A CASA DO JUIZ

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Quando a data do exame foi se aproximando, Malcolm Malcolmson resolveu procurar algum lugar no qual pudesse estudar sozinho. Receava as atrações do litoral e temia o completo isolamento rural, pois já conhecia bem seu fascínio, portanto decidiu encontrar alguma cidadezinha despretensiosa em que não houvesse nada que o distraísse. Evitou pedir sugestão aos amigos, por alegar que só recomendariam lugares que já conhecessem e onde ele encontraria conhecidos. Como queria evitar amigos, Malcolmson não tinha nenhum interesse em se comprometer com a atenção de amigos de amigos e decidiu procurar um lugar sozinho.

Encheu uma valise com algumas roupas e todos os livros de que precisaria e comprou uma passagem para o primeiro nome desconhecido da lista dos trens na estação. Ao fim de três horas de viagem, quando desceu em Benchurch, ficou satisfeito por ter conseguido até ali apagar os vestígios de seus passos de modo a garantir uma oportunidade de estudar em paz. Foi direto a uma hospedaria que havia no lugarejo e pediu para pernoitar. Benchurch tinha um velho mercado e uma semana por mês lotava de visitantes. Mas nos 21 dias restantes do mês era um deserto só.

No dia seguinte, Malcolmson procurou um lugar ainda mais isolado que o já tranquilo Bom Peregrino em que estava hospedado. Apenas um lugar despertou sua imaginação e satisfez suas ideias mais extremadas sobre quietude. A bem da verdade, quietude não era a palavra exata. Desolação seria o único termo capaz de transmitir uma ideia adequada de seu isolamento.

Era uma casa velha, desconjuntada, em pesado estilo jacobino, com torres e janelas muito grossas, estranhamente pequenas e mais altas do que de costume, cercada por um muro largo e altíssimo de tijolos. Na verdade, examinando melhor, parecia mais uma fortificação do que uma moradia comum. Mas todas essas coisas agradaram a Malcolmson. "Eis o lugar que eu estava procurando. Se eu puder ficar aqui, serei feliz", pensou ele. Sua alegria aumentou ao se certificar de que não havia ninguém morando ali.

No correio, conseguiu o nome do agente imobiliário, que ficou muito surpreso com a proposta de aluguel de uma parte da velha casa. O sr. Carnford, advogado e agente imobiliário da vila, era um simpático cavalheiro de idade, que confessou sua alegria por alguém querer morar na casa.

— Para falar a verdade — disse ele —, eu ficaria feliz, em nome dos proprietários, em deixar qualquer pessoa ficar com a casa sem pagar aluguel por alguns anos, ainda que seja só para os moradores locais a verem habitada. Ela está vazia há tanto tempo que um preconceito absurdo foi crescendo a respeito da casa, e a melhor forma de combater isso é ocupá-la, ainda que — acrescentou ele, olhando de esguelha para Malcolmson — seja um estudioso como o senhor, que deseja aproveitar um pouco do silêncio.

Malcolmson achou desnecessário perguntar ao corretor sobre aquele "preconceito absurdo"; ele sabia que conseguiria mais informações sobre o assunto em outra ocasião, caso desejasse. Pagou três meses de aluguel, guardou o recibo e o nome de uma senhora que provavelmente "faria tudo" por ele, e saiu com a chave no bolso. Depois, foi até a dona da hospedaria, uma pessoa alegre e muito gentil, e perguntou onde poderia obter mantimentos e provisões de que precisasse. Ela ergueu os braços, espantada, quando ele disse que ficaria na região.

— Não na casa do juiz — disse ela, que empalideceu ao falar.

Ele explicou a localização da casa, dizendo que não sabia o nome. Ao terminar, ela disse:

— É, sem dúvida é essa mesma. É a casa do juiz, com certeza.

Ele pediu que ela lhe contasse mais sobre o lugar, por que tinha esse nome e o que ela tinha contra a casa.

A senhora contou que a habitação era assim chamada na região porque muitos anos antes — ela não saberia precisar quantos, pois era de outra parte do país, mas acreditava que a história tivesse mais de cem anos — fora casa de um juiz que inspirava grande terror por conta de suas duras sentenças e sua hostilidade aos prisioneiros nos Assizes. Quanto ao que havia contra a casa em si, ela não saberia dizer. Muitas vezes perguntara na vizinhança, mas nunca ninguém soubera informar. Havia, no entanto, a sensação comum de que havia alguma coisa. Ela fez questão de frisar que, nem por todo o dinheiro do Drinkwater's Bank, não ficaria naquela casa uma hora sequer sozinha. Logo depois, pediu desculpas a Malcolmson pelas palavras destemperadas.

Contos Bizarros - Bram StokerOnde histórias criam vida. Descubra agora