Capítulo 3

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Dominique tinha uma semana para aprender a controlar suas emoções. "Não podemos arriscar que ela coloque fogo na cidade" os pais diziam sobre o temperamento dela.

Era verdade que Dominique, desde a pre-adolescência, tivera problemas para controlar seus acessos de raiva, mas isso não disqualificava todas as vezes em que ela estivera certa e as pessoas a interpretaram como "a garota que não consegue se controlar". Na verdade, ela normalmente estava certa.

Estivera certa em não participar do desfile ridículo, estivera certa em gritar contra todas as tempestades das famílias regentes, em faltar os jantares e em, de vez em quando, fugir de casa. Ela fazia isso com frequência.

Os ônibus em Sta. Ágata funcionavam muito bem. Era os melhores do país e faziam viagens da cidade para outras mais distantes. Dominique gostava de pegar o ônibus para a Capital de vez em quando para ver a praia. Mas ela fazia isso sozinha e sem avisar a nunguém. Gostava de fazer jus à péssima reputação dos Carvana.

Os pais já haviam achado que ela desaparecera bastantes vezes mas já não tornavam a pensar mais isso. Porque todos sabiam que, com frequencia, ela não conseguia aguentar toda a pressão e precisava ficar longe de tudo.

Mas o fato era que se ela não aprendessa a controlar suas emoções, a cidade tomaria as consequencias e, exatamente por saber disso, ela estava sendo forçada pelas famílias a ver um médico sobre seus problemas para tentar controlar-se. Além disso, estava sendo forçada a meditar todas as manhãs, o que ela achava inútil, e a fazer um curso de como gerenciar suas emoções. Ela era a maior preocupação das famílias no momento.

Dominique fazia os planos para o ano novo sentada nas escadas do apartamento, que dividiam o primeiro do segundo andar, fitando a grande janela que unia os dois e tinha uma vista remota da praia depois de uma grande faixa de terra seca que chamavam de praia. Mas não havia areia na praia de Sta. Ágata, somente na praia dos Cardeais, que ficava a uma pequena viagem dali.

Por um segundo, Dominique considerou fugir para a praia, para passar a vorada do ano bem longe dos seus pais.

O evento da posse aconteceria à meia noite em um edifício antigo que costumara ser o primeiro posto dos correios de Sta. Ágata. A coisa toda ia ser televisionada e ela sentia que não queria passar os seus ultimos segundos de liberdade sobre a pressão das câmeras.

"A Casa" ela anotou como uma opção. Era um bar ali perto que ficava na esquina de uma rua residencial, em uma casa cujo teto desabara com uma das tempestades da cidade - elas aconteciam com frequência. Ela já estivera no lugar antes, muitas pessoas da mesma idade costumavam ir e eles teriam uma boa festa de fim de ano.

Ela teria que tomar as devidas precauções para que as pessoas na festa não a reconhecessem e sabia que os pais detestatiam que não aparecesse para a posse. Mas sentia-se como um animal selvagem em uma gaiola, constantemente observada, fotografada e julgada por todo movimento.

O que seria entre os seus extintos que a fariam fugir? Porque era isso que se perguntava todas as vezes que via um animal fazer algo diferente, como se não fosse puramente natural fazê-lo por espontânea vontade. No caso dela, necessidade. Ela precisava se afastar - tanto quanto pudesse - somente porque precisava, mais do que podia explicar.

Então decidiu, dando uma ultima espiada no mar, lassar a virada do ano bem longe. E depois lidaria com as consequencias.

Subiu o resto dos degraus e, passando pelo quarto do irmão, e depois pelo seu, seguiu para o quarto de Elie. A porta normalmente ficava trancada, porque não seria bom levantar perguntas sobre o cômodo, mas Dominique tinha a chave. Sentou-se sobre o carpete e observou o berço de madeira. As paredes verde menta tinham flores brancas pintadas sobre as colunas que sustentavam o teto.

"Querida Elie," ela escreveu no diário, "no final de semana passado eu fui à capital. Mas passei só um dia lá. Tomei café sozinha no meu lugar favorito, andei sobre o calçadão da Beira-Mar e depois pelo espigão. Juro que dessa vez o pôr-do-sol foi mais bonito que da ultima vez que te escrevi." e sorriu enquanto escrevia.

"Nesse final de semana, o papai vai assumir a prefeitura, como eu já tinha dito. Não gosto muito de pensar no que isso vai fazer com a nossa família. Porque, no fundo, somos uma boa família. Não quero perder isso pros tablóides dos jornais."

E fechou o diário. Depois trancou a porta do quarto, quase em um juramento de que nunca contaria a ninguém sobre Elie. Até porque Elie não existia de verdade. Mas por dentro, um sentimento confesso de culpa repetia para ela que Elie ainda poderia ser a ultima arma para acabar com o poder das Famílias Regentes.

Mas Dominique iria à Casa. Ela ia parar de pensar sobre isso. Ela iria ter mais uma noite de ano novo normal sem pensar no seu sangue, nas pessoas que achavam que aquilo tinha algum valor diferente do que reamente tinha.

Antonio, por outro lado, pretendia cumprir exatamente com suas obrigações. Ele puxara isso da mãe, com certeza. Já tinha um bazer pronto para o evento, e uma gravata que ia com o conjunto.

Ensaiava as poses ao espelho, arrumando os fios de cabelo liso e escuro, que também puxara da mãe. Observava o próprio rosto pálido, tentando sorrir de uma forma que parecesse convincente.

Mas desistira em poucos minutos. Era inútil continuar ensaiando. Por mais que, secretamente, tivesse um gosto por atenção, pelos jornais e pelas fofocas - o que puxara do pai - ele sabia o que a mudança de família significava para eles.

Fitou as próprias mãos com medo. Todos tinham medo do estrago que Dominique podia fazer, mas ele tinha medo do seu próprio estrago. E não era o tipo de coisa que desse para aprender ou assistir um tutorial na internet. Aquilo era sério e mexia com a vida de muita gente.

Por mais que, por fora, parecesse perfeito, por dentro, a responsabilidade o assustava um pouco mais do que dava para admitir. Constata então que ninguém, nenhum deles, estava pronto para o que vinha em seguida.

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⏰ Última atualização: Apr 06, 2020 ⏰

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