Palmo 7: Em algum lugar na barriga da besta

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[1]

Nunca estive tão pequeno.


[2]

Quente.

Tão, tão quente que estou suando e meu corpo treme. O calor, sufocante e impiedoso, irradia de dentro para fora e de fora para dentro. Ardo como um pedaço de carvão brilhante no meio das chamas. Achei que tivesse sido aceso há muito, mas continuo queimando, cabelos pele nervos se arrebentando feito cordas de uma harpa, um instrumento tocado por mãos demais, entoando tantos sons que os gritos ficaram perdidos na parca melodia que emitia. Eu era melódico. É fácil demais perder o compasso quando se dança com o povo do ar. Minha mãe me avisou que isso poderia acontecer. Quem sai de casa não volta, ela me disse. Ela só nunca disse a razão de não voltarmos — nossos pés bailaram canções proibidas, e a punição é dançar até cair.

Eu dancei.

E caí.

Minha cabeça está às margens da terra molhada. É macio e úmido aqui. Enquanto meu corpo continua febril, a temperatura aumentando aos poucos, o tremor atingindo os ossos, puxo os lençóis por sobre os ombros. Ligeiramente confortável. Me sinto encurvar e esticar, as vértebras esporeadas para qualquer lado.

Eu não aguento mais.

Não aguento mais.

Não aguento mais.

Se eu me desenrolasse disso, pétalas de uma flor espinhosa, uma de cada vez... talvez eu conseguisse. No entanto, há essa corda me prendendo a ele. Eu a sinto mais do que a vejo. Longa e rugosa, flutuando por todo o lado, serpenteando por cima da minha cama e tantalizando pelo pescoço, quase como se quisesse me sufocar.

Acho que quer.


[3]

O que eu vejo são sombras. Os braços que me envolvem, os pelos escuros tentando me prender o mais próximo que seus músculos são capazes, até que sua pele e a minha se derretam e eu não saiba mais onde um começa e o outro termina. Se eu esticar bem os dedos, ainda assim não sinto o ar. É ele, uma barreira menos confortável a cada dia, um hospedeiro inóspito. "Está tudo bem," ele me diz, quando a pressão da minha cabeça sobre os ombros é demais e estou enjoado. Queria poder lutar mais, mas estou tão cansado. Tenho forças o suficiente para me inclinar e vomitar. Não sei se vomitei na cama ou no chão ou nele ou em tudo. Apostaria no todo.

Os braços doem. Bem na curva dos cotovelos. E as pernas, na altura dos joelhos. Como sair de um prédio e se estatelar no concreto da calçada, os membros apontando em direções bizarras, porém estranhamente inteiros. "Está tudo bem," ele me diz. Tenho quase certeza de que está repetindo isso mais para si mesmo do que para mim. "Está tudo bem," é seu mantra. No estômago, os sucos se agitam. Me dobro sobre o colchão novamente.


[4]

Há um peso em mim, aumentando exponencialmente, capaz de me fazer atravessar a espuma do colchão, o estrado da cama. Os braços, as pernas, o tronco – estou duas, três vezes mais pesado do que antes. Até minhas pálpebras demoram a se abrir, como se estivessem seladas com supercola. Quando as abro, uma enxurrada de lágrimas cai, uma queda d'água sem fim, que preenche todo o quarto e me tem boiando em meio ao líquido amniótico. Me sinto como a Alice, a do filme, pouco antes de entrar no País das Maravilhas, sem a fechadura. Acho que vou me afogar, mas não, não me afogo. É quase reconfortante estar aqui, onde tudo é água morna e paredes macias.

Poderia ficar aqui para sempre.


[5]

"Estou aqui," ele diz. "Pode falar comigo?"

Aqui jaz João SantiagoOnde histórias criam vida. Descubra agora