PRIMEIRO

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06:01 AM

Levanta, Seulgi.

Ainda consigo escutar a sua voz.

📌

Eu costumava sentir muito sono pela manhã. Às seis horas eu, como uma preguiçosa de marca maior, ainda estava abrindo espaço para o décimo sono. Sempre foi assim. Abrir os olhos. Piscar. 06:01. Virar pro lado. Voltar a dormir.

E não é engraçado? Como as pessoas mudam? Pois é. Eu gostaria de ainda sentir alguma vontade de rir quando penso nisso. Seria no mínimo interessante. E deprimente. Nada como eu. Nadica de nada, juro.

Na vida que levo de uns anos dolorosos e pesados pra cá, todas as manhãs de sol me remetem a dias que eu queria esquecer. É contraditório, porque o alarme grita nos meus ouvidos todos os dias quanto bate seis horas e um minuto em ponto, e eu me levanto desejando que um meteoro caia bem no meio da porra da minha cabeça e esfarele as minhas memórias até não restar nada do meu passado. E adivinha quem o programa pra despertar nesse horário?

Exatamente, eu!

E você pode me chamar de idiota se quiser mas, o quão melhor do que eu você estaria sendo, certo? Isso só prova o quanto, de algum jeito, as pessoas ainda se importam com o que loucos como eu pensam. Eu posso ser doida de pedra, mas pelo menos sei que você não tem o direito de julgar um fardo que não é seu. E isso é incrível!!

De qualquer forma, eu sou uma idiota. Me levanto cedo e faço questão de tatear toda a superfície da minha cama quentinha à procura de não sei o quê que eu espero que esteja do meu lado. Me arrasto pelo meu apartamento empoeirado vestindo sapatos verde-limão que eu nunca vou deixar de usar. E eu não me importo se você os acha feios. Eu acho eles lindos. Pra caralho. E isso não é problema seu, pra ser bem sincera. Eu vou usar os sapatos que eu quiser, e quem é você pra me impedir?

Ninguém. Você não é ninguém, Seulgi! Se sente mais feliz agora que viveu o seu conto de fadas? Kang Seulgi é apenas uma garotinha, no final das contas. Quem vai fechar os seus olhos e te contar histórias sobre uma menina e um menino que se apaixonam numa manhã ensolarada? Quem vai enxugar as suas lágrimas quando você perceber que, na verdade, isso não é uma história de amor?

Esse é o tipo de questionamento que eu grito para as paredes do meu apartamento bagunçado de merda e espero que elas ecoem como resposta certos nomes que eu preciso fingir que nunca existiram. E nada contece. Provavelmente por isso que sou taxada de maluca pelos quatro cantos desse prédio. Os meus gritos incomodam. Se eu me importo? Eu não dou a mínima. Só queria que algumas coisas se ajeitassem sem que eu precisasse fazer um esforço absurdo pra me concentrar nelas, e aí a minha vida poderia ser um pouquinho mais nos eixos.

Eu acabo perdendo um tempão enquanto tempo arrumar o meu cabelo e mastigar o mesmo café da manhã nojento de todos os dias. Não sei como quero que a minha vida mude se eu mesma continuo reproduzindo tantas rupturas que deviam ser deixadas pra trás. Enfim, eu acabo me arrumando correndo pra sair de casa com a mesma cara de idiota de todos os dias e tentando evitar o sol com os meus óculos escuros prestes a ficarem em caquinhos.

Caminhar pelas calçadas não me parece mais tão divertido como costumava ser nos meus anos antigos de glória. Gosto de pensar que tudo começa e termina em calçadas. Com passos curtinhos, apressados, sempre em busca de algo. No fim do caminho, você descobre o que perdeu ou conquistou, e na maioria das vezes as pessoas choram pelo leite derramado mesmo quando o chão de terra já o engoliu todo e matou as plantinhas do jardim. Digo isso porque todos os dias, às oito da manhã, eu me sento no banquinho de madeira vermelho da praça, onde o sol quente bate e alguns chicletes estão grudados, e observo a movimentação da calçada. As pessoas já se acostumaram a encontrar uma maluca parada feito uma estátua de pedra por horas, sem dizer uma única palavra, olhando para os lados e usando roupas ridículas.

Ninguém nunca me abordou naquele banco, seja para perguntar se eu estou bem, ou pelo menos xingar os meus sapatos gastos e feios. E tudo bem, eu não me abordaria. E é provavelmente por isso que eu me martirizo tanto quando percebo que a minha rotina inquebrável não me torna alguém melhor. Não traz nada meu de volta, não repara ou protege.

Não sei onde quero chegar com isso. Não faço ideia.

E está tudo bem!!! Porque eu vou continar contando quantas vezes eu pisquei em intervalos de dois minutos, vou continuar acordado às 06:01— nunca somente às seis— e vou continuar observando as pessoas da rua com os meus olhos vidrados de merda! Mesmo que isso signifique que eu precise voltar pra casa por conta da sujeira e tomar mais um ou dois banhos. E, porra, eu sou genial de tantas formas que não consigo nem ignorar dias de sol e preciso me trancar nos dias de chuva pra que não chore mais que ela.

E, bom, caso eu saísse, você duvida que eu alagaria todas as ruas da cidade com a minha própria chuva cor verde-limão?

Pagaria pra ver uma casa debaixo d'água?

Eu espero que não. Porque eu sempre tô com muita raiva e umas ideias absurdas cruzam a minha cabeça e que parece borbulhar mais do que o meu chá de hortelã que tá esquentando no fogão da cozinha e que provavelmente vai acabar explodindo e me matando, porque eu sempre deixo o gás aberto.

E, por agora, essa ideia parece "ok" pra mim.

📌


essa fanfic é totalmente dedicada pra a atomiyeri, uma menina que eu conheci e que carrega o mesmo nome que eu.

essa história se tornou importante pra mim justamente por falar de permanências e rupturas, e como algumas delas podem te destruir.

então eu espero, ana, que você consiga se enxergar um pouco nessas várias versões mortas e vivas de alguém. espero que te toque tanto quanto me tocou. obrigada por criar esse plot comigo e por ter paciencia. espero que goste!!!!!💓💗💓

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