6 - Um Raio de Esperança

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Enquanto estivemos junto da caixa, Augusto apenas me contou os acontecimentos mais importantes deste relato, e só mais tarde soube todos os pormenores. Receava que notassem a sua ausência e eu sentia uma impaciência ardente de deixar a minha prisão. Resolvemos dirigir-nos imediatamente para a abertura do tabique, junto da qual eu devia ficar, enquanto ele ia em reconhecimento. Nem um nem outro conseguíamos suportar a ideia de abandonar Tigre. No entanto, acaso podíamos agir de outra maneira? O animal parecia agora perfeitamente calmo e, encostando o ouvido à caixa, nem sequer ouvíamos o ruído da sua respiração. Estava convencido que estava morto e decidi abrir a porta. Encontramo-lo deitado ao comprido, como que mergulhado num sono profundo, mas ainda vivo. Não há dúvida que não tínhamos tempo a perder, mas eu não conseguia abandonar, sem um último esforço para o salvar, um animal que por duas vezes me salvara a vida. Assim, arrastamo-lo conosco penosamente. Augusto foi obrigado, a maior parte do tempo a saltar por cima dos obstáculos que obstruíam o nosso caminho com o enorme cão nos braços, o que requeria uma força e habilidade de que eu, no meu estado de esgotamento era totalmente incapaz. Chegamos finalmente à abertura, através da qual Augusto passou, seguido pelo Tigre que tivemos que empurrar. Tudo corria pelo melhor, estávamos sãos e salvos e não esquecemos de dar graças a Deus por nos ter livrado de um perigo iminente. Decidimos que, de momento, eu ficaria junto da abertura, através da qual o meu camarada podia, facilmente, passar-me uma parte da sua ração diária e onde eu poderia respirar uma atmosfera mais pura, isto é, relativamente pura.

Para melhor compreensão de algumas partes do meu relato, durante o qual tanto falei da arrumação da carga do brigue, e que podem parecer obscuras a alguns leitores, devo esclarecer que a maneira como esta importante tarefa foi feita a bordo do Grampus, era um vergonhoso exemplo da negligência do capitão Barnard, que não era um marinheiro suficientemente cuidadoso e experimentado para a natureza arriscada do seu cargo. Uma arrumação deve ser feita com um método cuidado, ocorrendo a maior parte dos acidentes, tanto quanto sei, por negligência ou ignorância na realização desta tarefa. Os navios costeiros, na confusão e movimento que acompanham a carga e descarga, são os mais sujeitos a azares por falta de atenção na arrumação. O mais importante é não deixar ao lastro ou à carga possibilidade de se mover, mesmo no meio dos mais violentos temporais. Tendo isto em vista, deve-se dar a maior atenção não só à carga, mas também à sua natureza, e se é uma carga completa ou parcial.

Na maioria dos fretes, a arrumação faz-se por meio de um macaco manual. Assim, se se trata de uma carga de tabaco ou de farinha, o conjunto é tão comprimido no porão do navio que os barris ou os sacos, quando são descarregados, estão completamente achatados e só passado algum tempo retomam a sua forma inicial. Recorre-se a este método, em especial, para obter mais espaço no porão, pois com uma carga completa de mercadorias como o tabaco e a farinha não pode haver folgas, e não há qualquer perigo de a carga oscilar, ou pelo menos, não há inconvenientes graves. Na verdade, houve casos em que este processo de compressão com macaco teve trágicas consequências, mas devido a causas completamente alheias aos perigos da arrumação da carga. Sabe-se, por exemplo, que uma carga de algodão, apertado e comprimido, pode, em certas circunstâncias, pelo aumento de volume, provocar rachas no navio, por onde a água penetra. O mesmo pode acontecer com o tabaco, quando sofre a fermentação normal, se não fossem os interstícios que se formam normalmente na parte arredondada dos fardos.

O perigo de movimento é de recear, especialmente quando se embarcam cargas parciais, sendo necessário tomar todas as precauções para o evitar. Só quem já enfrentou uma violenta tempestade ou, melhor ainda, quem sentiu o balouçar de um navio, quando uma súbita acalmia se sucede à borrasca, pode fazer uma ideia da força terrível das águas. É então que a necessidade de uma arrumação bem feita de uma carga parcial se torna manifesta. Quando um navio se põe de capa (sobretudo com uma vela de proa pequena), se o casco não estiver bem construído, é frequentemente lançado para um dos lados, o que pode acontecer de vinte em vinte minutos, mais ou menos, sem que daí resultem consequências graves, desde que a arrumação esteja bem feita. Mas, se não houve o cuidado necessário, à primeira destas enormes guinadas, toda a carga rola para o lado do navio apoiado na água e, não conseguindo retomar o equilíbrio, como o faria sem este incidente, acaba por meter água e naufragar.

As aventuras de Arthur Gordon PymOnde histórias criam vida. Descubra agora