Blackburn, Califórnia, sudoeste dos Estados Unidos
O prédio estava em ruínas. O passar das décadas à mercê do clima seco e desértico era evidente naquela fachada. No passado, a construção fora usada como sede da prefeitura, quando as empresas mineradoras ainda eram as donas daquelas terras. Essa época, porém, havia ficado para trás. Agora apenas uma sombra do antigo edifício, vazio e dilapidado, podia ser identificada na noite, como uma vaga lembrança de um lugar que, no passado, florescera.
O local, que outrora reunira um grande número de trabalhadores ocupados, hoje atraía outro tipo de aglomeração, bem mais sinistra, com a qual o pequeno Jungkook, de sete anos, teria de aprender a conviver. Suas pernas tremiam e seu estômago se contorcia enquanto seguia os passos do seu mestre rumo ao interior da construção. Ele se mantinha bem próximo dele, mas tomando cuidado para não pisar em seus sapatos pretos e lustrosos.
Ambos caminharam por um hall estreito e escuro, passando por alguns homens. Jungkook mantinha seus olhos no chão. O som daquelas vozes ao cumprimentarem o mestre provocava nele um calafrio na espinha. Aqueles sujeitos eram novos ali, pessoas estranhas que ele jamais imaginara existir.
Ele o levou até uma porta no final do corredor e a imagem com que deparou fez com que o menino parasse de maneira abrupta. Um misto de suor e mofo saturava o ambiente; o cheiro forte de charuto queimava o nariz do garoto. Um grande número de homens se reunia ali, falando alto, ao mesmo tempo em que o choro ecoava pelas paredes, apavorando a criança. Com o coração à boca, ele respirou fundo e começo a procurar de onde vinham os gritos de pavor. Porém, diante daquele aglomerado de homens, era impossível ver qualquer coisa.
Foi então que seu mestre o pegou pela mão e o forçou a se posicionar à frente dele. Ele se contraiu no momento em que as mãos se fixaram em seus pequenos ombros, mas continuou andando, atendendo ao comando. A aglomeração foi se abrindo para que ambos passassem; logo Jungkook alcançou seu destino, de maneira obediente. Ele sentia os homens observando-o; os olhos deles eram como lasers que queimavam profundamente sua pele e esquentavam seu sangue, fazendo seu rosto enrubescer cada vez mais.
Na parte frontal do salão, sobre um pequeno palco improvisado, alguns garotos jovens formavam uma fila, ajoelhados. Etiquetas estavam penduradas em suas roupas rasgadas, e cada um deles trazia um número escrito com um marcador preto. Jungkook se manteve tão imóvel quanto possível, tentando ignorar o toque de seu mestre, ao mesmo tempo que observava a multidão que atirava dinheiro sobre o chão. Um a um, os meninos foram leiloados pelo lance mais elevado, suas lágrimas rolavam pelos rostos frágeis à medida que eram arrastados pelos respectivos arrematadores.
— Siwon!
Jungkook contraiu o corpo ao ouvir o nome de seu mestre e recuou ao ver um homem se aproximando. O rosto dele parecia couro envelhecido, craquelado, e estava coberto de cicatrizes. Seus olhos eram negros como dois poços de piche. Em sua mente aturdida, ele o percebeu como um verdadeiro monstro.
Siwon o segurou mais firme, mantendo-o preso enquanto cumprimentava o sujeito:
— Olá, Jeonghan.
— Vejo que trouxe seu garoto. — disse o homem — Está querendo se livrar dele? Se for o caso...
Siwon o interrompeu antes que prosseguisse:
— Não, nada disso. Só achei que seria bom que conhecesse outros garotos iguais a ele.
Iguais a ele. Aquelas palavras atraíram a atenção de Jungkook, que imediatamente olhou para o pequeno palco e viu quando um menino desceu de lá: era um adolescente que parecia ter se envolvido em alguma briga com tesouras, tantos eram os buracos em suas roupas; seus cabelos loiros pareciam ter sido tosados sem o menor cuidado. Ele estava amordaçado e algemado, e ostentava o número 33 na roupa.
Jungkook se perguntou: será que ele próprio era como aquele menino? Poderiam os dois serem iguais?
O número 33 lutou e se debateu o quanto pôde, mais que todos os outros, quando um homem o agarrou pelo braço e o puxou. Todavia, um único segundo mudaria tudo. Mesmo com os aros de metal ao redor dos tornozelos a jovem tentou escapar, pulando para a frente do palco, colocando-se de pé e encarando a multidão.
Como a lava de um vulcão que de repente entra em erupção, o caos se alastrou de modo violento. Todos os homens gritavam. Jungkook prendeu a respiração enquanto Siwon reagiu de um jeito frio, enfiando a mão no bolso do casaco e sacando uma arma. Um único tiro foi disparado bem ao seu lado, o que o assustou e deixou seus ouvidos surdos por alguns instantes. O número 33 estava agora caído no chão, com a testa perfurada por um projétil. O sangue fresco do jovem imediatamente espalhou pelo local, salpicando de vermelho até mesmo a bermuda jeans usado por Jungkook.
O peito do garotinho doía enquanto respirava ofegante diante do cadáver que repousava próximo ao seus pés descalços. O sangue logo escorreu do ferimento, encharcando o velho piso de madeira e tingindo os cabelos loiros do jovem de um escarlate intenso. Seus olhos azuis e congelados permaneceram abertos, voltados para Jungkook, como se pudessem enxergar através de sua pele.
Siwon guardou a arma de volta em seu casaco e se agachou para ficar na altura de dele que, a essa hora, tentava se afastar daquela carnificina. Ele, entretanto, o agarrou por trás do pescoço e o forçou a olhar para o número 33.
— É isso que acontece quando as pessoas esquecem qual é o seu lugar. — ele disse, com a voz tão gélida e impiedosa quanto os olhos que o encaravam. Então se levantou, voltando à posição original e mantendo as mãos firmes nos ombros do garoto aterrorizado.
O leilão continuou como se nada tivesse acontecido, enquanto o corpo sem vida do número 33 jazia no chão, sem que ninguém se preocupasse com ele, exceto, é claro, pelo próprio Jungkook. Aquela tenebrosa visão o assombraria para sempre.
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Sempre ♢ kth + jjk (taekook)
FanfictionJeon Jungkook e Kim Taehyung cresceram em mundos completamente diferentes. Jungkook é um adolescente de 17 anos que nunca conheceu a liberdade. Desde a infância, ele e sua mãe são escravos, vítimas de uma rede de tráfico humano. Taehyung, nascido em...