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Eu pego o telefone pra ligar pra ele mas chama até ir pra caixa- postal, eu tento mais algumas vezes, mas chegam mais ambulâncias e eu tenho que ir atender, todas as vezes que tive um tempo, eu liguei, mas ele não atendeu em nenhuma delas.

Eu fui operar com o Cormac mas estou inquieta, preciso me concentrar
- Você tá bem?
Ele me pergunta
- To
Eu não to afim de papo
- Não parece
- Mas eu to
- Se ainda é por causa do residente
- Com todo respeito, mas isso não é da sua conta
Ele fica em silêncio por um tempo e volta a olhar pra mim
- Claro, desculpe

A cirurgia da Milla acontece sem nenhum problema e assim que termina eu olho pro Cormac
- Pode ficar com o pós-operatório já que você tirou o residente do caso
Ele me olha sem acreditar e eu volto pra emergência, assim que entro, encontro a Carina, ela não tá com uma cara muito boa
- Conseguiu falar com o Andrew?
- Não
Ela diz séria
- Nem eu, ele não atende
- O que foi que aconteceu pra ele ficar com tanta raiva e sair assim?
- Ele acha que eu tirei ele do caso hoje
- De novo?
- Eu não fiz isso
- O que foi que aconteceu entre vocês?
- Isso é pessoal
- É, mas meu irmão saiu no meio da neve, arriscando a vida por sua causa
- Ele fez porquê quis, Carina, ele não é criança
- Então por que você tá tão preocupada?
Ela sai com o telefone na mão e eu entro na emergência, é assustador cada vez chega mais alguém congelado, mais um acidente de gente que estava voltando pra casa e nunca vai chegar, aumenta o número de mortos, aumenta as pessoas que estão aqui só pra se proteger do frio, todos os médicos que não estão em cirurgia correm de um lado pra outro e eu acabo entrando em mais uma cirurgia, esse dia tá uma loucura e eu ainda preciso falar com o Andrew e resolver isso, assim que termino mais uma cirurgia, eu vou pro quadro, tentar achá-lo e ele não está em lugar nenhum, aproveito o chamado na emergência e vou tentar encontrá-lo lá, encontro a Maggie
- Viu o Andrew?
- Não, começou a nevar de novo, acredita? Ainda bem que as crianças estão em casa
- É
Eu entro na emergência e vejo a Bailey de longe, vou rápido pra lá
- Bailey
- Leito 4, Meredith
- Ok, viu o Andrew?
- Andrew? Não, não o vejo faz tempo, deve estar operando
- Ele voltou com as ambulâncias?
- Todas as ambulâncias já voltaram, não dá pra sair, leito 4, Grey
Eu vou pro atendimento mas procuro por ele em toda a parte, ele deve estar em algum lugar, ele tem que estar.

Entro em mais uma cirurgia com o Cormac e já deixei recados com os residentes, enfermeiros, os outros médicos pra me avisarem assim que o virem, eu só preciso saber que ele está bem

- Dra Grey
Um enfermeiro me chama ao telefone
- Pediram pra te avisar que o último carro de bombeiros chegou e o Dr DeLuca não responde
Meu coração parou por alguns instantes
- Ele não estava nas ambulâncias?
Eu pergunto, tentando manter a calma na voz
Ele repete a pergunta no telefone
- Ele saiu na ambulância mas ficou pra voltar com os bombeiros
- Você está me dizendo que o Dr DeLuca está lá fora, no meio dessa nevasca?
Ele não me responde
- Escuta, Grey, vamos nos concentrar aqui, assim que sairmos, você fala com a Bailey e tem notícias diretas, isso pode ser um mal entendido e ele está operando aqui na sala ao lado
Eu respiro fundo pra me acalmar
- Ok, só confirma pra mim se a Bailey já sabe disso
Eu digo pro enfermeiro e volto a operar, em silêncio e tentando não pensar sobre isso

Quando eu saio da cirurgia, vou imediatamente pra emergência, pelo olhar da Bailey pra mim, eu sei que ela não tem boa notícias
- Só fala
- Ele não voltou, Meredith
- Como assim? Por que?
- Ele ficou pra ajudar algumas pessoas na rua e a ambulância voltou com uma emergência
- E aí?
- Quando os bombeiros voltaram lá, ele não estava
- E onde ele está? Ninguém falou com ele?
- Não, mas lá fora está sem sinal, o Ben saiu agora pra ver se consegue alguma coisa
- Isso não tá acontecendo
- Nós só podemos esperar
- Conseguiu falar com ele?
Ouço a voz da Carina atrás de mim, eu respiro fundo
- Não
- O que foi? Cadê o Andrea?
Ela olha pra Bailey
- Vem aqui, Carina
A Bailey chama e saio andando, não tem mais movimento na emergência, nem tem como, não dá pra chegar ao hospital, meu coração se aperta, já tá anoitecendo e ele está lá fora, eu ouço a porta da meu emergência abrir, eu fecho os olhos, respiro fundo e viro devagar pra encontrar o Ben parado na porta, ele só faz que não com a cabeça e é como se eu tivesse vendo o meu mundo se despedaçar mais uma vez.

- Mer, come alguma coisa
A Maggie senta ao meu lado, na sala do staff com um salgadinho, eu afasto e não respondo nada, a Carina anda de um lado pro outro, sai e volta, mas não fala comigo, ela acha que é culpa minha, eu acho que é culpa minha, eu apoio a cabeça nas minhas mãos, consigo ver tão claro a maneira como ele me olhou quando eu disse que ele parecia o pai dele, eu só preciso saber que ele está bem, mesmo que ele nunca mais fale comigo, eu preciso que ele esteja... vivo

- Meredith
A Bailey chega na porta, algum tempo já se passou, os médicos entram e saem daqui
- Cadê a Carina?
Ela pergunta, eu não gosto do jeito que ela me olha e nem desse tom de voz
- Estou aqui
A Carina entra na sala, muito séria e se olhar pra mim
- A policia pediu pra avisar que não podem continuar as buscas agora
Eu levanto do sofá
- Como assim?
- Por que?
A Carina pergunta
- Voltou a nevar e já escureceu, eles não podem fazer nada por enquanto
A Bailey diz em um tom calmo
- Isso não...
Eu não consigo falar, a Carina sai da sala e eu sento o sofá, alguém me entrega um copo de água, eu encosto na parte de trás do sofá e fecho os olhos, eu posso sentir o olhar de pena das pessoas em mim, eu sei que na cabeça deles está passando a mesma coisa  que na minha: Ta acontecendo de novo.

Eu me sinto encolher, eu não consigo pensar, minha cabeça é como um enorme vazio, como se meu corpo produz anestesia própria pra tanta dor, ele não vai sobreviver a uma noite de tempestade de neve, lá fora e é isso que fica se repetindo na minha cabeça: Ele não vai sobreviver, ele não vai sobreviver, como um mantra, como uma sina.

Mais uma hora se passou, será que ele está sozinho? Será que ele se machucou? Será que ele achou algum jeito de se proteger do frio?
- Mer, fala alguma coisa
A Amélia pede baixinho, ao meu lado, eu permaneci, todo esse tempo, na mesma posição e de olhos fechados, eu não quero ver como as pessoas estão me olhando
- Ele vai morrer
- Não vai, ele deve ter achado algum jeito de se proteger, lá fora
A Maggie é enfática mas é, na verdade, uma tentativa de me convencer a acreditar nisso
- Alguém sabe da Carina?
- Ela ta em um dormitório, você deveria ir também
A Amélia me diz, eu volto a encostar no sofá e fecho os olhos
- São mais de quatro horas sem notícias, nessas condições, eu não vou dormir
- Ele deve estar bem, Mer
- Para de dizer isso, Maggie, você não sabe.

E o silêncio se instala novamente.

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