os olhos arregalados em adoração.
Mas então, começou a notar diferenças óbvias. Tão óbvias que ele não sabia como não as notara antes. Aquela garota tinha um nariz mais arrebitado, olhos maiores e suas sobrancelhas eram levemente arqueadas. Poderia se passar por Bella, mas não diante dos olhos bem treinados de um vampiro.
E Edward pôde ouvir no exato momento em que ela pensou:
Argh, ele não para de reclamar…, seu nariz enrugou e ela o coçou, irritada. Será que a tia Nicole está usando aqueles sprays de ambiente na casa? Aqui tem um cheiro absurdamente doce…
Ele a ouvia! Então, claramente, aquela não era Bella… A constatação mais óbvia de todas atingiu Edward como um caminhão.
É claro que ela não é a Bella., pensou, subitamente triste. Bella teria 88 anos hoje.
— Morgan! — o garoto, Alex, desceu as escadas correndo com uma bola de futebol nas mãos. — Achei! Vamos?
Apenas com um aceno de cabeça, a menina concordou e ambos seguiram para fora da casa. Não conseguindo resistir, Edward correu atrás deles antes que a porta fosse fechada e se escondeu em meio às árvores e arbustos.
O carro deles era um Volkswagen Rabbit, e Edward franziu o nariz com a proximidade da fonte do cheiro de lobo. Ambos adolescentes entraram no carro depois de trancar a porta e arrancaram. O Rabbit "tossiu" e "engasgou". Seu motor era velho e estava pelas últimas.
Edward olhou para trás, para a floresta, e pensou em sua família esperando por ele bem longe dali.
Eles podem esperar., pensou antes de, em um impulso, seguir o carro.
Ele não fazia ideia de para onde os adolescentes — que, pela mente de Morgan ele descobriu serem primos — iam. Via uma casa amarela, de dois andares, meio desbotada, com cercas brancas na varanda, pela mente dos dois, mas de quem era a casa? Morgan cantava sem parar uma música indie mentalmente e Alex fazia um contraste com um rock pesado. Ambos em silêncio físico.
Enquanto corria atrás deles, Edward pensou que não fazia ideia do motivo de estar os seguindo. Era porque estavam na casa de Bella? Ou porque Morgan parecia demasiadamente com sua ex-namorada? Ou pelos dois, misturados com uma pitada de esperança?
Quando eles pararam em frente à casa que projetaram em suas mentes, ele tornou a se esconder na orla da floresta. A casa era relativamente distante do centro de Forks, sem vizinhos aparentes. E um pouco próxima demais da reserva quileute.
E mesmo antes dela entrar em seu campo de visão, Edward podia ouvir as vozes. Crianças correndo e gritando felizes. Adultos conversando. Uma mãe preocupada gritando ocasionalmente. Um senhor de voz rouca cuja risada reverberava pelas árvores. O tilintar dos talheres e o som de mastigação. Era um almoço de família. Haviam alguns carros, bem mais novos que o Rabbit, estacionados em frente à casa.
Morgan e Alex saíram do carro. Alex carregava a bola em frente ao corpo e ao invés de entrarem pela porta da frente, ambos deram a volta. Edward os seguiu, sempre mantendo uma distância segura.
Quando chegou aos fundos da casa, sua expressão curiosa deu lugar a um sorriso orgulhoso. Era a cena perfeita.
Uma garota, provavelmente com 10 anos, corria atrás de um menino loirinho de 5. Numa grande mesa de piquenique, 13 adultos estavam sentados. 6 mulheres e 7 homens. Alguns por volta dos 50 ou 60, outros na casa dos 30. Era uma mistura. Muitos tinham cabelos castanhos, outros cabelos pretos, uns tinham pele clara enquanto poucos ostentavam um tom sedoso de castanho-avermelhado, e todos — pelo menos aqueles que eram visivelmente parentes — tinha olhos cor de chocolate. E na cabeceira da mesa, um senhor de olhos negros gentis, pele escura e cabelos brancos ria.
E longe deles, sentada na varanda em uma cadeira de balanço, apenas observando — quase como Edward, sem querer se intrometer na felicidade alheia —, havia uma senhora. Seus cabelos brancos estavam presos em um coque alto e alguns fios escapavam, emoldurando seu rosto fino. As mãos ossudas seguravam uma caneca fumegante e seus lábios cheios sopravam a fumaça para longe. Ela bebeu um gole mas fez uma careta porque estava quente, então tornou a sorrir ao ver a cena alegre à sua frente. E Edward reconheceria aquele cheiro, aquele olhar, aquele sorriso, em qualquer lugar.
Era como se seu coração tivesse voltado a bater. A vida ganhara novas cores. Tudo era bonito novamente. Ele se esqueceu do tempo e do espaço.
Bella suspirou, assoprando sua bebida — um chá — novamente.
— Cuidado, Avery! — alertou ela à menina que corria atrás do garotinho.
Morgan e Alex adentraram a cena, cumprimentando à todos com sorrisos e acenos.
— Oi, família! — Morgan foi primeiro para Bella e a beijou na testa, então sentou com seus familiares à mesa.
Alex apenas acenou para ela, jogou a bola para o garotinho — "Aqui, Spencer!", dissera — e sentou-se.
A cena era perfeita. Edward queria que Esme a pintasse e emoldurasse o quadro. Uma grande família feliz, apenas aproveitando a presença uns dos outros. E era tudo o que Edward desejara, mesmo em seus dias egoístas quando sonhava com nunca ter ido embora e ter mantido Bella para si. Mesmo nesses dias, ele desejava que ela estivesse bem e feliz, fosse como fosse. Que tivesse encontrado uma forma de seguir em frente.
E vê-la ali, seguindo o curso natural de sua vida, sorrindo para a família que havia montado, não podia deixá-lo mais feliz. E ao mesmo tempo, mesmo que só aquela cena já fosse o suficiente para satisfazê-lo, ele quis mais. Ele queria ver mais, saber mais. Como foram aqueles 70 anos? Aquele sentado à mesa, de cabelos brancos, era mesmo Jacob Black? Edward se lembrava dele como o garoto magricelo que tirou Bella para dançar no baile, mas agora ele estava velho e o cheiro de lobo que impregnava o Rabbit com certeza vinha dele. Será que ele e Bella…? Nada na mente de nenhum dos presentes respondia a pergunta de Edward.
E então, quando seu olhar se demorou demasiadamente sobre Jacob, o olhar do próprio virou-se para ele. Por um segundo, sua expressão foi de choque. Pavor. Edward temeu que o velho fosse ter um ataque cardíaco. Mas ele se acalmou e, discretamente, ergueu um pouco a mão e articulou uma palavra com a boca ao mesmo tempo em que pensava nela.
Espere.
Edward não sabia o que ele queria dizer, mas pacientemente aguardou, escondido nas sombras.
— Vamos tirar a mesa? — disse Jacob, erguendo-se com dificuldade e pegando seu prato vazio enquanto pegava também a bengala, encostada em sua cadeira.
Alguns resmungaram, mas todos começaram a levantar e a tirar pratos, talheres e copos da mesa.
— Por que essa pressa, Jake? — erguendo-se de sua cadeira de balanço, Bella arrastou-se pelos degraus da pequena varanda para ajudar com a mesa.
— Hoje tem jogo. Basquete.
— O jogo não é amanhã? — perguntou um senhor de pele morena, e cabelo preto salpicado por fios grisalhos.
Jacob o fuzilou com o olhar.
— Não me contesta, Aaron!
O homem deu de ombros e olhou para uma mulher que muito provavelmente tinha sua idade e pintava o cabelo para ficar loiro.
— Tudo bem, pai — ele colocou alguns talheres no prato que segurava e entrou na casa.
Não demorou muito. Logo todos haviam entrado, até as crianças, para lavar a louça e procurar o canal onde passaria o suposto jogo.
Bella saiu da casa e Jacob foi atrás dela.
— Deixa que eu faço isso, Jake — ela foi até a mesa e começou a tirar a toalha quadriculada.
— Não, eu faço.
— Mas o seu jogo…
—  Eu vou ver, mas você trabalha demais. Deixa que eu pega a toalha e tiro a sujeira.
Bella suspirou, colocando as mãos nos quadris.
— Jacob Black, você está estranho.
— Eu nunca disse que era normal.
Ela balançou a cabeça e lhe deu um rápido beijo nos lábios antes de sair.
Edward teve que se apoiar na árvore mais próxima. É claro que ele queria que Bella tivesse casado, encontrado outra pessoa. Mas ver isso era completamente diferente.
Depois que Bella já estava à uma boa distância, Jacob largou a toalha na mesa e, com a ajuda da bengala, arrastou-se para a floresta. Ele passou direto por Edward, como se ele não estivesse ali.
— Vem — disse por fim, quando já estava meio longe. — Estamos perto demais da casa.
Eles não andaram muito. Edward achou que, se ele estivesse na casa, ainda poderia ouvir a conversa, mas todos lá eram humanos então a distância deveria ser suficiente.
Jacob por fim parou, a bengala em frente ao corpo, apoiando-se nela. Tinha a expressão severa de um pai que esperava explicações do filho que passara a noite inteira na festa.
— O que você quer aqui? — perguntou, franzindo o cenho.
Edward foi sincero. Não havia porque mentir.
— Eu queria vê-la. Saber como estava.
A risada de Jacob saiu rouca, mas desdenhosa.
— Ha! Ver depois de 70 anos?! Cara, você se importa muito com ela, não?
— É justamente porque eu me importo que não vim antes. Queria lhe dar tempo para seguir a vida. E as circunstâncias acabaram ajudando para que eu estivesse aqui hoje.
— Ela quase morreu por sua culpa! — Jacob praticamente cuspiu as palavras. — Você não tem o direito de aparecer aqui todos esses anos depois para ver se ela está bem!
Involuntariamente, Edward imaginou, Jacob projetou uma imagem na mente. Talvez ele só estivesse se lembrando enquanto falava, talvez não tivesse feito por mal.
Era Bella, encolhida, chorando. Ainda era nova, devia ter sido pouco depois dele ter ido embora… E mais imagens depois dessa. Ela era praticamente um zumbi. Olhava para longe, para lugar nenhum. Estava magra, quase esquelética. Pálida, com grandes olheiras.
Edward encolheu.
— Pare! — suplicou.
Jacob franziu o cenho.
— Você… Pode mesmo fazer isso?
— Isso o que? — ele estava se recuperando da dor, tentando livrar a mente da imagem de Bella naquele estado deplorável.
— Ler mentes. Uma vez ela me disse que podia. Achei que fosse besteira.
— Posso.
— Hm — novamente, Jacob tornou a lembrar da dor de Bella.
— Por favor, pare com isso — a voz de Edward saía entrecortada.
Jacob parou.
— Acho bom refrescar sua memória. Entende porque não é bem-vindo aqui, sanguessuga?
A resposta de Edward morreu ao ouvir o "apelido".
— Ela te contou isso também?
Jacob entendeu ao que ele se referia.
— Não. Não precisou. Eu soube depois que uma amiguinha sua resolveu fazer uma visita à cidade e… — Edward viu a imagem de vários lobos enormes, do tamanho de cavalos, e de pelagens diversas. — Depois disso, eu soube a verdade. E foi só então que Bella me contou do seu… Dom.
— De que amiga você está falando? — ele só podia imaginar Esme, Rosalie e Alice, mas nenhuma delas foi à Forks depois que eles se mudaram.
— A ruiva — novamente, Jacob projetou outra imagem mental. Era a de uma mulher de cabelos vermelhos como o fogo, rápida, ágil, ela corria pela floresta, fugia de algo.
— Victoria — o nome saiu dos lábios de Edward como uma palavra profana e proibida.
— Nunca cheguei a saber o nome dela — Jacob deu de ombros. — Nós a matamos um dia. Ela e o amigo de trancinhas dela.
Edward não precisava de imagens para saber que ele falava de Laurent.
— Obrigado — sentiu-se obrigado a dizer. — Ela queria a Bella. Você… A salvou. Sou muito grato.
A expressão raivosa retornou ao rosto do velho.
— Não preciso da sua gratidão. E é claro que eu salvei a Bella. Precisei salvá-la de muitas coisas nesse tempo em que você esteve fora. Da ruiva, de você e dela mesma.
A imagem de Bella na frente de um penhasco inundou a mente de Edward. Ela olhava para baixo e por um segundo seus pés dançaram, levando-a para frente e para a morte certa, mas então uma mão forte a segurou e a puxou para trás, envolvendo-a em braços fortes.
— Ela estava decidida a acabar com a própria vida se isso significasse te ver de novo — Jacob explicou. — Ela dizia que podia te ver quando fazia algo perigoso… Acho que você sabe que o cérebro dela nunca foi muito normal.
Edward não queria acreditar que sua partida deixara Bella em tamanha depressão que ela considerou o suicídio. Se ele tivesse ficado…
Não., pensou. Ela está muito melhor agora.
— O que houve depois? — ele implorava por mais. Era um masoquista, com certeza. Queria ser torturado com mais imagens de Bella, saber o que lhe ocorreu durante aquele tempo.
— Como eu disse, eu a salvei. Levei-a para o Charlie, que buscou tratamento para ela. Bella não foi muito ao psicológo, mas acho que ajudou. Um dia, ela estava de volta à minha oficina, sorrindo. Eu sabia que era um sorriso forçado, mas era melhor do que nada. Ela estava tentando.
Edward viu a cena. Bella entrou timidamente na oficina de Jacob, com as mãos nos bolsos, enquanto ele consertava uma moto.
— Posso entrar? — ela perguntou apenas com um fiapo de voz e sorriu. Um sorriso fraco. Forçado.
— Claro que pode — Jacob deu umas batidinhas no chão ao seu lado. — Sente aqui.
— E daí para a frente ela foi continuando, tentando, se esforçando para se recuperar. E logo eu percebi que o sorriso não era mais forçado.
Ele podia vê-la rindo na praia, chutando a água na direção de Jacob, sendo perseguida por ele na areia, comendo com amigos e até dançando. Bella dançando! Edward não pôde evitar um sorriso. Ela havia mudado. A Bella que ele conhecia odiava dançar, e naquela memória ela balançava os quadris meio fora do ritmo, com as mãos para o alto, girando numa sala de estar minúscula. Ela esbarrou na mesa e caiu, mas ainda riu.
E quem foi ajudá-la a levantar foi Jacob. Ele riu também e lhe estendeu a mão. Ela o abraçou.
— Ela te ama — foi o que Edward disse. Sem emoção, sem reação. Ele apenas constatou a verdade.
Jacob sorriu, meio nostálgico, e acariciou a própria mão. Edward notou que ele tocava a aliança na mão esquerda, um simples anel dourado que não havia sido notado antes.
— É, acho que sim. Mas demorou para isso acontecer. Ou para ela notar. Você sabe como ela é teimosa.
Ele concordou e ambos ficaram em silêncio por um tempo. Jacob não sabia porque estava sendo gentil de repente. Edward não merecia sua gentileza, merecia? E daí que foi apenas por conta do sanguessuga, por conta de sua partida, que Bella decidiu dar uma chance à ele? Isso ainda não apagava o mal que ele a fez.
— Por favor — Edward falou. — Eu sei que a fiz passar por coisas terríveis. Eu me arrependo disso. Não de ter ido embora, porque essa vida que ela tem agora é exatamente o que sempre quis para ela, mas me arrependo de ter deixado que ela se aproximasse demais de mim para ser afetada de tal modo pela minha partida. E eu sei que isso não muda as coisas, mas pode, por favor, me mostrar como foi?
— Como?
Se Jacob houvesse entendido bem — fazia pelo menos 10 anos que ele deixara de confiar plenamente em seus ouvidos —, então aquele vampiro à sua frente era louco. Louco e masoquista. Não que Jacob não achasse que ele precisasse de uma boa dose de dor para compensar tudo o que ele fizera Bella passar, mas por quê?
— Poderia me mostrar como foi a vida dela nesses anos? Se ela foi genuinamente feliz? Eu preciso saber. Preciso disso para ir embora em paz. Prometo nunca mais voltar depois disso.
Jacob franziu o cenho.
— Por que eu faria isso?
Edward suspirou.
— Você não tem motivos para fazê-lo. Na verdade, tem todos os motivos para não fazê-lo, mas é meu único e último pedido que te faço.
Confuso, Jacob ponderou. Ele não precisava fazer.
O vampiro tem razão, pensou. eu tenho motivos para não fazer.
Mas ainda assim, com um suspiro e mudando o peso de um pé para o outro, ele fechou os olhos e buscou no fundo de sua mente já velha e embaçada.
Edward esperou, segurando-se à um fio de esperança, e viu.
Bella estava na praia de La Push, sentada em um tronco caído próximo à água. Era um verão como Forks nunca vira. Estava quente demais e ela tinha os cabelos presos num rabo de cavalo alto. Ela cortara o cabelo e por isso alguns fios escapavam por debaixo do penteado. Usava uma regata e shorts. Seus pés estavam descalços e a água os molhava. Uma brisa quente acariciava seu rosto.
Ela se sobressaltou quando um homem alto e moreno tocou seus ombros e gritou:
— Bu!
— Jacob! — ela o repreendeu.
Ele riu e sentou ao lado dela. Não usava camisa e também estava descalço.
— Está um calor de matar — ele disse. — Billy dormiu com todos os três ventiladores em cima dele. Fiquei sem nada.
Bella revirou os olhos e fez bico.
— Coitadinho de você.
Jacob franziu o cenho, então de repente sua cara assumiu uma expressão maliciosa. Ela notou.
— O que foi?
— Hm… Só estava pensando… Você sabe nadar, Bella?
— É claro que sei nadar, você sabe disso. Eu… — ela entendeu seu olhar. — Jacob, o que você está pensando?
Ele a ergueu nos braços e correu para a água com ela.
— Jacob! Para! Seu cachorro idiota! Me solta!
— Ok, foi você que pediu…
— Não! Não!
Ele a soltou, espirrando água para todos os lados. Ela ergueu-se furiosa, batendo em seu peito e jogando mais água para cima dele. Sua roupa estava colada no corpo e apesar de estar quente, a água estava muito gelada e ela tremia de frio.
— Eu vou ficar gripada, seu idiota!
— Não seja tão chata… Vem me pegar!
Ele nadou para longe e, mesmo revirando os olhos, Bella nadou atrás e tentou agarrar seus pés.
Eventualmente a perseguição raivosa dela se tornou brincadeira e eles estavam nadando um atrás do outro, sem mais saber quem queria pegar quem, rindo e espirrando água. Até que Jacob puxou a perna de Bella e então sua cintura e ela riu, caindo por cima dele. Ela o abraçou e ele tentou nadar assim, resultando mais em quedas que em algum avanço.
Por fim, os dois pararam, já sem fôlego, se sentaram onde as ondas encontravam a areia e então recuavam. Cansados, ambos caíram para trás, deitados.
Seus peitos subiam e desciam desritmadamente e eles olharam um para o outro. Havia mais que pura diversão naquele olhar, mais que cumplicidade, amizade. Era paixão, admiração, desejo.
Juntos, como se fosse um gesto programado, eles se abraçaram. Jacob passou os braços grandes pela cintura dela e ela pelo pescoço dele, entrelaçando os dedos em seu cabelo. Seus lábios se conectaram num beijo fervente.
E então a cena mudou. Seguiram-se uma procissão de cenas, momentos, como um filme, na mente de Edward.
Bella e Jacob em uma lanchonete, rindo e lanchando. Eles na cozinha da casa de Charlie, preparando algum prato com peixe e trocando beijos ocasionalmente. Uma noite no sofá da casa dos Black, assistindo filmes e tomando café para não dormir. Em volta de uma fogueira com outros membros da reserva, escutando lendas que todos ali sabiam serem verdade. Cantando desafinadamente na oficina e Bella passando para Jacob as ferramentas necessárias.
Ela foi para a faculdade e ele terminou o ensino médio. Ela se tornou professora na Forks High School, ele abriu uma oficina de verdade, não apenas um velho galpão na reserva. Ela tinha pesadelos à noite com um vampiro que a deixava sozinha na floresta escura e ele a consolava, abraçando-a até que dormisse novamente.
Ele se ajoelhou na frente dela na Flórida, em uma casa quente perto da praia. E ela disse sim. Ele a ergueu e girou no ar, então a beijou profundamente porque sua felicidade não podia ser expressa com palavras.
Eles se casaram em La Push. Ela usava um vestido simples e leve. E all-stars brancos. Os convidados eram poucos e a recepção foi simples mas divertida. Ela riu, dançou e chorou. Porque sua felicidade não podia ser expressa com palavras.
Eles passaram a lua de mel em um hotel 4 estrelas em Nova Jérsei. E tiveram três filhos, Aaron, Lydia e Zachary. Com os vampiros fora da cidade, nenhum outro membro da família além do Jacob se transformou. Eles guardaram o segredo até mesmo dos filhos e a vida foi perfeita. Às vezes, os mesmos pesadelos a mantinham acordada, mesmo 70 depois, e às vezes ela ficava presa demais em seus pensamentos para notar o mundo à sua volta. Mas foi uma vida feliz.
Quando Jacob terminou, parando numa cena de Bella atrás da casa brincando com os três filhos, Edward piscou, atônito. Ele estava feliz que ela pudesse ter conseguido tantas coisas na vida, mas triste porque sua partida continuou a assolá-la durante tantos e tantos anos.
— Obrigado — surpreendentemente, quem agradeceu foi Jacob. Ele tinha lágrimas nos olhos por conta das lembranças. Tratou de secá-las.
Edward balançou a cabeça.
— Não, eu é que agradeço. Você cuidou bem dela, Jacob. A fez mais feliz do que eu teria feito.
— Não espere que eu agradeça de novo, mas é só por conta da sua partida que ela ficou comigo.
O vampiro riu baixinho, então olhou em volta da floresta com o olhar triste.
— Eu acho melhor ir embora. Vou cumprir minha promessa. Nunca mais vou procurá-la novamente.
— Espere. Você disse… Que as circunstâncias ajudaram você a estar aqui hoje. Que circunstâncias?
— Oh — Edward se surpreendeu com o interesse dele. — Eu e minha família estávamos de passagem pela floresta à caminho do Alasca.
— Alasca, hum? — desconfortável, Jacob mudou o peso de um pé para o outro. — Bem… Eu… Eu posso te pedir um favor, então?
— Acho que te devo um.
— Sabe, eu tenho uma bisneta… A Morgan… Ela é muito parecida com a Bella, na verdade. Em aparência e em outras coisas... Você a viu?
— Sim, vi — ele disse, lembrando da semelhança gritante entre Bella e a garota.
— É… Bom, ela está indo para o Alasca em setembro para fazer faculdade. Toda a família está aqui em Forks, apenas ela decidiu se mudar e estão todos preocupados que ela vá ficar longe… Você pode cuidar dela por nós? Se certificar que nada de ruim vai acontecer com ela? A Morgan herdou o imã de desastres da Bella… O péssimo equilíbrio também.
Edward sorriu, lembrando dos modos estabanados de Bella.
— É claro — assentiu. — Vou ficar de olho nela.
Jacob abriu a boca para falar, mas eles ouviram arbustos se mexendo e uma voz chamou:
— Vovô! — era Morgan. — Vovô! Você está aí?
Eles se entreolharam.
— Já estou indo, Morgan!
Com um aceno rápido, Edward se distanciou antes que a garota pudesse aparecer, mas não resistiu ao instinto e virou para trás para vê-la.
Morgan saiu detrás das árvores, tropeçando em galhos e pedras, e tirou o galho que se prendera em sua trança.
— O que você veio fazer aqui? — ela perguntou, checando para ver se o bisavô estava bem.
— Achei que tinha visto uma raposa — Jacob mentiu. — Pensei que ela iria acabar com a horta da sua avó, mas não era nada. Só o vento.
— Hm… — Morgan olhou em volta e franziu o nariz. — Está sentindo um cheiro doce? Eu tô sentindo desde a casa do tio Elliott…
— Não — Jacob colocou a mão nas costas dela e começou a guiá-la para fora da floresta. — E aí, o jogo já começou?
— Aham! Sabe o que é estranho? Tava todo mundo dizendo que não tinha jogo hoje, mas a gente achou!
— Eu disse que tinha…
— É…
Antes de sumir, Morgan se virou, ainda sentindo o cheiro estranho, e apertou os olhos para tentar enxergar melhor. Por um segundo, pensou ter visto um par de olhos dourados, mas quando piscou, ele havia sumido.

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