Trecho livro da Cay

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Prólogo

As pessoas não irão cumprir as promessas que te fizeram. Eu sei, dói ouvir isso. E acredite em mim, vai doer ainda mais quando acontecer. Quando quem prometeu estar ali não estiver, quando quem prometeu te amar para sempre deixar de sentir. Quando tudo o que existirá é você mesmo e as promessas que fez a si próprio, e estas às vezes também não serão cumpridas.

Eu sei, quer acreditar que isso não acontecerá com você, que as pessoas serão boas e fiéis, que você será bom e fiel, mas, lamento dizer, as coisas não são tão fáceis assim e às vezes quebrar uma promessa ou não, será uma linha tão tênue que você nem perceberá. Você vai transgredir e vai doer muito, tanto quanto dói quando são os outros que erram contigo.

Eu sei, tudo isso pode parecer estranho, mas acredite eu passei por isso. Meu nome é Caitlin, essa é a minha história e eu garanto que muitas promessas serão quebradas ao longo dela.

Capítulo 1 - Belas decisões

Os sons ensurdecedores desse ônibus ecoam como flechas em minha cabeça. Mas também, como poderia ser diferente? Se a vida toda os sons fizeram parte de quem eu sou, quando na maioria das vezes eles definiram que eu era. Me definiram quando eu passava pelos corredores do colégio e ouvia os sons de pessoas falando sobre mim, sobre como elas me julgavam. Me definiram também quando o som da minha voz era minha melhor arma, quando a música que há dentro de mim era exposta por cada célula do meu corpo. E agora, os sons definem toda confusão que há dentro de mim. Por que, afinal, quem eu sou?

Por dezoito anos eu acreditei saber, eu era a Caitlin, a talentosa e linda Caitlin, a impulsiva Caitlin, e principalmente a irmã mais velha Caitlin. Aquela que defendia seu sangue acima de tudo, que seria capaz de tudo para ver seu irmão e também melhor amigo feliz, a que cuidava e o protegia, pois ele era seu tudo. Também aquela que acreditava que todo esse amor era recíproco. Mas e agora? Agora que descobri que tudo isso é apenas uma ilusão minha? E agora que descobri estar sozinha como jamais pensei que estivesse, quem eu sou?

Fecho os olhos com força, tentando silenciar todos os sons ao meu redor, para enfim tentar compreender o barulho em minha mente. Mas isso é impossível, estou cruzando o país em um ônibus, cheio de histórias, de vidas, de sonhos, de caminhos.

Mesmo no caos, é impossível não sorrir pensando no que essas pessoas ainda vão viver de bom. Nova York é um lugar de possibilidades, de vida, de recomeços e reencontros, gosto de pensar que essas pessoas, assim como eu, buscam o melhor para si indo para lá. Pois em uma cidade diferente não temos os mesmos problemas, eu não terei Noah, não terei Margaret, não terei casamento, tapa ou brigas, lá serei apenas eu, pela primeira vez na vida.

Decidi ir embora foi a coisa mais difícil e mais certa que já decidi fazer, por mais que seja difícil sei que preciso disso, preciso pela primeira vez ser apenas a Cay, para descobrir o que existe além de todos os rótulos que sempre viveram comigo, para descobrir quem eu sou sem Noah.

Noah...

Minha face ainda queima com o peso de sua mão, mas não tanto quanto com o peso de suas palavras. Tudo que eu fiz foi amá-lo e protegê-lo, quis impedir que cometesse um erro, mas descobri que na verdade o erro foi eu ter pensado que era tão importante na vida dele como ele na minha e que ele cumpriria a promessa que me fez naquele dia no píer.

***

"Era outono dos nossos 12 anos, papai havia contado nossa história pela primeira vez naquele dia. Éramos dois mendigos que tiveram a sorte de vir ao mundo pelas mãos de um grande homem, que se apaixonou por nós e nos adotou ao saber que nossa mãe havia morrido no parto.

Hoje eu sei que esse foi o maior ato de amor já visto por nós, mas naquele momento tudo parecia horrível, éramos duas pessoas abandonadas, enganadas, sem história, sem família. Aquilo foi demais para mim, precisei correr para o refúgio que Noah e eu tínhamos, o píer do lago Cape Fear, que banhava nossa cidade e proporcionava um ambiente de conexão com a natureza - apesar dos pescadores e pessoas que ali trabalhavam, o lugar era conhecido como um ambiente agradável para famílias e crianças passarem um tempo.

Estava sentada no píer, olhando a imensidão do rio enquanto lágrimas embaçavam minha visão, Noah, que correu atrás de mim, estava ao meu lado. Com o canto dos olhos vi sua silhueta ao meu lado e ali pude ver meu sangue, minha família, a única pessoa que eu tinha dela, o único que podia entender a dor que eu sentia no momento, o único que sempre estaria ligado a mim pelo sangue, meu doce e quieto irmãozinho, com seus cabelos loiros e olhos castanhos tão expressivos, e naquele momento eu percebi que devia dar tudo de mim para cuidar dele, perdê-lo seria perder meu sangue, minha família e era meu dever cuidar para que isso não acontecesse.

Tentando conter as lágrimas respirei fundo, reunindo forças para dizer:

Sabe, não podemos nos render. Agora somos só nós dois contra o mundo, me promete Noah, sempre estaremos juntos. Não importa o que aconteça, nós dois somos nossa família, não importa o quanto Nick cuide de nós, sempre seremos nós dois o mesmo sangue. Prometa-me Noah, nunca me abandonar, e eu prometo jamais te deixar.

-Eu prometo Cay.

Ele me abraçou e em meio a tristeza consegui sorrir, pois me sentia em casa.

***

Não sei como nos perdemos dessas crianças, não sei como Noah pode quebrar a promessa. Foi um erro acreditar que eu tinha alguém da família, um erro lutar pelo melhor dele. Mas tudo bem, não pretendo entrar mais

***

A viagem se alastrou por horas e horas, que me garantiram um bom tempo para pensar e apreciar as paisagens. Mas por mais tempo que possa ter sido, meus pensamentos ainda estão turvos e tudo o que quero no momento é chegar no meu apartamento, descansar e começar a viver o resto da minha vida, só ainda não sei por onde começar e mesmo após horas pensando nisso, o ônibus chega ao destino sem que eu tenha qualquer resposta.

***

Peguei um táxi ao sair do ônibus e indico o endereço do meu apartamento. O trajeto segue em silêncio e começo a ver a paisagem pela janela, tão diferente daquela que eu vi pela estrada. Estou na cidade que nunca dorme, e é tudo tão cheio, agitado e vívido, muito diferente do lugar onde eu cresci.

Cresci em uma cidade do interior da Carolina do Norte, chamada Fayetteville. A típica cidade sulista onde os vizinhos se conhecem e as pessoas se sentem seguras em deixar os filhos brincarem na rua e a maior diversão é se reunir perto do rio Cape Fear ou ir a um dos dois cinemas da cidade e até passear pelo centro. Um lugar pacato e confiável, onde me exigia muito esforço para fazer qualquer programa diferente.

Mas aqui não é assim, sempre tem onde ir, algo para explorar, uma novidade, uma festa, uma aventura. No último ano tentei explorar cada pedaço dessa cidade e sei que não estou nem perto do fim. Também mal consigo entender suas pessoas e todo o vazio que há no famoso humor nova-iorquino.

Enquanto o carro passa pelas avenidas vejo pessoas apressadas, atrasadas, estressadas e preocupadas, nenhuma parece minimamente feliz. Temo ficar assim se não me empenhar mais em coisas que me façam plenamente feliz, coisas que me façam sentir viva...

E de repente eu sei o meu primeiro passo.

Sete BatidasOnde histórias criam vida. Descubra agora