Capítulo Único

513 87 619
                                    

O mundo é cruel, extenuante e machuca sem piedade. Às vezes, tão mórbido quanto um filme de terror. E eu me adaptara, meu coração estava calejado, com inúmeros calos. Era como eu tinha aprendido a ser. Era como eu tinha aprendido a me defender, porque em um passado não muito distante, alguém me machucara. Esqueci-me como e quando, porque esquecer é o meu melhor remédio.

Fechar o coração, ao menos no início, havia sido difícil. Antes, sentir era mágico, um êxtase completo em meio a tanta dor. Encontrar alguém que se importe é uma dádiva, mas e quando o amor chega ao fim e nos obrigamos a partir? Ou pior, quando vemos nosso amor partir?

Desliguei-me. Desconectei-me. Esqueci o quanto é bom amar para não correr o risco da dor, porque isso é um ato permitido apenas àqueles que sangram pelo coração há anos. Há alguém que possa me julgar por fazer aquilo que muitos desejam?

Era mais um dia comum. O céu estava limpo, o vento roçava em nossas peles e bagunçava meus cabelos. Os seus também, acho. Eu não reparara, naquele tempo, eu não reparava em ninguém além de mim mesma. Porque meus olhos estavam vendados, lacrados em relação à enxergar alguém que pudesse me decepcionar.. A lista de desilusões não podia continuar a aumentar.

Eros. Que nome incomum e fatídico. Era seu nome. Até hoje sinto as lágrimas cristalinas brotarem em meus olhos quando pronuncio seu nome. Para os amantes de mitologia grega, talvez saibam a origem de Eros, filho de Afrodite, um belo cupido. Que irônico, você realmente havia tentado flechar meu coração.

Agora, que estou sozinho e com muito tempo para refletir sobre nós e nosso derradeiro fim, penso que talvez haja uma chance de termos sido destinados a nos encontrarmos nessa vida, predestinados. Meu nome, querida pessoa que está lendo este monólogo melancólico e cheio de arrependimentos, é Ania. Um nome simples que tem um significado deplorável: angústia e dor. Isto realmente têm a ver comigo.

Você era algo extraordinário e meu completo oposto. Amava. Se apegava. Lembrava com sorriso no rosto de seus amores passados e não tinha a constante necessidade de não sofrer mais. Tudo porque seu conceito era diferente do meu: viva sem medos, porque viver é correr riscos! disse-me uma vez e depois ostentou um sorriso radiante.

Eu o afastava, porque sabia que você era um risco que eu não queria correr. Amar. Era um verbo que eu não gostaria de tentar praticar novamente, a não ser que algum príncipe de contos de fadas surgisse em minha vida. Mas eu estava conformada e desiludida demais para achar que isso - mesmo que remotamente - pudesse acontecer.

Paixão. Era até mesmo difícil de pronunciar uma palavra tão forte e tão descabível ao meu estilo de vida. O substantivo saia de meus lábios seguido de uma careta de amargura. Aos poucos, eu estava me transformando em um robô. Insensível, programada para apenas sobreviver, não viver, e acima de tudo: indiferente.

Eu tentava manter-me congelada, pois assim seria impenetrável e absorta de qualquer infortúnio, mas você ansiava ardentemente por me descongelar com seu fogo interior. Você era brutal, tão quente que não temia que eu o apagasse com meu gelo. Éramos perfeitos antônimos.

Em meu íntimo, em uma parte absolutamente recôndita, eu admitia que não era capaz de ser amada. Por qual outro motivo ninguém havia sido capaz de ficar e me amar? Então, transformei-me naquilo que combinava com minha condição: não amaria ninguém de volta. Mas você estava ali, insistindo. Tentando me tirar da caverna que eu mesma construíra e escolhera morar.

Lembro-me que você era perfeito. De seus lábios saiam apenas elogios e palavras bonitas. Você abraçava-me todos os dias e, às vezes, nos dias que eu não estava tão indiferente e quase cedendo ao seu amor, me roubava beijos carinhosos e demorados. Mas logo, o monstro que eu denominara como medo retornava, mais forte, mais arrebatador, como uma verdadeira fênix.

Meu RouxinolOnde histórias criam vida. Descubra agora