Na vastidão do universo, entre os raios de luz que atravessam as estrelas e os segredos sussurrados pelo vento, nós, os Deuses Brasileiros, transcendemos o tempo e o espaço, moldando o destino dos mortais e dos imortais. Como Clarice Lispector, a Deusa da magia, da noite e dos mistérios, e a guardião do estado do Espírito Santo, tão poeticamente expressamos: "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar".
Essa citação ressoa profundamente conosco, Deuses Brasileiros, pois reflete nossa natureza multifacetada e a maneira como interagimos com o mundo dos mortais. Recentemente, eventos marcantes alertaram sobre a ruptura entre os reinos dos deuses e dos mortais, sinalizando a necessidade urgente de agir.
A ponte entre os dois mundos é frágil e perigosa, uma linha tênue entre a ordem e o caos. Qualquer contato com nossos artefatos divinos ou os dracmas, as moedas que servem de meio de comunicação, pode resultar na quebra desse elo delicado. Portanto, é crucial que esses objetos permaneçam intocados pelos mortais, evitando assim possíveis consequências catastróficas.
Nossos artefatos são tesouros sagrados, cada um deles imbuído com uma magia que protege o território de seus respectivos deuses. Embora os doze grandes possuam poder suficiente para proteger seus domínios sem a necessidade desses artefatos, nós os mantemos como uma camada adicional de segurança.
Diante dessa ameaça iminente, convocamos todos os 28 deuses para uma reunião. É crucial localizar o que foi perdido, identificar quem o perdeu e entender como isso ocorreu para que possamos tomar as medidas adequadas e aplicar as devidas punições.
Nossa presença está espalhada por todos os 26 estados brasileiros, com um único deus guardando os dois mundos no Distrito Federal. E é importante mencionar que a escolha da personificação de cada deus é feita pelo próprio deus grego correspondente. Nós, os deuses brasileiros, andamos em harmonia com nossos apadrinhados gregos.
Nossa residência está no Amazonas, especificamente no Pico da Neblina. Esse local, que alguns mortais consideram inacessível, foi escolhido por sua proximidade com o céu e sua conexão com os mistérios da natureza. Uma moeda foi cunhada para imortalizar nossa presença nesse lugar sagrado, lembrando aos mortais do ano em que chegamos.
Nossa imortalidade é mantida pelas memórias vivas da história de nosso povo. Enquanto nossos irmãos gregos e romanos dependem de oferendas para renovar sua imortalidade, nós nos sustentamos através das lembranças e das narrativas transmitidas ao longo do tempo.
O acesso divino ao Pico é possível apenas através da fonte sagrada, cujas águas cristalinas fluem das profundezas do Rio Secreto. Sua localização exata permanece um mistério, protegido pelo véu do desconhecido. Apenas nós, os deuses, temos o privilégio de mergulhar nessas águas, pois qualquer mortal que se atreva a fazê-lo será confrontado com seus piores medos e pesadelos, resultando muitas vezes em tragédia.
Enquanto pondero sobre esses assuntos, sou interrompido por um barulho familiar. João Nery, o Deus do arco-íris, o mensageiro dos deuses, adentra a sala dos tronos. Sua presença é reconfortante, pois ele é o elo que conecta o céu e a terra, transmitindo mensagens e notícias importantes entre ambos os reinos. Seu papel é vital neste momento de incerteza e perigo, pois sua habilidade de comunicação será essencial para coordenar nossos esforços e manter a harmonia entre os deuses e os mortais.
Na sala dos tronos, eu, o Deus dos Deuses, o soberano dos céus e o guardião do estado do Amazonas estava presente, imponente em meu trono. Meu olhar, penetrante e sábio, pairava sobre o ambiente vazio, antecipando os eventos que se desdobrariam.
Em um rápido movimento, João Nery, a personificação de Íris, adentrou a sala, seu semblante refletindo urgência e determinação. Ele sabia que não havia tempo a perder.
- Oh, João, você parece estar em um frenesi. Aconteceu algo urgente? - perguntei, minha voz ecoando pela sala.
- Sim, de fato, algo muito urgente, meu senhor. Os convidados para a reunião do conselho chegaram. Precisamos iniciar a discussão sobre os recentes acontecimentos sem demora! - respondeu João Nery, mantendo sua elegância mesmo em meio à pressa.
Assenti, compreendendo a gravidade da situação. "Entendo. Parece que a situação exige nossa atenção imediata. Conduza-os à sala do conselho e avise que estaremos lá em breve."
Sem hesitar, João Nery se virou e partiu, determinado a cumprir sua missão. "Farei isso imediatamente, meu senhor. E peço desculpas por minha chegada tão abrupta, mas a urgência do momento não permite cerimônias."
Enquanto João Nery se encaminhava para conduzir os convidados, eu me recordava brevemente a vida de João Nery. Em sua vida mortal, Nery foi um ativista e escritor brasileiro, pioneiro na luta pelos direitos LGBTQ+. Ele também foi o primeiro homem trans a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, em 1977. Sua coragem, determinação e habilidade em conectar diferentes realidades o tornaram uma escolha natural para personificar Íris, a deusa mensageira dos deuses, que também serve como um elo entre diferentes mundos e realidades.
Assenti mais uma vez, reconhecendo a importância do momento. "Não se preocupem com as formalidades agora, meus amigos. O que importa é que estejamos todos prontos para lidar com os desafios que se apresentam diante de nós. Vamos, não podemos perder mais tempo."
Com isso, nós, os deuses, nos preparamos para a reunião que moldaria o destino dos mortais e dos imortais, unidos em um propósito comum: proteger o equilíbrio entre os reinos e garantir a segurança de todos os seres vivos.
Parti imediatamente, deixando para trás qualquer formalidade que pudesse atrasar nossos esforços. Enquanto me encaminhava para a sala do conselho, minha mente vagueava pelos eventos recentes e pela urgência da situação. Uma ventania repentina e um estrondo ensurdecedor haviam assolado todos nós, sinais claros de que o elo entre os mundos estava sendo rompido.
A notícia da ruptura chegou até nós como um suspiro dos ventos divinos que atravessam o cosmos, trazendo consigo uma sensação de inquietação e urgência que ecoou pelos corredores celestiais. Desde então, uma série de acontecimentos inexplicáveis e perturbadores sacudiram nossos domínios, indicando que algo fundamental estava fora de equilíbrio.
As murmurações dos deuses ecoavam pelo éter, enquanto tentávamos compreender a extensão e as implicações desse desequilíbrio cósmico. Era como se os próprios elementos estivessem em revolta, manifestando-se em tempestades furiosas e tremores inquietantes, como se o próprio universo estivesse clamando por uma restauração da ordem.
Recordando a vida de João Nery, pensei na coragem demonstrada por ele, na ousadia de desafiar os ventos da mudança e desafiar as convenções estabelecidas. Sua jornada tumultuada, marcada por desafios e triunfos, ecoava na atmosfera tensa da sala do conselho, lembrando-nos da necessidade de coragem e determinação diante dos desafios iminentes.
Nossos destinos, entrelaçados pela força dos elementos e pela tecitura do destino, uniam passado e presente, mortais e imortais, em uma dança perpétua de influências e conexões. Assim como a ventania que varreu os salões celestiais e o estrondo que reverberou pelas estrelas, nossa presença sutil se fazia sentir, às vezes como um suave toque, outras como uma poderosa rajada, como se fôssemos os próprios agentes da mudança que agitava os alicerces do universo.
Ao adentrar a sala do conselho, com os convidados à espera, percebi que era hora de agir. A reunião que se seguiria moldaria não apenas o destino dos mortais, mas também o nosso próprio. Juntos, como deuses brasileiros, estávamos determinados a restaurar a harmonia entre os reinos e proteger o equilíbrio do mundo que tanto amávamos.
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A Moeda dos Deuses
Ficción históricaQuando Nilo Peçanha, um jovem negro criado numa favela de Belo Horizonte, descobre uma moeda ornamentada com a árvore da vida, ele é lançado em um mundo de visões onde os Deuses Brasileiros, desde os primórdios da história do país, ganham vida. Esse...