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Praga, nove anos antes.

Houveram três tiros.

Baques surdos que sua mente apenas silenciara para que o sofrimento não fosse um tanto pior mais tarde, mas nada disso lhe acalentara. O homem que a havia treinado gritava contra seu rosto, deixando todo seu ódio e cólera incontrolável tomarem vida por meio de palavras que lhe feriam quase que fisicamente. As mãos grandes e firmes lhe tomavam pelos ombros, sacudindo-a até que o efeito, que se assimilava ao que um ser humano sentia após passar pelo ataque de uma bomba, passasse de vez.

Ela desejou que nunca houvesse passado.

O corpo da mulher que Köhler amava caíra de joelhos no chão, de uma maneira dramática demais para que a imagem não ficasse guardada em sua memória. Seu peito sangrava e era visível sua dificuldade enorme em respirar devido aos tiros que atingiram seu pulmão de maneira letal. A mulher gritara, saindo do transe que o baque emocional havia lhe causado, se debatendo como podia, posteriormente derrubando o homem que ela nunca havia questionado. Seus movimentos foram rápidos, tomara a arma do coldre que seu Comandante possuía e deferira dois tiros, um em cada homem que estavam mais próximos.

Em seguida, a bala que restara fora disparada, se alojando ao centro do crânio do homem que havia tirado a vida da pessoa a qual Eleonor dedicara todo seu amor.

Conseguira chegar até o corpo, que agora agonizava no chão sem salvação alguma. Sentara-se no chão coberto por uma terra de fina espessura, colocando a cabeça de Geraldine em cima do conforto que suas pernas antes ofereciam sempre que era possível. De seus olhos lágrimas caíam, se derramavam por sobre a pele de sua amada e ela então a olhara nos olhos.

Eu nunca lhe disse isso... Eu amo você, Geraldine. A mulher lhe sorrira, como costumava fazer nas manhãs de domingo, que eram reservadas para um café forte que ambas dividiam.

O peito terminara de se encher com o líquido vermelho espesso, e ela então o vira sair pelos lábios rosados da mulher que amava. Geraldine morrera em seus braços naquela noite. O motivo de sua morte nada mais era que o não comprometimento da identidade de Eleonor que deveria ser preservada a qualquer custo. Era o serviço secreto, e um amor comum não poderia simplesmente tirar o foco de uma das melhores agentes que o Comandante havia treinado pessoalmente.

O silêncio da noite fria fora cortado ao meio pelo grito de dor que Eleonor emitira após constatar que Geraldine estava morta. Algo dentro de si havia morrido junto a mulher naquela noite.

-

Era possível ouvir os passos de Meredith Grey ecoando pela calçada, cortando os pensamentos de Addison ao meio. A ruiva engolira seco, caminhando um tanto mais rápido para se aproximar de maneira propriamente dita da outra mulher. Os seguranças se mantinham em posições onde Grey se sentisse confortável, porém igualmente protegida.

Chegaram a um prédio de dois andares bem apessoado, possuía um modelo de arquitetura antigo, porém as janelas envidraçadas e a porta grande também de vidro davam um ar moderno as paredes pintadas de cinza escuro. Montgomery sorrira, fitando a construção a sua frente enquanto Meredith lhe olhava como alguém que necessitava da validação de seu grande esforço. Addison lhe dera exatamente o que ela queria.

─Meredith... Isso é perfeito, mas não sei serei capaz de pagar o aluguel. ─Grey caminhara para perto da mulher, colocando em volta dela seu braço.

A agente respirara profundamente, sentindo pela primeira um toque mais íntimo. Fazia nove anos que ninguém a tocava de uma maneira tão próxima e súbita. Congelara por alguns segundos, enquanto a fala da loira se tornava um tanto baixa, como se fosse apenas um ruído longe de si.

─Esse prédio é uma das minhas propriedades, e quero que se utilize dele... Não é usado há alguns anos, desde que... ─Grey se perdera em sua própria linha de pensamento, passando alguns minutos longos em silêncio, tempo necessário para que a outra mulher se recuperasse de seus próprios devaneios que pareciam querer se fazerem muito presentes naquele dia em questão.

─Desde que? ─Ela sorrira, tocando a mão de Meredith que descansava pacificamente em seu ombro direito, fingindo costume em um toque mais pessoal, arrancando da outra mulher um sorriso e um olhar que lhe demonstrava que Grey estava se abrindo mais rápido do que ela imaginara que seria.

─Nada. Não é importante. ─A loira mantivera seu sorriso, como se estivesse fazendo esforços mais para se convencer naquele momento do que convencer a Addison. ─Quer entrar? ─A ruiva assentira, lhe dando um meio sorriso e se pondo a andar em direção a porta, sem se distanciar muito do corpo da outra mulher, mantendo a posição intimista que havia conquistado.

O prédio por dentro se fazia ainda mais clássico, com paredes enormes pintadas com um cinza mais claro. As janelas davam a abertura de luz necessária para que tudo ali se tornasse aconchegante e bonito, que era exatamente o que Montgomery necessitava para manter sua profissão de faixada. Após uma breve conversa entusiasmada, Meredith lhe dissera que ajudaria com toda a redecoração, afinal, o lugar mais parecia uma galeria de arte que não dera certo. Enquanto caminhavam para o segundo andar, subindo os degraus da escada com calma enquanto os olhos de Addison mapeavam cada centímetro dali, o momento perfeito para um movimento arriscado se fizera.

─Se me permite perguntar, de quem era o prédio anteriormente? ─Grey engolira seco, parando por um segundo de subir a escada em espiral.

─Eu não confio o suficiente em você para lhe contar, Addison Montgomery. ─Ela sorrira, parecendo um ser humano real pela primeira vez e fora ali que Addison vira a primeira rachadura se fazer na grandiosa carapaça na qual Meredith se escondia. ─Sabe... ─Sua voz ecoara pelo ambiente vazio. ─...Me convide para um vinho em sua casa, acho que podemos ser boas amigas e seria bom me sentir normal uma vez na vida. ─O sorriso nos lábios de Montgomery crescera como que de um jogador que havia feito o movimento correto para aumentar suas chances de vitória.

─Amanhã a noite, o que acha? Minha casa está em fase de decoração e eu com certeza poderia deixa-la mais confortável para lhe receber. ─Ao terminarem de subir a escada, Meredith a encurralara entre o corrimão prateado e seu corpo. ─Meredith? ─Os olhos esverdeados de Montgomery a fitaram, fingindo certa inocência.

─Você é intrigante, sabia disso? ─Sim, Addison sabia como ninguém. ─Eu... Não posso me envolver em escândalos, e meu marido gostaria de deixar minha orientação sexual debaixo dos panos... Eu posso fazer o que eu quiser, contanto que... ─Sua mão subia pelo abdômen bem definido da mulher a sua frente, deslizando por sobre seus seios indo até seu pescoço.

─Seja um segredo! ─A voz de Addison se tornara mais baixa, ainda mais inocente que seu olhar que se mantinha o mesmo, fazendo com que Meredith ganhasse confiança e dominância suficiente para impor um tanto mais sua presença, ou pelo menos achar que estava impondo. ─Eu posso ser seu segredo, Meredith... Você pode ser o meu? 

The HandlerWhere stories live. Discover now