Capítulo 2

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     Estava organizando suas idéias quando lhe chamaram para a refeição da tarde. Ancioso para continuar a escrever e explorar, ter idéias e transformá-las em arte, almoçou tão rápido quanto pôde e se pôs a vagar. Tudo que via lhe remetia à ela, aquela paixão lhe corria as veias e parecia que jamais o deixaria, um jovem apaixonado pela arte no corpo de uma dama. Transmitia ele tais sentimentos nos diálogos de sua novela, e nada mais puro e belo podia ser visto nos arredores. Os arredores... Ele se lembra do lago negro.
     Caminhando por entre árvores em busca de aromas, o rapaz se viu em pé na pequena praia de areia fina, com pedras e troncos cinzas salpicando o branco aqui e ali. Ele observa traços de desenhos na areia com incredulidade e apreço, não consegue distinguir a realidade da coincidência porém se apega ao fantástico. A adaga à mostra o atrai com prontidão, ele segura a lâmina oxidada com firmeza e sente algo dentro de si mesmo, algo revirando seu estômago, um vazio incalculável.
     Mas mantenho o objeto em mãos.
     Volto vagarosamente para a casa, os conhecidos sequer notam minha presença. Vou direto para meu quarto e guardo a lâmina. Me deito, e espero.
     A noite se ergue e me levanto, sigo pelo mesmo caminho da tarde, mas agora com a escuridão me envolvendo por inteiro. Os galhos das árvores se retorcem ao me ver. Na praia me sento de frente para a água e espero a vinda deles, que chegam pontuais como o luar. Sobre as águas eles caminham até mim e me cercam, o som gutural de seus cânticos ascende ao céu e a resposta do mar vem através dele. As nuvens dançam em espiral sobre nós e descem num vórtice de gotículas de água salgada, somos cercados por uma fração da presença imponente. Os crânios flácidos me olham fixamente com olhares eternos cobrando de mim a resposta. "Sim" é o que penso e digo, mas de minha garganta saem apenas sílabas confusas arranhando minhas cordas vocais, deixando um fluxo de sangue pela traquéia. Suas vestem inflamam num vermelho púrpura, a dor os recebe num abraço divino e me alegro por eles. Sentado no meio de um vórtice de nuvens, rodeado pelos meus, eu canto, choro e sorrio a morte dolorosa daqueles que a mim confiaram o futuro. Um futuro incerto.
     O jovem acorda deitado sobre sua cama bagunçada e úmida, revigorado de um dia exaustivo. Vai até a janela de madeira, abre, e observa o campo banhado de um orvalho aromático, doce. Ele se lembra de sua amada e num suspiro, percebe que não tem mais voz.
     A manhã calma do interior sossega todo o frenesi de vida que antes, na vida urbana, cercava e se infiltrava em cada orgão do seu ser. Agora a tranquilidade era tudo que ele conseguia absorver do mundo, e para ele, isso era mais do que suficiente para continuar. A tarde veio nublada e chuvosa para a surpresa de todos, preso em seu quarto o escritor se pôs a trabalhar a todo o vapor, e enfim os seus personagens agora adquiriam a profundidade que ele desejava. A novela agora caminhava como ele queria.
     No fim da tarde o escritor se pegou exausto, com dores nos pulsos e músculos rígidos e resolveu tirar um tempo para o chá da tarde. Socializou com seus familiares e voltou a se trancar no quarto. Ao sentar diante da escrivaninha, releu os últimos parágrafos para se reiterar de onde estava e percebeu que a novela corria para um clima de tensão. Sentiu que precisava de inspiração para aquele momento e se lembrou da adaga, poderia usá-la para encenar os próximos eventos, e assim o fez.
     Tão linda e delicada, em minhas mãos a adaga enferrujada pare e ter um encaixe perfeito. Poderia meus familiares dividirem tal apreço comigo?
     Aqui estamos todos nesta praia de branca neve areia e água fria, submersos até o torso no líquido vítreo. É reconfortante ver o sorriso largo e sem lábios destes que compartilham meu sangue, e que hoje, compartilharam a maior das honras. A voz dele não precisa ser alcançada, não mais, ela flui por mim assim como seus desejos. Começo entoando o Seu nome, as águas respondem, a floresta pulsa, e os ventos aquietam. Minha genitora olha para mim, com os olhos lacrimejando e negando com o pescoço, até que pouco a pouco, o corte lento em sua garganta jorra o vermelho na agua doce. Prossigo com os outros cinco, e a cada gota, vermes de cor roxa surgem das águas, nadando em frenesi, bebendo da hemoglobina. A floresta se inquieta, se debatendo contra si mesma, troncos estouram em outros e raízes se entrelaçam aos montes em agonia. O lago reverbera a vibração do pulsar do meu coração e Ele se engrandece.
     Acordaram todos de uma provável ressaca ja no meio-dia, toda a família dizia não se lembrar de nada, mas todos sonharam o mesmo sonho, algo estranho pensou o jovem rapaz.

CONTO: As Páginas De Fhn'gythrOnde histórias criam vida. Descubra agora