Café amargo e roupas limpas

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MITSASHI TENTEN

Virei a xícara devagar saboreando o amargor sutil do café recém-preparado. O silêncio do lado de fora era uma benção e eu conseguia fazer a leitura do artigo com tranquilidade, cada palavra fazendo sentido e se encaixando, me deixando cada vez mais interessada na forma como a França estimula o turismo em seu território.

Desviei minha atenção do celular por alguns segundos, visualizando o perfil de Hyuuga Neji sentado na cadeira à minha frente. Os belos cabelos compridos presos de uma forma displicente, deixando alguns fios soltos em frente ao delicado rosto, e os grandes olhos claros mirando um livro vermelho de letras miúdas. Os primeiros botões da camisa preta estavam abertos, deixando uma parte de seu peitoral à mostra e o belo pingente de coruja que eu havia o dado.

Tão lindo, mas tão complicado; um sonho distante de mim.

A bebida preta pareceu ficar mais forte na minha boca antes mesmo de eu conseguir dar mais um gole e contorci meu rosto em uma careta, odiando aquilo. Bastava olhar para ele que todos os meus sentimentos ficavam descontrolados e eu não me sentia mais como eu mesma.

A cozinha apertada do goshiwon* tornou-se ainda mais sufocante e toda a satisfação anterior se esvaiu.

Levantei no mesmo instante e seus olhos curiosos acompanharam o meu caminho até a pia. Deixei a minha xícara e o meu prato para lavar depois e caminhei sem pressa até a área de serviço. Abri a grande porta que levava até o terraço e senti o vento frio congelar minhas bochechas. A minha blusa fina não estava adequada para o clima absurdamente gelado de março.

Esfregando-me como podia, fui até os varais do meio e comecei a puxar as minhas roupas secas, jogando-as no cesto de vinil no chão ao meu lado. Poucas roupas, como sempre.

Olhei para as outras peças estendidas e reconheci a grande maioria como sendo de Neji. Ele tinha um estilo muito único e padrão: calça escura e blusa básica, no máximo algum casaco preto quando fazia frio.

A quantidade exagerada de roupas dele no varal era porque saía toda noite enquanto os outros vinte moradores — incluindo eu mesma — ficavam trancados em seus quartos assistindo Netflix, usando o mesmo pijama por quase um mês e descansando de todo o estresse do dia.

Escutei um miado fino atrás de mim e não contive um sorriso por ser "interrompida" durante minha tarefa. Olhei para o bichano laranja me encarando com expectativa em cima da mureta e parei de organizar as roupas, voltando para a cozinha.

Hyuuga estava na mesma posição: o pé direito escorado na cadeira da frente e o outro embaixo de si, a atenção focada nos escritos do livro e o café frio em cima da mesa. Ignorei a tensão do ambiente assim que coloquei meus pés ali de novo e abri a geladeira, buscando pela caixa de leite com o meu nome que havia comprado no dia anterior.

Peguei um potinho colorido e coloquei um pouco de leite frio, deixando então o gato entrar na cozinha e saborear o seu líquido favorito. Cocei suas costas e depois o resto do corpo, trilhando um caminho calmo até seu rabo felpudo. O gato gordo se contorceu sob meu toque e ri baixo, sentindo uma felicidade genuína me inundar.

Passar alguns minutos com os gatos da dona do goshiwon eram como uma pílula de felicidade instantânea, capaz de me dar mais forças para começar o dia. Eu sentia que seria um longo dia pela frente, então toda a pontinha de alegria seria bem-vinda.

— Posso usar? — Assim que escutei a voz de Neji soar tão repentinamente acima de mim pulei no lugar e, como consequência, chutei o pote de leite derramando todo o resto no piso. Respirei fundo algumas vezes seguidas, sentindo o meu rosto esquentar. O meu coração pulando cada vez mais forte no peito e eu não sabia denominar se era pelo susto ou pela proximidade. — Oh, des-desculpe. Não queria te assustar.

Fatídicas noitesOnde histórias criam vida. Descubra agora