Primavera de 1988

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Em pleno setembro de 1988, muito jovem Elisa queria apenas colocar para fora aquele pequeno peso que carregava durante longos meses. Cansada de toda aquela pressão psicológica só desejava terminar com tudo aquilo, sentia-se discriminada por todos, tinha nojo de si mesmo, o único desejo era sumir, e pôr um fim na fadiga existencial que estava vivendo.
Nas vésperas da primavera, as dores aumentaram, ela não conseguiu esconder, foi inevitável a bolsa estourou, era possível ouvir choros, mas não era simplesmente um choro, pode-se dizer que o medo chorava por ela, um sentimento compreensível invadiu aquele quarto, pois, naquele momento nascia o fruto da dor, da vergonha, das tentativas de suicídio, dos dialetos mais baixos que uma mulher já teria ouvido em toda uma vida.
Encorajada, porém, com sua alma gritando por não saber o que fazer, Elisa cortou o cordão umbilical, respirou é inspirou, arrastando-se pegou o primeiro trapo que viu vestiu-o na menina sem nome que acabava de roubar sua juventude, de arruinar seus sonhos - casar, viajar, terminar os estudos.
Elisa só queria apenas acordar daquele pesadelo, enfrentaria o mundo todo para voltar no tempo, por instantes viajou - lá estava andando a cavalo com seu pai, coisa que amava fazer nos domingos após a missa, foi possível sentir o cheiro do café feito no fogão de lenha, a madrasta de Elisa levava muito jeito na cozinha, por mais que não fosse sua mãe, cozinhava para todos, lavava e passava, mas o Alzheimer não a permitiu muito tempo de vida, é com sua morte Elisa teve viajar para São Paulo em busca de emprego. Ficou na casa da tia Cecilia, que em poucos dias conseguiu emprego para ela na casa da dona Ana Beatriz, mulher carrasca, de poucos amigos é por sinal muito misteriosa.
Foi quando a porta do quarto fez um barulho, lá estava Gilberto parado olhando para elas, buscando explicações, ela sem forças baixou a cabeça é gritou não vá, preciso de sua ajuda, não quero ficar aqui, Gilberto como sempre virou as costas é saiu como se nada tivesse acontecido, era um dos homens mais frouxos que Elisa se envolveu, tinha medo de dormir no escuro, não passava em frente a cemitérios, comer e tomar banho nem pagando-o, pegou um táxi é foi ao bar do João, tomou algumas cervejas, fumou seus cigarros é nem pensou em ligar para Elisa.
Os seios estavam inchados, o bebê não conseguia sugar, o choro ultrapassava as paredes, logo, iriam descobrir sobre a criança. Elisa estava muito assustada, tinha escondido a gravidez e agora o que iria fazer? Pensou por horas, buscando uma saída, largar na frente de uma igreja, doar para uma família rica, deixar com sua patroa, pensou em tudo, menos ficar com ela.
De repente um sorriso mexeu com a Elisa, a menina sem nome só queria apenas acabar com seus medos internos, aos choros, cochilou nos braços de sua mãe.
Elisa conseguiu amamentar, mas não podia ficar escondida por muito tempo, precisava voltar ao trabalho, sua patroa não iria aceitar desculpas, imagina ficar semanas sem ir ao trabalho, Elisa era sua faz tudo, cuidava da casa, fazia compras de mercado, buscava os sobrinhos da patroa na escola, na casa dos amigos. A noite foi longa, estava muito cansada, não se alimentava fazia vinte quatro horas, ligou algumas vezes para o Gilberto é como sempre ele não respondeu. Com dores abdominais Elisa tentava ficar em pé, para voltar ao trabalho, porém não obteve muito êxito nas diversas tentativas, era possível ouvir o barulho que seu estômago fazia.
A menina acordou, apreensiva colocou-a em seus braços é começou a ninar. Entre um choro é outro voltou a dormir. Angustiada sem saber muito o que fazer, insistia em pedir ajuda ao Gilberto, mas o insucesso era certo.
Adormecidas mãe é filha encararam mais uma noite sem ver a luz do mundo por trás daquele cômodo, o cheiro não era agradável, tudo fechado, precisava ter forças para limpar toda aquela sujeira.
Eram seis horas quando ela ouviu um grito, Ana sua patroa chamando-a no portão, na tentativa de abrir acabou caindo por não sustentar o corpo, quase duas semanas sem comer, muito magra, fraca, só desejava que alguém a encontrasse. Foi quando o trinco fez um barulho, a fechadura caiu uma mulher dois homens invadiram o local tirando de seus braços a pequena menina que ainda não tinha nome, Elisa planejava escolher com ajuda de sua tia Cecilia.
Aos gritos, tentou não permitir que a levassem, mas foi em vão.
Ficou desacordada por quase uma hora, passou a mão em sua testa é foi possível sentir a pressão do sangue causando um enorme desconforto. Não pensou duas vezes, tentou sair do quarto. Gilberto apareceu levantou-a é perguntou o porquê de tanto sangue, ela apenas gritava, levaram-na!
- Quem levou-a? Eu não sei quem foi, ajude-me!
- Levanta-me, por favor!
- Meu Deus, ajude-me!
- Começou a rezar o pai nosso, não se contendo Ave Maria, suas mãos tremiam, sua voz embargada não permitia que o Gilberto a compreendesse. Ele não estava entendendo nada, pedia incansavelmente que Elisa mantivesse a calma, pedindo perdão por deixá-la sozinha. Falando que estava com medo, pediu por inúmeras vezes perdão.
- Deixe-me ajudá-la!
- Vamos ao hospital, ficarei ao lado.
Naquele momento a pequena sem nome embarcara nos braços de sua sequestradora para o México.
- Passou-se alguns meses...
No verão de 1990 Elisa estava deitada ao lado de Gilberto quanto sentiu um frio na barriga, perdeu-se em seus pensamentos, imaginando o seu bebê. Ela chamava-a de Lara Gonzáles, nome que escolheu com sua tia Cecilia.
O significado do nome era de grande relevância para Elisa, por isso, colocou Lara que significa - agradável ou, ainda, caseira, que gosta do seu lar.
Não sabendo que que a pequena menina sem nome, recebeu de sua sequestradora o nome - Valentina García Márquez, por mais que ela tentasse esquecer de tudo que passou nos últimos meses, uma dor invadia seu coração.
Nada a completava, Gilberto planejava pedi sua mão, dias antes do aniversário de Elisa, passou em uma joalheria é comprou um anel de compromisso, ele a amava, ultimamente estavam mais unidos e apaixonados.
Gilberto estava super ansioso, Elisa sem entender tamanha ansiedade por parte do companheiro começou a rir, pedindo que mantivesse a calma. Mesmo com o coração apertado ela resolveu chamar seus amigos e familiares para comemorar seu aniversário, contratou um buffet, a decoração escolhida teve como tema flores, os convidados começaram a chegar, Elisa estava se arrumando. Enquanto, Gilberto cumprimentava os convidados, levando-os para o lugar conforme escolhido por Elisa.
Foi quando entrou um homem alto, moreno com físico atleta, ao verificar Gilberto verificou se o nome constava na lista que Elisa fez devido a programação do buffet, porém, percebeu que constava. Perguntou o senhor conhece Elisa? É o homem respondeu: mais que imagine.
Mesmo intimidado com a resposta Gilberto deixou que o homem continuasse no ambiente, explicou que não teria mesa para acomodá-lo, mas que poderia curtir a festa.
- Elisa apareceu com um vestido lindo de seda na cor azul, os convidados aclamavam com os dialetos mais meigos encontrados nos dicionários - linda, maravilhosa, fofa, graciosa etc.
Realmente ela estava deslumbrante, um sorriso angustiado, mas cheio de sonhos a serem pedidos ao apagar as velas no topo de seu bolo.
Elisa não perdeu tempo, saiu cumprimentando indo de mesa em mesa, agradecendo pelos presentes e por tamanha pela consideração.
- Logo em seguida...
Gilberto pegou uma faca de pão é bateu na taça de vinho branco que segurava, pedindo aos convidados um minuto de atenção, Elisa não entendeu nada, para sua surpresa ele ajoelhou-se pedindo que fosse sua esposa, dizendo um clichê muito usado pelos filmes românticos: você aceita casar comigo? Ela tremia, não sentia as pernas, antes de respirar fundo é dizer seu tão sonhando sim, ouviu um disparo, os convidados começaram a correr, um tumulto tomou todo espaço. Elisa sem entender nada, não percebeu que Gilberto foi atingido.
Seus olhares se cruzaram, foi possível ver um adeus. Não aguentando mais tombou aos pés de Elisa que sem saber muito o que fazer gritava por socorro, mas infelizmente Gilberto morreu.
- Passaram-se anos...
Elisa resolveu viajar para sua cidade natal, já fazia 18 anos que ela teve seu bebê roubado dos braços.
Enquanto, no México, Valentina se arrumava para mais uma de suas noites com álcool, drogas e muito sexo. Considerada a princesa do México, se envolveu com os homens mais ricos, os ditos traficantes poderosos do País.
Valentina, perderá noção de quantos homens já tinha levado para cama, sexo para ela não era problema.
Marcos, chefão do tráfico não suportava dividi-la com outros, toda essa paixão resultava em agressões. Em uma de suas noites na boate mandales, ela foi levada por Júlio César, considerado inimigo número um de Marcos Andrés. Júlio cansado de dividir o território Mexicano, buscava meios para afrontar seu adversário, Valentina seria peça fundamental.
Marcos adorava exibi-la nas noites de bebedeiras do México. Realmente era impossível não olhar para ela.
Valentina chamava atenção de todos por onde passava, seus cabelos pretos azulados causavam inveja nas mulheres, seus olhos azuis era um nocaute para os homens, corpo escultural com um bronzeado inexplicável, com um sorriso de deixar os homens mais exigentes desejando-a mentalmente ao lado de suas esposas.
Começará uma briga de ratos grandes.
Júlio César, comandava uma forte rede de distribuição de cocaína no México, queria expandir para todo o Oeste, para isso seria necessário ter as autoridades no bolso, acabará de sair da prisão, tentou fazer aliança com o governador, mas Marcos ainda era o querido das autoridades Mexicanas. Foi quando decidiu colocar a Valentina nos esquemas, portanto, ela não temia muito pela vida, a oferta teria que ser algo além do esperado, o plano do César seria que ela seduzisse um por um, indo do mais alto para o mais baixo escalão, com intuito pré-estabelecido de comprometer imagem é relacionamentos dessas autoridades.
Ela no primeiro momento recusou -se, mas o Júlio não brincava em serviço, ameaçou matar sua mãe biológica, mãe essa que já era procurada por meios de rede sociais, até com serviços de detetive, contratados pela própria Valentina.
Sabendo que Júlio era capaz de tal ação, ela resolveu entrar no negócio, porém, com um trato, quarenta por cento dos lucros seriam dela.

Continua...

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