Capítulo 3 - O Flamingo

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   Cecília não era tão magra quanto  Júlia, o que sempre era usado pela bailarina principal como pauta para a sessão de humilhação com a colega.

   Morando em Ananindeua, a cidade vizinha a capital Belém, a loirinha sabia que não detinha dos mesmos recursos financeiros de Júlia. Para conseguir ser pontual, Cecília sacrificava as noites de sono para acordar às 4:00 da manhã, se arrumar e pegar um ônibus lotado rumo ao centro de Belém.

   Agora que estava no topo da equipe, Cecília recebia ainda mais cobranças da professora Bárbara que exigia não menos do que a perfeição.

   Duas semanas após a trágica noite da estreia do espetáculo Rios Turvos, Cecília chegou na academia de Arte e Dança, pontualmente às 7:00 horas da manhã para começar seu ensaio diário. Ela estava enérgica, seu corpo irradiava felicidade com a nova coreografia.

   As primeiras duas horas da manhã eram reservadas exclusivamente para a bailarina principal. Cecília ja estava acostumada a nova rotina, afinal, quando se tem tão pouco é fácil acosturmar-se com novidades.

   Era uma típica manhã chuvosa em Belém e o silêncio tomava conta dos corredores da escola, a jovem loira adentrou o salão principal e antes mesmo de conseguir acomodar sua bolsa ao chão, notou a presença de uma silhueta feminina ajoelhada no centro da sala.

   - MEU DEUS... Júlia? O que tu estás fazendo aqui, mana? Valei me minha Nossa Senhora de Nazaré... Eu quase morro agora...

   O coração da loirinha estava em disparada, era uma cena realmente desconfortante se deparar com alguém imóvel em silêncio enquanto uma chuva torrencial inundava a cidade.

   - Parabéns Cecília! Tu finalmente conseguistes tudo o que era meu... Eu perdi todos os meus sonhos...

   A morena, estava transtornada, finalmente havia rompido o silêncio e sucumbido ao choro quando finalmente conseguiu pronunciar toda aflição que guardava dentro de si.

   - Do que tu estás falando, Júlia? Estás doida, maninha? Tu achas mesmo que eu tenho alguma culpa com relação a tua cegueira?

   - Desculpa... Eu não sei mais o que pensar... - O choro inundava o rosto de Júlia, bem como a chuva que caía do lado de fora do salão.

   - Égua... Eu tinha tudo em minhas mãos, Cecília! E perdi em milésimos de segundo... Não me deram nenhuma explicação para essa cegueira e tudo o que eu tenho é essa escuridão. Eu não sei o que vai ser da minha vida, a dança era tudo o que sabia fazer... Eu não tenho mais nada!

   Júlia manteve o rosto baixo, tentou fixar os olhos em algum ponto do imenso vazio que tinha a sua frente. Tomada pela compaixão, Cecília tentou buscar palavras de conforto, ajoelhou-se e pôs sua mão sobre o ombro da outra.

   - Escuta... Eu nunca passei pelo que estás passando, mas se serve de consolo, a vida também foi muito escrota comigo. Égua, mana... Eu nunca tive nada na vida, fui criada por uma tia distante que me batia muito e tive que fugir de casa pra não morrer espancada... Naquele dia da apresentação... Ter o teatro inteiro me aplaudindo de pé... Foi a primeira vez na vida que eu senti... Que as pessoas estavam finalmente me notando.

   - Agora tu sabes como é ser eu, Cecília. Tu conseguistes o que queria...

   - Engano teu. Eu nunca quis conquistar algo em cima da sua tragédia... Eu sempre te admirei, todos os dias se entregando de corpo e alma para a dança... Júlia tu és incrível dançando!

CONTATO FÍSICO (Conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora