Capítulo 2

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Saio da escola na maior pressa. Eu tinha esquecido de pegar a carta na minha gaveta, então tive que voltar em casa para passar no parque. Eu acordo muito cedo todos os dias para pegar o ônibus para a escola, deve ser normal esquecer as coisas.

Depois de buscar minhas preciosas palavras, pego minha bicicleta (que fica em um espaço reservado para bikes na garagem do meu prédio) e começo a pedalar pelas calçadas.

Hoje está um dia frio, principalmente para onde eu moro. Eu chuto 22°. Eu amo dias frios, talvez por estes serem escassos no Rio de Janeiro. O vento bate no meu rosto, e aumenta a intensidade a par das pedaladas. Passo por um muro que sempre me chama atenção: um grafite, muito colorido, representando um homem com asas deslumbrantes, me lembrando Morfeu, o deus dos sonhos.

É curioso o fato de que, mesmo que eu passe quase todos os dias por aquele caminho, pelas mesmas pessoas, eu me sinta camuflado. Eu poderia fazer qualquer coisa, qualquer gesto, ninguém me notaria, e sim, eu gosto disso. Aquele que não pode ser visto, não pode ser parado. Eu era a pessoa mais livre do mundo, e não há nada que possa me fazer mudar de ideia.

Estou quase lá. Aperto várias vezes a buzina que minha mãe instalou na bicicleta para começar o ritual. As buzinadas representavam a minha entrada naquele mundo que só pertencia a mim, do qual eu tinha a responsabilidade de gerenciar. As árvores em volta aplaudiam a minha chegada com o movimento das folhas; os insetos, por sua vez, cantavam em melodia uníssona.

O portão que dava entrada para o parque já estava enferrujado desde que eu me conheço por gente, e sejamos sinceros, eu provavelmente era a única pessoa que frequentava aquele parque. Desmonto da bicicleta e a acompanho por um caminho levemente longo até o banco que, por sinal, fica na frente do chafariz. Aquela era a minha deixa. O melhor momento do dia estava para acontecer.

Retiro do bolso do meu macacão (eu amo usar esse macacão) a carta, e a leio atentamente. "Preciso de você agora. Eu te amo, do fundo do meu coração. Eu nunca tive tanta certeza na minha vida!". Deus, como eu sou desesperado. Ainda bem que ninguém, além de mim, pode ler tudo isso. Eu provavelmente vou olhar para trás quando tiver 35 anos e um emprego em um escritório amontoado de papéis e pensar: Leonardo, você era muito idiota. Fazer o que? Ser idiota é a melhor coisa que eu faço no momento.

Abro o papel o máximo que posso, me ajoelho diante do chafariz e então começo a conversar com Davi.

- Sabe, isso tudo tá me cansando. Eu já fiz de tudo, tudo para você aparecer. Eu simplesmente não entendo. Alexia tem o namorado perfeito, os dois brilham tanto quando ele começa a acariciar seus cabelos loiros que eu me sinto ofuscado. Rafaela e Victor se apaixonaram e agora passam o dia inteiro juntos e escrevendo músicas, e no meio disso eu existo. Apenas existo. Vou continuar escrevendo para você, mas não pense que eu tô feliz. Você tá me decepcionando. Não aguento mais ser decepcionado.

Cerro meu punho de amargura, porém o solto logo para manter a leveza que a ocasião pede. É importante que eu agora esteja calmo. Sinto o ar frio preencher meus pulmões e vou para a etapa final.

Deslizo a carta pela água fria da fonte, até garantir que ela tenha se desfeito completamente. Quase consigo sentir as mãos dele me ajudarem no processo. Um calor invade meu coração, me faz sentir preenchido. Ele existe, digo para mim mesmo. Você existe.

Estava feito. O trabalho quase que diário de me comunicar com um fantasma do qual eu estava apaixonado tinha acabado. Como eu não sabia muito o que fazer e minha mãe só voltaria do trabalho ás 22:00, resolvi sentar no banco e refletir. Eu tenho feito isso por meses e sem nenhum resultado. Talvez eu devesse parar, ou vou acabar em um asilo. Ou talvez um asilo seja melhor do que o dia a dia. Não quero ser o adolescente melodramático, contudo é realmente estressante ver todos caindo em amor como um lembrete cotidiano de que, sim, você está sozinho e, não, você não tem ninguém. Odeio quando as pessoas dizem: "Mas você tem seus amigos, a sua mãe...". Deve ser fácil falar quando se recebe flores e chocolates só porque o amor te viu como merecedor. Então não, eu não tenho ninguém, porque ninguém é Davi e ponto final. Me deixem em paz.

As rosas dos arbustos me lembram o vestido vermelho vivo que Alexia usou em seu aniversário de 15 anos, o dia exato em que Arthur a pediu em namoro. Foi um momento bem comovente, para a maioria das pessoas. Eu nunca disse para ela, mas tudo que eu senti foi ódio, um ódio mortal dela e dele. Foi a partir daí que meus dias começaram a ser cada vez mais odiosos, e eu não podia fazer nada para mudar, já que claro, ela é minha amiga e amigos devem ficar felizes pelos outros. Inacreditável. Será que algum deles já se perguntou o que eu sinto? Estão tão ocupados se afogando em um rio de flertes intermináveis, que acabam por só se enxergar. Duas pessoas que se satisfazem em um vácuo vermelho vivo. Eu queria poder me dar ao luxo de ignorar todo o resto e ter alguém que fizesse o mesmo por mim. Ver as coisas com clareza não é nem um pouco bonito.

Cansei de pensar. Vou só deitar no banco e olhar o céu nublado em cor pastel. Como eu amo cores pastéis. Elas juntas compõe o meu mundinho que eu criei dentro da minha cabeça. O meu mundo com ele. Talvez você nunca chegue. Mas eu nunca vou me contentar com isso. Nunca.

***

Meus olhos estão vacilantes. Meu deus, eu dormi no parque. E por quanto tempo? Pego meu celular do meu bolso. 21:32. Minha mãe vai me matar, literalmente. Preciso correr. Quando vou montar em minha bicicleta, um vulto toca meu ombro como se quisesse pedir uma informação.

- Leo?

Tinha cabelos loiros, olhos azuis e um nariz tipicamente francês. Parecia um príncipe da Disney. Falava com um sotaque um pouco acentuado e me transmitia certa leveza. O vulto, na verdade, era Davi.

Cartas para DaviOnde histórias criam vida. Descubra agora