8 de março de 2000

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— PAPAI!!! — a criança sentou na cama em um sobressalto; o coração quase saindo pela boca, o corpinho todo molhado de suor e as lágrimas escorrendo pelo seu rosto de pele escura.

A porta, que ficava do lado esquerdo da cama, se abriu num rompante e dois homens entraram. Os cabelos bagunçados e os pijamas, amarrotados. O quarto da criança era todo enfeitado de verde, com alguns desenhos colados na parede e brinquedos espalhados pelo chão. Graças à meia-luz da lua nova, que brilhava alto no céu, era possível ver alguns pôsteres da Ravena, de Jovens Titãs, além de bonecos do Max Steel e carrinhos ao pé da cama.

— O que foi, filhote?! — disse Guilherme, ao sentar na cama com um ar preocupado.

— Era ele de novo, papai, era ele de novo! — Luan se levantou e, de pé na cama, abraçou seus pais.

— Calma, Luan, foi só um sonho... — disse Jacó tentando tranquilizar, acariciando o curto cabelo crespo da criança. Logo em seguida, levantou e foi até a cozinha buscar um copo d'água.

Luan era uma criança muito inteligente e perspicaz. Assim que chegava da escola, sentava em frente à TV e passava horas a fio assistindo seus desenhos preferidos. Freakazoid e o recém lançado Coragem, o cão covarde eram os seus preferidos. Quando não estava deitado só de cuequinha no sofá, ele ficava olhando os desenhos das revistas em quadrinhos de seu pai "Guilhemi", inventando histórias pro Homem Verde e pra Menina Roxa.

— O que foi que aconteceu, meu amor? — perguntou Guilherme, deitando na cama junto com Luan.

— Aquela somba de novo, papai. — respondeu a criança, com o corpinho todo tremendo.

— Tá tudo bem, relaxa... — ao ver que Jacó voltou, Guilherme estendeu o braço pra pegar o copo de plástico que o rapaz lhe entregou. Jacó voltou a se sentar ao pé da cama. — Obrigado. — agradeceu. — Toma aqui, Luan. — disse, sentando-o na cama. A criança pegou o copo com suas mãozinhas e bebeu devagar. — Foi só um sonho ruim, tá, filhote?

— Isso não vai acontecer de novo, a gente tá aqui. — disse Jacó, fixando seus intensos olhos azuis no menino. Uma mecha de seu cabelo caiu por sobre os olhos, então ele a afastou com delicadeza e a pôs atrás da orelha. — Mas se esse feioso aparecer de novo, é só você chamar a gente novo, tá? E se a gente tiver demorando pra chegar, fecha os olhinhos com força, bate o pé no chão com força e manda ele ir embora que ele vai!

— É sério, pai? — Luan se virou pra Jacó com os olhinhos brilhando de esperança.

— Sério! — Jacó respondeu, com uma risada rápida.

— Mas você tem que falar com força, tá? — Guilherme completou. — Que nem quando você fala que é pra Ada não me mexer nos seus desenhos.

Ao ouvir isso, Luan riu, mais tranquilo. A gargalhada que deu, aqueceu o coração de seus pais, que fariam de tudo pra manter esse sorriso em seu rosto. Os três se abraçaram e deitaram juntos. Assim que a criança dormiu, os pais voltaram pro seu quarto.

Onde eu tô?, pensou Luan. Olhou ao redor e se viu no meio de um intenso matagal. A a vegetação dali estava tão alta, que batia acima de seu cabeça. O cheiro de verde e terra molhada lhe invadiu as narinas. Metade da lua brilhava alta no céu escuro, que dividia com apenas uma nuvem solitária. Seus pés estavam enterrados numa espécie de lama meio arroxeada. Esticou as mãos pra frente, tentando tocar o mato, mas, ao fazê-lo, a grama recuou.

— PAPAI!!! — gritou. Ou pensou ter gritado? Agora olhava desesperado ao redor. Deu um passo pra frente e a grama recuou novamente; atrás de si, a grama avançou. — PAPAI!!! — tentou de novo, mas seu grito foi engolido pela grama alta. Começou a correr desesperadamente.

Enquanto seguia em frente, a grama recuava, como a abrir espaço para que pudesse passar. Depois de alguns minutos correndo, Luan já estava morrendo de cansaço e chorava copiosamente, então se sentou no chão.
Me ajuda, por favor, implorou pra Lua.

Estava soluçando e abraçava os joelhos quando uma movimentação no mato à frente chamou sua atenção.

Ergueu a cabeça e tentou enxergar o que era.

Dois brilhos vermelhos apareceram em meio à folhagem.

Naquele momento, a única nuvem que havia no céu cobriu a lua. Os brilhos vermelhos brilharam mais intensamente que antes. Luan se sentiu sozinho, sem o conforto e a proteção da Lua.

— Você não devia estar aqui. — falou uma voz, vinda do meio do mato.

— Quem é você? — perguntou Luan, pondo suas mãozinhas no chão pra se erguer. Ao fazê-lo, um forte vento soprou, empurrando-o de volta ao chão. Seu short, antes com apenas alguns arranhões de quando estava correndo, agora empapados daquela lama esquisita.

— Fica sentado. — a voz respondeu. Apesar de nova e ainda muito ingênua, a criança sentiu um sorriso na voz. — Fica bem quietinho aí, Imole... — ao dizer isso, o mato voltou a se mexer. Os pontos de luz começaram a levantar, até que uma sombra emergiu do mato, cobriu a luz por completo, lançando uma sombra escura em Luan.

Foi quando ele ouviu um miado distante. Olhou em volta pra checar o que havia sido.

Um gato preto com uma cicatriz no pescoço vinha em sua direção, andando tranquilamente. Diferente de quando Luan andava, o mato não recuava e se retraía ao menor movimento do gatinho. Era como se ele nem estivesse ali. O gato veio andando em sua direção.

— Calma, vai ficá tudo bem. — disse a criança medrosa, tentando acalmar o gato que aparentava completa indiferença ao que acontecia. Fungou o nariz. Ao acariciar o gatinho, Luan sentiu um pouco de medo ao ver que seu olhos tinham uma cor completamente diferente da cor dos olhos de todos os outros gatinhos que já vira em sua vida. Os olhos desse gato eram de um roxo intenso e profundo.

O gato se desvencilhou do afago de Luan e olhou em direção à sombra. Naquele momento, aquela massa de escuridão simplesmente se retraiu e voltou ao chão, como se algo a sugasse. O bichano voltou seus olhos pra criança.

Aliviado e grato, Luan ia abraçar a criaturinha, quando ela chiou e arranhou seu braço, fazendo um corte leve. Na mesma hora, o sangue apareceu.

Foi nesse momento que Luan gritou e se viu sentado na cama.

O short sujo e o braço ardendo.

LailaiOnde histórias criam vida. Descubra agora