ATO I
(a infância)
James Potter era sortudo. A criança mais sortuda que eu conhecia.
Não que eu conhecesse muitas crianças, mas mesmo se conhecesse, ele continuaria sendo a mais sortuda de todas elas.
Dos oito aos treze anos, passei muitos feriados na casa dos Potter. Alguns mais espalhafatosos do que outros, mas sempre em toda sua glória aconchegante e opulenta de pessoas ricas que têm muita comida na mesa e lareiras do tamanho de carros populares.
Não me entenda mal, meu natais em casa nunca foram propriamente agradáveis. Não eram desagradáveis, mas com certeza não eram memoráveis.
Eram como comida enlatada, Halloween sem doces e filmes de romance sem beijo ou declarações na chuva. Talvez por esse histórico e toda a minha árvore genealógica precária e ausente eu tenha aprendido a encarar o Natal dessa mesma forma: uma indiferença avassaladora, como um dia normal, um par de meias nos meus pés doentes e gelados.
Os presentes que ficavam aos pés do pinheiro dos Potter eram sempre os mais caros das lojas. Os que acabavam primeiro (por isso seus pais compravam com um mês de antecedência). Eram os sabres de luz que mudavam de cor, armas de brinquedo que disparavam balas de espuma e borracha, carrinhos de controle remoto, alguns bonecos musculosos esquisitos, Hot Wheels, arco e flecha, bolas de futebol, traves, mesas de totó e todo tipo de coisa desnecessária que os meninos adoram colecionar.
Mesmo sob aquela avalanche de brinquedos e caixas enormes com mais brinquedos vindo em mais caixas enormes, o melhor presente que James Potter recebera fora no seu décimo terceiro Natal, um pouco antes do que costumava receber seus presentes posteriores porque, segundo seus pais, "algumas tradições podem ser quebradas em nome da diversão".
Era 87 e os Smiths haviam acabado de lançar o Louder Than Bombs. James e eu tínhamos treze anos, corações imaculados, mentes férteis e uma disposição quase espiritual para ir até a loja de discos da Madame Rosmerta e escutar algumas músicas do álbum em seu toca discos.
Devo ter mencionado isso durante o jantar, casualmente. E assim, casualmente, os Potter conseguiram não somente o álbum dos Smiths, como um toca discos novo vermelho-sangue e alguns outros discos também.
Também foi o último Natal que eu passei com eles.
Também foi o último Natal de James com sua mãe.
Mas essa não é uma história sobre como nossos traumas de infância nos fizeram odiar o Natal. É uma história sobre como James Potter e eu odiamos o Natal juntos, meio bêbados e com sentimentos mal resolvidos.
ATO II
(a juventude e como falar com pessoas em festas)
No fim das contas, todos os clichês são meio que verdade.
O inverno é solitário, de um jeito bonito, poético e obviamente, gelado. É o tipo de solidão apreciável - o tipo de solidão que é tolerável porque já existe um clichê sobre ela que a torna menos miserável.
Estou sentada no banco do lado de fora da igreja, o frio vicioso castigando minhas mãos desnudas por não ter trazido luvas.
Mesmo dentro de todas aquelas tapeçarias e vitrais, sinto a estátua de Jesus me encarando, intrigada e talvez até perplexa. Eu poderia estar do outro lado da rua, na casa de Mary McDonald com todos os outros que passariam o feriado longe da família, esquentando as mãos e o rosto com uísque e brownies cremosos.
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and this love came back to me (jily!au)
Romansaonde james e lily odeiam o natal juntos, bêbados e com sentimentos mal resolvidos.