Capitulo 1 - A Arvore da Vida

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Hoje, se alguém me falasse sobre a Árvore da Vida, eu entenderia que é algo bem mais profundo do que uma simples planta bonita. Parece que essa tal árvore representa uma conexão grandiosa entre tudo, tipo um link entre a terra, o céu e até o submundo. Com suas folhas apontando pro céu e suas raízes mergulhadas na terra, é como se ela fosse um ponto de encontro entre mundos diferentes.

Mas naquela hora em que topei com aquela moeda esquisita toda esculpida com a tal da Árvore da Vida, eu tava mais no susto do que pensando em filosofia. Tava tudo uma bagunça, com a morte repentina do meu melhor amigo, o Robson. A cena dele indo embora, nos braços da Dona Alminda, o corre-corre da polícia levando ele pro hospital, tudo isso martelando na minha cabeça como um pesadelo bem real. Sepultar alguém nunca é moleza, ainda mais quando era uma pessoa cheia de vida e alegria como o Robson. E as últimas palavras dele, ecoando na minha mente, deixaram uma saudade que doía.

No dia seguinte aos eventos, o sol tava só nascendo quando eu fui pro velório. A tristeza tava pesando pra caramba lá no Morro do Papagaio. Cada rosto mostrava a dor de perder alguém tão jovem e cheio de sonhos.

Quando entrei naquele salãozinho onde o corpo do Robson tava sendo velado, a cena era de cortar o coração. Gente se amontoando, tentando consolar a Dona Alminda, que tava sofrendo horrores. Cheguei perto do caixão e a visão do Robson ali, tão tranquilo, me deixou ainda mais apertado por dentro.

Precisei de um tempo sozinho pra tentar entender tudo aquilo. Fui me afastando da galera e, enquanto andava, vi uma coisa brilhando no chão. Uma moeda estranha, diferente de qualquer outra que já tinha visto. Quando peguei ela, uma brisa suave bateu no meu rosto e, por um instante, tudo pareceu meio diferente.

Olhando pra moeda, vi uns detalhes bem feitos nela: a tal Árvore da Vida de um lado e, do outro, o Pico da Neblina, com uma inscrição estranha: "AM-1965". De repente, uma tontura me pegou de jeito e, por um momento, perdi o equilíbrio. Quando tudo voltou ao normal, eu ainda tava com a moeda na mão e ninguém parecia ter percebido que eu dei uma viajada.

Fiquei ali, meio perdido, olhando pra aquela moeda esquisita. Aí escutei um barulho estranho, como se alguma energia tivesse sido sugada, e vi um vulto passar rapidão, quase como um flash de luz. Só quando o Luiz Gama, um garoto da nossa comunidade, veio me chamar, falando que era hora de ir embora, que eu voltei ao normal. Deve ter sido só coisa da minha cabeça, tipo um surto psicológico por causa daquela moeda maluca.

A gente tava sem carro naquele dia, então fomos de carona com o Luiz Gama e o pai dele, o Sr. Ernesto Ribeiro. A mãe do Luiz, Dona Maria Escolástica, morreu de câncer quando ele ainda era pequeno. Ela era muito respeitada na região, todo mundo chamava ela de "Menininha", e era conhecida pela sua força e jeito diplomático.

O Sr. Ernesto era tipo um líder lá no morro, todo mundo olhava pra ele com respeito. Ele ajudava muito nas paradas sociais da comunidade e até criou uns projetos pra dar uma melhorada na vida da galera daqui. Diziam que ele era biomédico e até professor de línguas. Um cara bem inteligente que deve ter ralado muito pra chegar onde chegou.

Ser negro já é difícil hoje em dia, imagina lá atrás, tipo uns 40 ou 50 anos atrás, quando o racismo tava na cara de todo mundo. Nos Estados Unidos e na África do Sul, por exemplo, o pessoal negro sofria horrores com o Apartheid, uma parada de segregação racial que negava direitos básicos pra maioria da galera só por causa da cor da pele. Foi uma luta braba pra acabar com isso, mas só lá pros anos 90 que a coisa começou a melhorar, com leis e tudo mais.

Mandela e Martin Luther King são tipo meus heróis nessa parada política. Eles botaram a cara a tapa por causa do povo deles, lutando por espaço em sociedades que tavam dominadas pelos brancos. O discurso do Luther King, aquele do "Eu Tenho um Sonho", ainda mexe comigo até hoje. E aqui no Brasil, a segregação racial tá mais camuflada, mas ainda afeta a galera, como aconteceu com o meu amigo Robson.

Meus pais, um motorista de ônibus e uma doméstica, são o pilar da minha vida. Eles sempre me incentivaram a correr atrás de uma educação melhor do que a deles. Hoje tô na faculdade de direito da UFMG, uma das melhores públicas do Brasil, e não precisei de cotas pra entrar, só minha nota no ENEM.

Me sinto sortudo por ter pais que, mesmo com as dificuldades, sempre botaram fé em mim. Ver o esforço dos dois pra garantir nosso sustento e nosso futuro me inspira demais.

Mas sei que nem todo mundo tem a mesma sorte que eu. Muitos jovens negros e de famílias pobres sofrem pra conseguir uma chance no ensino superior. As cotas raciais são uma tentativa de corrigir as injustiças históricas que a galera negra enfrentou e ainda enfrenta. Não é uma mãozinha, é só uma forma de dar uma equalizada nas oportunidades, numa sociedade que ainda tem muito racismo entranhado.

A luta contra o racismo e a desigualdade social é coisa de todo mundo, independente de cor ou condição. Precisamos construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde todo mundo tenha as mesmas chances de crescer e se dar bem na vida. Eu entrando na faculdade é só o começo da minha jornada, tô decidido a usar o que aprendo pra ajudar quem tá na mesma situação que eu já estive. Quando lembro do Robson, meu amigo que foi vítima da violência urbana e de todo esse sistema injusto, sinto uma mistura de tristeza e raiva. Mas também sinto uma vontade enorme de lutar por um futuro melhor, onde os jovens como ele não sejam só mais um número nas estatísticas, mas sim donos das próprias histórias.

Cheguei em casa naquele fim de tarde com o coração pesado, ainda remoendo tudo o que tinha acontecido no velório do Robson. Meus pais estavam lá, como sempre, cansados depois de um dia inteiro de trabalho duro. Meu pai, com o uniforme amassado do trabalho de motorista de ônibus, e minha mãe, com o avental sujo da faxina nas casas das patroas.

Não falei nada sobre a moeda ou o que tinha acontecido no cemitério. Queria guardar aquilo só pra mim, pelo menos por enquanto. Ajudei meus pais a prepararem o jantar, um momento simples em família que sempre me trazia um pouco de conforto.

Depois do jantar, peguei meus livros e cadernos e me tranquei no meu quarto. A noite era minha hora de estudar, de correr atrás dos meus sonhos. A faculdade de direito era um desafio e tanto, mas era o caminho que eu escolhi pra tentar fazer a diferença no mundo.

Horas se passaram enquanto eu mergulhava nos livros, tentando absorver o máximo de conhecimento possível. Às vezes, me pegava pensando no Robson, imaginando o que ele estaria fazendo se estivesse vivo. Mas eu tinha que me concentrar, tinha que honrar a memória dele fazendo o meu melhor.

Quando finalmente terminei de estudar, já era tarde. O cansaço me atingiu em cheio, como um soco no estômago. Tomei um banho rápido, vesti meu pijama e me joguei na cama. O sono veio rápido, uma bênção depois de um dia tão tumultuado.

E lá estava eu, mergulhado nos sonhos, esperando que o amanhã trouxesse um pouco mais de paz e esperança para o meu coração cansado.

A  Moeda dos DeusesOnde histórias criam vida. Descubra agora