Capítulo 1

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     Estive por tempos em busca de algo intrigante, algo que acendesse novamente em meu âmago a vontade de descobrir, uma única centelha. Anos de carreira me tornaram pedra, surpresas não mais faziam parte de meus casos, não havia mais ânimo em investigar.
     O corpo de um adolescente jaz frio como ferro ao meu lado. Sem mutilação, sem armas, apenas o quarto como cúmplice de uma morte súbita. Sem cor, nem sangue, o corpo inerte a menos de um dia já fede como a semanas, estranhamente úmido. Fungos se hospedam sob suas unhas e dentro de sua boca, esta que não possui dentes e nem língua. Uma mucosa transparente mina lentamente do oco onde deveriam estar os olhos.
      O cômodo arrumado possui pouca luz, compensada pela poeira que se acumula aos montes. Apenas uma estante de livros, uma cama extremamente arrumada e uma escrivaninha de madeira vernizada ocupam o espaço. Uma rápida procura na estante me leva a concluir que tal jovem era um bom leitor e nada mais. Sob lençóis e colchas, nada que me sirva de útil. Porém a escrivaninha possui algo, marcas de arranhões em suas bordas, um espelho sujo, montes de parafina derretida e um livro com encadernamento de couro. Pediria permissão aos pais para recolher o objeto se estes tivessem a coragem de entrar novamente no cômodo. Nas gavetas do móvel nada além de papéis e tinteiros, e também pouquíssimas peças de vestimenta.
     Ao me retirar do quarto evito a fadiga de me "compadecer" do sofrimento dos parentes, e rapidamente despeço-me de ambos seguindo para a soleira da porta principal.
     Saio da casa ampla de uma rica linhagem de portugueses com o livro em mãos, não o notaram aparentemente. Pelas ruas pouco iluminadas de um fim de tarde, caminho por uma São Paulo cansada de um dia de trabalho, porém o meu dia de trabalho mal se iniciava.
     Em minha casa sento-me a mesa com ambas, garrafa e xícara de café em mãos. O livro fechado em minha frente. Abro-o e já na primeira folha uma referência, "De Antônio Augusto Lima, Contos Próprios". Ao passo de rápidas olhadas displicentes nada me atrai, são apenas contos fictícios de um escritor medíocre. Porém ao chegar no 3/4 de páginas do livro um dos contos começa a se extender e se torna um diário do próprio autor.

O livro

     Desde que as copas das árvores se tornaram baixas, o mundo de um jovem vem desabando sobre ele mesmo. Como eram bons os tempos de paz. É por isto que ele se move em direção à quietude, ao silêncio de terras rurais e paradisíacas.
     Após dias cobrindo longas distâncias de terra vermelha, o rapaz por fim se vê onde a muito queria estar. Uma casa no campo rodeada do mais avassalador "vazio", onde sua mente poderia enfim gritar todas as suas idéias, que estas seriam ouvidas. Se apressou para entrar, levando suas bagagens ao quarto que foi designado, apressousse em deixar tudo o mais organizado possível e fugiu para o campo, sem direção. De frente à uma mangueira de raízes fortes ele sentiu uma determinação honrosa subir teu peito, e começou a escalar. Lá do alto ele pode ver toda a extensão de arvores e gado daquelas terras, lá do alto ele sentiu-se livre, então veio a queda.
     De olhos abertos e abismado o jovem via a si mesmo, seu corpo estirado e quebrado no solo lhe causou náuseas mas não pôde vomitar. Foi então que notou sua anormal translúcidez. Correu em disparada desesperado, novamente sem direção, porém desta vez não era a curiosidade que o movia mas sim o pânico, um medo irracional de um fim prematuro e eterno.
     Parou por fim numa pequena praia na borda de um grande lago escuro, não estava cansado ou fadigado, menos ainda dolorido, não sentia nada. Sentou-se na areia branca, escutando litros de água jorrarem de uma pequena cachoeira de pedras soltas que banhava o lago. Desenhando na areia ele não pensava em nada, sua mente era o reflexo do estado atual de sua alma, um completo vazio. Seu dedo traçando formas aleatórias no solo encontrou a ponta de uma peça de metal completamente enferrujada. Ele retira uma adaga do solo e a observa atentamente.
     Adornos estranhos enfeitam o cabo de metal, e na lâmina inscritos de uma língua estranha para o então espírito. Eu me levanto com a adaga em mãos, e, ao ouvir um grito distante clamando meu nome aperto inconscientemente o fio quase inexistente da lâmina. Sangro. Feliz por sentir algo, absorto com o poder do objeto.
     Uma densa quantidade de ar lhe expande os pulmões, e como se lhe explodisse o peito por dentro o rapaz uiva de dor. Acomodado sobre os lençóis da cama de seu quarto ele acorda, se senta e vê todo o seu tórax, braços, pernas e cabeça enfaixados. Ele sai em busca de informações e relembra por bocas alheias o ocorrido. Caíra e fora socorrido brevemente, e só não morrera pois durante a queda os galhos o desaceleraram até o nível final que era a terra, criando os hematomas em seu corpo. Com tanta informação ele resolve novamente se deitar, confuso, perguntando a si mesmo se o que vira era real.

CONTO: As Páginas De Fhn'gythrOnde histórias criam vida. Descubra agora