Wonpil and Sungjin

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Ainda estávamos no meio do mês de janeiro, a neve fina caia sobre as cabeças protegidas com gorros, deixando-os branquinhos. Assoprei o café com cuidado, dando uma olhada no relógio em meu pulso; suspirei mais forte, derramando um pouco do líquido quente na mesa. Era o primeiro encontro com o rapaz e ele já estava atrasado. Eu não entendia muito de encontros amorosos, mas sabia que atrasos causavam um mal-estar bem chato porque era o que estava sentindo. Eu não havia passado a noite em claro para o ser humano atrasar daquele jeito, me deixando mais ansioso.

Inferno... Minhas pernas voltaram a balançar e eu não sabia como fazer aquilo parar. Sorvi um grande gole de café, sentindo-o queimar minha língua. Fiz uma careta e escondi as mãos no casaco de neve que usava, tentando não fazê-las tremerem também. "Eu sou ridículo, devia ir embora antes de passar mais vergonha" repetia mentalmente, incansavelmente e inutilmente.

— Kim Wonpil? — Uma voz doce chamou por meu nome e parei de encarar a janela, virando o rosto até o dono da bela voz. O moreno à minha frente vestia uma calça preta justa e rasgada nos joelhos, uma camiseta azul listrada por cima de uma blusa branca e botas enormes nos pés; sua roupa estava repleta de neve e sua boca tremia levemente. Ele sorriu por breves segundos, depois sua feição tornou-se aflita e culpada. — Meu Deus, me perdoa pelo atraso. Me perdoa mesmo!

— Não tem problema, acontece. — Tentei sorrir amigável para não ser pego na mentira. Há poucos minutos eu estava querendo matar o indivíduo. Estiquei a mão em sua direção e fiz uma breve reverência, sendo imitado por ele em seguida. — É um prazer te conhecer Park Sungjin.

O rapaz correu até o balcão da cafeteria, fez o pedido e voltou apressado para a mesa. Sorri mais uma vez, desconfortável com a situação. No momento em que estava na minha frente eu não sabia o que fazer. Esperara tanto por aquilo que não sabia o que fazer. Eu estava enlouquecendo aos poucos. Busquei algum assunto enquanto ele se arrumava na cadeira e passei a observá-lo com mais cuidado.

— Você está bem? — Perguntei de repente, o assustando. Apontei para um rasgo médio na manga de sua camiseta e os cortes pequenos em suas mãos. Ele observou-as por um tempo, depois as escondeu embaixo da mesa, sem graça.

— Alguns cães começaram a brigar e eu precisei separá-los. Normal...

— Oh! Você trabalha no canil, não é? — Fiz-me de desentendido. Era óbvio que eu já sabia de tudo da vida dele e havia decorado tudo para eventuais consultas, mesmo assim me sentia um imbecil tentando puxar conversa já sabendo sobre tudo. Em seu perfil no site de relacionamento haviam várias fotos suas com animais e ele mesmo já havia dito aquilo quando conversamos brevemente alguns dias atrás.

— Sim. — Seu rosto pareceu se iluminar e aproximou-se mais de mim, começando um monólogo que eu não estava esperando: — Eu sou o responsável por todos os funcionários e cachorros. Os gatos e pássaros são de outro setor. Mas o meu sempre foi o mais organizado e bem sucedido. No final do ano conseguimos doar todos os cães para lares responsáveis, mas logo no começo do ano tivemos que salvar vários que foram largados após as festas. Muitos têm donos, mas nunca conseguimos entrar em contato. Pode ser que tenham feito isso de propósito. É uma pena porque são ótimos cães, um mais lindo e fofo que o outro. Às vezes durmo no canil com eles para que não se sintam tão sozinhos. Ajudá-los me faz muito bem!

— Uau, deve ser uma vida bem agitada. — Foi o único comentário que fui capaz de fazer, ainda meio sem fala. Eu realmente não estava esperando pelo falatório. Dei um longo gole no café e arrumei meu casaco no corpo; não estava me sentindo bem.

— Você gosta de animais?

— Sim, gosto.

— Tem algum? — Seus olhos atentos me fitavam ansiosos pela resposta. Entortei a cabeça, não conseguindo acompanhar seu raciocínio.

— Tenho um peixe.

Sungjin não conteve o muxoxo que escapou por seus lábios, decepcionado. Poxa, meu peixe é lindo e é um bicho de estimação bem legal; pelo menos não preciso ficar juntando cocô dele pela casa e nem passear embaixo de um sol cruel todo domingo. Preconceito besta com o meu peixinho...

Enquanto eu reclamava em pensamentos, o rapaz mexia em seu celular freneticamente. Em poucos segundos já estava me mostrando várias fotos de diferentes cachorros. Eram lindos, eu não podia negar.

— Não quer adotar um deles? — Indagou do nada. Eu juro que dei um pulo na cadeira, causando uma risada sem graça nele, acompanhei-o no riso tão sem graça quanto. — Desculpe, eu quero que eles sejam felizes e você parece ser bem cuidadoso.

— Eu não posso ter nenhum bicho de estimação, infelizmente. Quase não fico em casa, não conseguiria cuidar muito bem dele. — Expliquei-me, contorcendo os lábios. — Você já trabalhou com alguma outra coisa antes?

— Eu trabalhei no escritório de contabilidade do meu pai por pouco tempo. Nada contra, mas acho uma vida meio tediosa para mim. Terno, gravata e maleta todo dia. — Assenti imediatamente, me solidarizando com a situação. Ficar preso em um cubículo devia ser horrível mesmo; quando eu não tinha modelos para entrevistar ou alguma sessão para ajudar e precisava ficar parado na minha sala, sentado em uma cadeira desconfortável, me sentia enlouquecer. — Você mora sozinho, então?

— Sim, sim. A única pessoa que frequenta meu apartamento é a faxineira duas vezes por semana. E você?

— Divido uma casa com alguns bichos. — Começou animado, contudo sua expressão mudou para uma de desânimo. — Às vezes sinto falta de compartilhar momentos com seres humanos. Eu amo os meus animais demais, mas seria legal ter uma resposta deles de vez em quando. Sinto falta da presença humana.

— Oh... — Foi o único som que escapou da minha boca, incapaz de processar qualquer outra resposta. Eu realmente não estava esperando que a conversa tomasse um rumo tão... Deprimente e melancólico. Ele sorriu e assentiu compreendendo minha falta de tato com a situação. Suspirou breve e deu uma última olhada no celular, no entanto seus olhos arregalaram suavemente e me encarou parecendo desesperado.

— Meu Deus, eu preciso voltar para o canil! Já estou atrasado. — Acompanhei-o até saída da cafeteria, encolhendo-me com o frio do lado de fora. Sungjin me deu um abraço breve e estendeu um papel de guardanapo com alguns números. — Me desculpa mesmo, Wonpil. Eu prometo que da próxima vez nós conversaremos melhor.

Park Sungjin parecia o Coelho Branco da Alice no País das Maravilhas e resolvi salvá-lo nos meus contatos com tal apelido.

Meu segundo encontroOnde histórias criam vida. Descubra agora