Why'd u only call me when you're high?

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As luzes do ambiente refletiam no copo de vidro à minha frente, dançando sobre o balcão de madeira. Pequenos feixes de várias cores foram formados, lembrando-me dos cabelos dela, que sempre caíam graciosamente sobre seus ombros, como uma cascata de tintas. E que belas tintas.

Essa simples lembrança me assolou. Olhei em volta em busca de esperança e reconheci seus cabelos. Ela ia em direção à saída, determinada como sempre. Apesar de seus pés tocarem o chão sórdido de um bar qualquer, o sorriso não saía do rosto... que descobri não ser o dela.

Mais uma vez minha imaginação havia sido tomada pela esperança de encontrá-la por acaso nas inúmeras noites vadias em que eu apenas me afogava em bebidas que sequer sei o nome.

Uma brilhante ideia me ocorreu. Em vez de procurá-la, esperando que a coincidência nos unisse, por que não chamá-la para se juntar a mim? Talvez assim nós pudéssemos nos reconciliar.

Liguei para ela, porém, não ouvi sua melódica voz. Apenas o monótono bip da caixa postal. Não queria acordá-la, mas tinha uma urgência em minha necessidade de vê-la. Eu precisava de sua presença.

Outra ideia veio depois de mais uma dose. "Cara ou coroa?", perguntei para um senhor mal humorado, que reclamava de sua esposa desde o momento em que havia chegado. Ele me olhou assustado, como se não esperasse que alguém pudesse ser imprudente a ponto de lhe interromper por algo tão banal. Quando vi sua tamanha indignação, me arrependi de ter perguntado justo a ele. Podia ter sido a qualquer outra pessoa. Pedi desculpa e saí do recinto, me aventurando nas escuras e vazias ruas noturnas. Já estava quase virando o quarteirão e as reclamações do senhor ainda eram audíveis.

Pela falta de companhia, eu mesmo escolhi cara, e para minha felicidade, ao girar a moeda, percebi que iria concretizar minha ideia.

Meus passos eram tão firmes quanto poderiam ser depois de uma noite no bar, mas o caminho até a casa dela me era familiar.

Peguei meu celular, impaciente com a demora para responder minhas mensagens e ligações. Havia uma resposta: "por que você só me liga quando está bêbado?".

Por algum motivo essa mensagem fez com que eu ficasse com raiva. Para começar, era uma afirmação mentirosa. Teve aquela vez que eu... ah não, tinha bebido um pouquinho sim. Não, mas teve uma vez que eu estava na praia... não, tinha bebido um pouco também.

Nesse momento, olhei para cima e vi a rua onde ela morava. Andei esperançoso até o número de seu prédio e toquei o interfone. As coisas estavam levemente mudadas desde a última vez que eu havia estado ali. A cor da grade não era a mesma, o jardim não existia mais...

Meu pensamento foi abruptamente interrompido pela voz no interfone, que obviamente não era a dela. Era uma velhinha claramente irritada. Não entendi muito bem o motivo, mas sabia que eu tinha culpa. Passados alguns minutos, eu sentei na calçada e percebi meu equívoco. Tinha tocado a campainha do prédio errado. O prédio certo era o da frente, do outro lado da rua.

Finalmente tocando no apartamento certo, uma voz doce me atendeu, "Alô?", disse sonolenta. Fiquei em silêncio, com medo de estar atrapalhando muito. "Alex, é você?", perguntou com voz mais severa. Tentei pensar em uma resposta, porém apenas grunhidos saíram de minha boca.

"Alex, amanhã eu falo com você, mas por favor, me deixa dormir. Amanhã eu tenho que levantar cedo, como uma pessoa normal", e desligou o interfone.

Lágrimas se formaram em meus olhos. Tentei contê-las por uma lembrança do que dizia Robert Smith, "Boys don't cry". Porém meu esforço foi em vão. Desatei a chorar, sentando na calçada mesmo. Apoiei minha cabeça numa coluna na entrada do prédio e meu último pensamento antes de dormir foi uma esperança de acordar e vê-la mais uma vez quando ela saísse de casa para trabalhar, sob a luz do sol nascente, que formaria pequenos feixes de varias cores e me faria enxergar os cabelos dela, caindo graciosamente sobre seus ombros.

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