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Morrer é estranho, eu já tive algumas experiências de quase morte mas eu não acho que seja igual, é muito estranho pra quem fica vivo e perde alguém e isso, eu sei bem, a pessoa está ali, com você, tomando café e levando as crianças na escola e então, não mais.

Alguém fica sem um filho, um irmão, um amigo, um amor, todo um futuro é transformado quando uma vida se vai, um futuro... um futuro com o Andrew, eu vejo escorrer pelas minhas mãos enquanto estou aqui deitada nessa cama e ele está morrendo na emergência, tudo que estão fazendo pra salvá-lo pode ser só pra que ele tenha uma hora da morte, se o coração não voltar a bater, se os órgãos não funcionarem, se o cérebro dele não "religar", tudo isso pode ser em vão.

Será que nós teríamos um filho?
Será que as crianças se apegariam a ele como a um pai?
Será que ele estaria comigo na formatura das crianças?
Será que ele ajudaria a Zola na mudança pra faculdade?
Será que ele conversaria com Bailey sobre namoro?
Será que nós iríamos pra Itália juntos?
Será que nós ficaríamos juntos pra sempre se a morte não andasse ao meu redor?
Ele não pode ir, ele não pode morrer sem deixar o tempo me responder cada uma dessas perguntas.

Uma hora se passou e cada um de nós sabe as complicações de tanto tempo sem oxigenação no cérebro, mesmo que todos os órgãos voltem ao normal, o Andrew pode nunca mais ser ele mesmo, eu posso nunca mais sentir aquele abraço tão bom, que me acolhe e relaxa ao mesmo tempo, as mãos dele no meu cabelo ou o carinho que ele faz no meu rosto antes de me beijar, nunca mais eu vou sentir o gosto daquele beijo, nunca mais eu vou sentir o corpo dele junto ao meu enquanto me sinto amada e desejada na mesma intensidade, nunca mais eu vou sentir a textura do cabelo dele nas minhas mãos, a sensação de dedilhar cada músculo, cada parte do corpo, eu sinto como se cada lembrança, nesse momento, é uma tortura, é um carrossel dando voltas e me fazendo lembrar de coisas que eu perdi pra sempre... de novo.

- Meredith, ele acordou
São as palavras da Teddy, na porta do quarto, eu sento na cama, muito rápido
- Ele tá vivo?
- O coração e os órgãos vitais estão funcionando bem
- Mas...
- Ainda não sabemos das atividades cerebrais
Eu suspiro
- Obrigada
- Bailey pediu pra perguntar se você quer ir lá
Sinto o olhar de Maggie, Amélia e Alex em mim, eu fecho os olhos, não sei o que fazer
- A Carina já sabe?
- Owen foi falar com ela
O Alex aperta minha mão
- Se você quiser ir, eu to aqui
- Eu vou

Quando eu chego na porta da sala que ele está, na emergência, eu paro e respiro fundo, eu tenho que fazer isso.
O Alex abre a porta e eu entro, Tom, Bailey, Richard e Carina estão lá, ela olha pra mim mas não diz nada, eu confiro os sinais, estão todos normais, o barulho da máquina é um alívio, agora ele só precisa acordar
- Ele perdeu muito sangue com o corte na perna, as mãos e pés ainda estão em um estado delicado, mas todos os órgãos funcionam perfeitamente, estamos esperando que ele acorde pra conferir como isso pode ter afetado o cérebro
A Bailey diz, tentando ser prática diante de tudo isso
- Ele vai pra um quarto agora?
A Carina pergunta
- Vai
- E o que vai ser feito?
- O Jackson vai cuidar das mãos e dos pés dele e temos que esperar
Eu não consigo falar, só olho pra ele, vivo, na minha frente, se uma grande nuvem negra não tivesse pairando sobre a minha cabeça, me fazendo pensar que ele não vai acordar, eu poderia estar feliz.

Depois que o Andrew foi levado pro quarto e o Jackson terminou o atendimento, a Carina não saiu de lá e eu não consegui entrar, fico andando de um lado pro outro, vez ou outra, o Tom entra no quarto e olha pra mim mas não diz nada, ele ainda não acordou e parece que o tempo não passa
- Você vai cavar um buraco no chão desse jeito
O Alex volta com um café e me entrega, eu pego, encosto na parede e não respondo
- Mer, já dá pra ir pra casa, você não quer ir descansar um pouco?
A Maggie passa a mão nas minhas costas
- Não
- Quer entrar?
- To decidindo isso ainda

Ouvimos o sinal de parada cardíaca, eu corro pro quarto, os apitos descontrolados das máquinas vão de encontro as batidas frenéticas do meu coração, eu estou ao lado do desfibrilador, é imediato pra mim pegar as pás
- Carrega
A enfermeira aperta o botão
- Meredith, você não pode fazer isso
A Maggie diz
- Afasta
Eles tiram as mãos e eu dou o primeiro choque, ainda desfibrilando, o Alex faz a massagem, mais pessoas entram no quarto
- Carrega, de novo
- Meredith
Alguém me chama
- Afasta
Mais um choque e os batimentos voltam ao normal, eu respiro fundo e ele abre os olhos, de encontro aos meus, eu não preciso mais que isso pra saber que ele está ali, é o Andrew, ele está bem.

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