Estado de superposição
Nunca estou, aonde tenho que estar.
Despersonalização, é um distúrbio em que perdemos o senso da realidade. Isso soa um pouco insano, mas porque de fato é. Não sinto nada, é como se eu estivesse sóbria de qualquer sentimento, ou emoção.
Fazia então mais de duas semanas, que eu não sentia nada, havia eu me esquecido até das pessoas que eu convivia habitualmente, digo de como eu amava. Eu sabia que os amava, mas não sentia. Sendo como era, uma garota introvertida, que sentia quase tudo que podia sentir, e até o que não suportava, eu estava morta por dentro. Uma incógnita terrível, um ser preso por correntes e arrastados para fora do meu corpo.
Passei quase 72 horas, tentando achar uma forma de amenizar esse distúrbio, algo que não fosse antidepressivo.
Descobri a justo um mês que tenho a despersonalização. Eu não sei explicar ao certo. Mas, imagine que você está sentado em uma poltrona no cinema, assistindo um filme 3D. Eu sou o telespectador assistindo através dos meus olhos que são os televisores, e vocês passando em minha linha de visão são os atores.
Ninguém sabia que eu provia essa doença. Desde muito pequena, habitava em mim um senso ridículo de irrealidade. Aos meus nove anos, eu achava que vivia em um daqueles globos de neve, e alguém muito grande observava todos nós através do vidro do globo.
Comum. É essa palavra que designaram para a despersonalização. Não sei ao exato quando comecei a portar essa sensação de não me pertencer, e nem sei quando perdi o controle e ficou tão frequente. Dizem que são ligados aos traumas psicológicos, então eu fiz o meu próprio diagnóstico. Eu tinha traumas. Obrigada, Google!
Talvez, fosse pela minha mãe ter me largado com meu pai quando eu fizera oito anos, e depois disso ter cometido um suicídio. Ou, por eu ter ficado metade da minha vida trancada em meu quarto. Gostava disso, eu me sentia bem.
Introvertida.
Eu não aceitava. Eu precisava sentir alguma coisa, eu não podia está deprimida. Não iria corta meus pulsos. Ou, tampouco me jogar de uma varanda, autodestruição não é que preciso. Isso seria algo físico, ligado ao externo.
Eu não sou formada em Netflix, mas assisti pelo menos uns vinte e três filmes essa semana. Doze deles foram romances. Não havia costume em assistir, mas nessa semana as coisas estavam meio estranhas. Depois de analisar com muita atenção cada uma das ficções representadas nos filmes, eu pensei em duas coisas obvias.
A paixão é uma droga! Sim, uma droga inconsciente e devastadora. Dizem que a paixão é destrutiva. O lado científico afirma que suas substâncias liberadas no cérebro são extremamente letais, ao bom desenvolvimento moral. Podem provocar sentimentos e sensações tão intensas, e profundas. É disso que Saphira Wolfie, precisa. Sensações intensas, e profundas.
Analise dois; os filmes românticos são padrões incansáveis, e viciantes.
Nossa mente, ela trabalha em conjunto com nosso corpo, isso é mais que verídico. Eu precisava daquilo, um pouco de emoção chacoalhando minha mente, sentimento devastador e uma dose de realidade me aquecendo. Depois disso, talvez um pé na bunda, e 500 dias de coração partido, certo Tom Hansen?
Talvez não seja tão necessário ser um romance, um dois beijos e duas semanas de Relacionamento sério em alguma rede social, bastava. Só precisava sentir uma dose, seria suficiente.
Creio que tenha intoxicado a minha sobriedade ao realizar uma maratona até a madrugada do fim de semana. Deveria dormir, a exaustão não me permitia raciocinar corretamente. Desliguei o computador, e aconcheguei nas cobertas.
Saphira Wolfie. Sussurrei a mim mesma ao fechar os olhos, fiz isso todos os dias anteriores, logo ao descobrir que possuía desrealização. Não confunda, eu sei quem é Saphira, sei do ela gosta. Em parte, eu sou ela, mas uma outra parte sente não ser.
Não é como uma Amnesia, mas a minha mente me tranca em uma caixa de vidro, às vezes.
Dezesseis segundos é o tempo que tenho para pegar o meu café da manhã, e correr para o carro do meu pai todas as manhãs.
Comia um pedaço de sanduiche, correndo para pegar o assento do lado da janela. Eu adorava a janela, é o lugar onde posso sentir a brisa me tocar com agressividade, gosto disso. Para minha angustia, Grace e Wes também disputava por esse lugar comigo, meus irmãos de oito anos. Gêmeos, eles dois são gêmeos. Lá naquele banco é o melhor lugar da conexão internet, não sabíamos porque, é um dos mistérios do Universo. E para mim um dos melhores lugar para me concentrar.
Antes deles aparecerem na porta da nossa casa, eu já estava no meu assento no carro. Deu para sentir a decepção deles pela expressão derrotada ao me ver. Então, um olhou para o outro e disparou para dentro da mini van. Wes insistiu para Grace ser primeira a sentar, e ela fez o mesmo.
Pude ouvir meu pai contar 1, e depois 2, o que sugeria que quando chegasse no 3 eles já deviam ter estabelecido. Ele nunca chega no três. Meus irmãos entram de uma forma desorganizada, e a mão de Wes trombou no meu sanduiche, ele caiu no meu vestido florido.
— Wes, olha o que você fez! — disse brava, retirando todo o conteúdo que estava em minha roupa. Eu iria ficar com aquele cheiro forte de atum por todo o período escolar. Ele aperta os olhos como se aguardasse as reclamações do nosso pai, Wes recua no seu assento.
Wesley Wofie é uma das poucas razões para que eu acredite na lei de Murphy.
Norah minha madrasta — que por incrível que pareça não é uma bruxa má — censurou Wes com os olhos. Eu não tinha tempo para subir e me trocar, nos atrasaríamos, então seguimos nosso percurso habitual.
Meus irmãos são os primeiros a deixar o veículo ao chegar em seus destinos. Era dia de reunião, Norah desceu da mini van rompendo junto com os filhos pelos gramados da escola.
Eles eram tão parecidos com papai, os cabelos negros, a pele parda, os olhos castanho escuros, o jeito de sorrir e caminhar. Copias perfeitas de Joseph Wolfie.
Saphira Wolfie não tem nada além da cor parda de seu pai, sim, eu só tenho a cor morena do meu pai. Meus olhos são como os da minha mãe, tudo em mim, cada detalhe é dela. Iris verdes com uma mancha enorme amarelada, a minha vó materna dizia que o sol queria fazer morada em minha orbita. Eu odiava ser parecida com minha mãe, porque eu sei que todas as vezes que meu pai olhava pra mim, ele via ela.
— Até mais tarde, querida. — Ele sorrir, e acena para mim com gentileza, assim que chegamos no meu destino. Meu pai é uma das pessoas mais adoráveis que conheço, sou grata por ele. Eu retribuo com um gesto semelhante, e o vejo partir com a mini van cinza.
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Eu não sou Saphira Wolfie
Ficção AdolescenteSaphira Wolfie é a excêntrica garota conceitual, cheias de aspirações e planos para o futuro. Em suas lutas diárias escolares, buscando pela sua tão sonhada faculdade. Saphira se depara com o diagnóstico de despersonalização, um distúrbio atribuindo...