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aqui dentro chove. pelas janelas entra a água, no teto há goteira. e eu continuo dançando. dois passos para lá e a porta está fechada. mas não há porta. dois passos para cá e as cortinas voam em minha direção por conta do forte vento.
mas ana, onde estou que não enxergo o céu?
é como estar com os pés no macio da nuvem.
como o canto dos pássaros.
como a liberdade da alma.
mas ana, estou preso.
faço meu passo favorito daquela valsa que apenas eu sei dançar. posso rodopiar lentamente conforme o som da música, quase sem tirar os pés do chão.
mas ana, a música só toca no meu peito.

ana, ele aperta. se expande. bombeia. tum-tum toda hora. existem horas que ele dói. como se controlasse o resto de mim, arranca-me o fôlego.

de olhos fechados, ainda estou com os pés nas nuvens, e juro estar flutuando. ainda sinto o gosto amargo daquelas palavras. mas eu não me lembro quais são. eu não sei nada. não sinto nada.

mas ana, o nada ocupa. ele dói.

sou banhado por algo que não enxergo, sou coberto por algo que quase me impede de dançar, mas jamais deixo de me movimentar conforme o som da minha mente. tum-tum e mais alguns passos.

ana, é um lugar gigante. não vejo fim. mas ainda está apertado.

você não entenderia. não tem som. a chuva ainda caí, e ouço o vento sempre vindo lá de cima. eu não preciso de outro corpo para a valsa perfeita. eternamente ouvindo o nada. um para trás e outro para frente. sinto meu corpo, mas nunca pesado. talvez os ombros.

mas ana, como pode?

ainda chovendo, é manhã. mas eu não vejo a claridade. mesmo de olhos fechados, deveria sentí-la. tum-tum e mais um suspiro.

seu zé senta no tronco de árvore que existe na calçada de sua casa. ascende seu cigarro barato e traga lentamente. ainda chove, mas quem liga?

a vida continua indo, não são nem seis horas da matina e não ouço o som dos veículos passando na minha frente. e mesmo de olhos fechados, ainda sei.

só que... ana, aqui não tem teto. como há goteiras? por que não chove diretamente em mim?

sem perceber, anoiteceu. ainda chove. mas não tem janelas. não existe cortinas e nem goteiras. tum-tum e a valsa finalmente é encerrada.

mas ana, tem palavras. tem sons silenciosos. gritos.

ana, é meu coração.

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⏰ Última atualização: Mar 08, 2020 ⏰

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