Capítulo 1

6 0 0
                                    

Há uma grande área de escavação no caminho entre a Capital e Sta. Ágata. A rodovia é um corredor de vento que deixa o clima levemente mais frio do que na cidade. Grandes escavadoras retiram aos poucos camadas de pedra enquanto passamos de carro escutando músicas de viagem.

Meu pai arrumava os óculos no rosto e apertava o volante em um esforço inútil para não levantar areia. Minha mãe tirava os cabelos lisos da frente do rosto e tentava levantar a janela para que o vento parasse de passar as páginas do seu livro.

Quando passamos as escavações, a estrada levou para a praia dos Cardeais, um pouco antes da cidade e aquilo despertou um comentário da minha mãe:

- Liz, você conhece o filho dos Carneiro, Lucas?

- Sim, mãe. - falei, encarando a praia.

- Em setembro, na época da tempestade,ele estava com uns amigos na casa de praia. As janelas da faixada quebraram e eles ficaram dois dias presos na casa. - suspirou - Não sei o que eu faria se isso acontecesse com você.

- Não se preocupe, mãe, eu prometo que não vou para a praia, se você quiser. - dei um meio sorriso.

- Isso é besteira. - meu pai entrou na conversa - Eu costumava vir para a praia dos Cardeais todos os finais de semana quando eu tinha a sua idade.

Ao longo dos anos ouvira diversas histórias sobre a época em que meu pai surfava e tinha os cabelos longos e lisos. Mas era difícil imaginar o meu pai assim atualmente, depois de cortar os cabelos e tornar-se um dentista, ele era uma pessoa totalmente diferente das fotos.

- E não é como se a tempestade tivesse atingido somente a praia. -ele protestou.

Era verdade. A tempestade atingira toda a região dos Cardeais, incluindo Sta. Ágata. Mas esse tipo de coisa não era incomum na cidade em que meus pais creceram. O clima era sempre imprevisível.

Meu plano não era mudar-me, muito menos sonhava em ser auxiliar de engenharia. Nada disso teria acontecido se não fosse pela carta, uma carta de selo azul que me fizera deixar a minha casa e a minha vida na Capital para - a protesto constante da minha mãe - mudar para uma cidade no interior do estado.

Mas Sta. Ágata não era tão pequena. Na verdade, era quase tão grande quanto a Capital. Tinha um aquário, um jardim botânico, um museu e alguns parques. Além disso, meus avós moravam em Sta. Ágata, e eu sentia que seria bom morar com eles pelo menos por um tempo.

Nas minhas mãos encarava a carta azul que informara que, mesmo nunca tendo feito o teste, eu já estava inscrita na universidade de Sta. Ágata. Aquilo me impossibilitava de aplicar minhas notas para a Católica de Fortaleza, uma faculdade nova que tinha o melhor instituto de engenharia elétrica do país,  e nunca ter que ser auxiliar de ninguém. Mas gostava de encarar o erro como um aviso do acaso, afinal alguns males são para o melhor.

Era como meus pais sempre disseram, existiam forças que guiavam a gente. Algumas nos recompensavam e outras nos puniam. Talvez fosse por isso que tivessem tanto medo de Sta. Ágata. Era assim que as coisas funcionavam por lá.

Depois de um corredor de árvores baixas e cheias de folhas que guiava o final da rodovia, adentramos na cidade, mais especificamente no engarrafamento da avenida principal. Passando por uma tartaruga o sedã de um pulo e jogou minhas malas para cima, fazendo com que dessem um grande baque sobre o porta-malas.

Com o susto, quase não percebi o meu celular tocando a musicazinha irritante que eu cpstumava gostar. Minha mãe, entendendo muito bem o que acontecera, perguntou-me:

- Não vai atender?
- Não. - respondi fechando a cara. Eu não queria falar com René naquele momento, constatei enquanto a minha garganta doía aquela típica dor de quem finge que está tudo bem, mas não está. Aumentei o volume da música.

O Furacão ElieOnde histórias criam vida. Descubra agora