Emma
O som da cidade era sempre a mesma coisa. Motores sendo ligados, pessoas andando apressadas para os seus trabalhos, vendedores gritando e oferecendo suas mercadorias. Sempre assim.
Era o meu pai que estava dirigindo, comigo no banco do carona, vendo o meu próprio reflexo no vidro do carro, enquanto observava o movimento. Ele balbuciou algumas palavras que não deram pra entender muito bem, mas tinha certeza de que era um xingamento, pois estávamos presos no enorme trânsito que se seguia de pouco em pouco.
— É querida, parece que vamos chegar atrasados. — ele bufou ao falar, e logo em seguida, continuou a reclamar do trânsito.
— Bom, que diferença faz, não é? Essa visita a psicóloga toda semana não está ajudando em nada. — Eu disse, diminuindo um pouco minha voz no fim da frase.
Sempre levava comigo um tubo de álcool em gel, nunca se sabe o que pode acontecer. Eu posso tocar na mão de alguém, na maçaneta de uma porta, ou bactérias podem acabar de alguma forma vindo pra mim.
Abri o tubo, e passei um pouco nas minhas mãos, e um pouco mais nos meus braços. Aí pensei "por que não passar no rosto?", então peguei uma gota e passei, massageando minhas bochechas, meu queixo, e até meu nariz.
Meu pai, com o trânsito parado, olhou para o que eu estava fazendo, e indagou:
— Você precisa mesmo fazer isso? Quero dizer...não é exagero?
— Pai...por favor. — Respondi, cansada com tudo aquilo.
— Está bem! Não toco mais no assunto. — Falou meu pai.
É horrível ter TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), pois você nunca sabe quando um pensamento intrometido vai aparecer e dizer para você fazer tal coisa. Como passar álcool em gel na cara.
As pessoas acham estranho, esse TOC, e eu não julgo elas, pois eu também acho estranho. Eu não queria ter que ir toda semana a minha psicóloga, só para ela dizer " Vai ficar tudo bem querida, agora, apenas tente pensar em outra coisa sem ser limpeza..." pra ela é muito fácil falar, mas pra mim, é muito mais difícil agir.
Quando o trânsito finalmente começou a circular, eu guardei o tubo de álcool em gel no porta luvas, e me encostei no banco do carro. Dei um leve suspiro, e fiquei olhando novamente meu reflexo no vidro, esperando até eu chegar em minha psicóloga.
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Pensamentos Dentro da Caixa
Ficção AdolescenteQuantos pensamentos impedem você de viver normalmente? Muitos? Poucos? Não muitos? Bom, no caso de Emma, eles eram infinitos. Emma tem o grande e terrível TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), e vive passando em sua psicóloga, fazendo leves trat...