Grito Silencioso

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O teto e as paredes brancas do sala onde se encontrava deixava tudo mais cansativo. Por mais que tentasse, não conseguia distrair seus pensamentos para longe dos bipes ritmados das máquinas que monitorava seus sinais vitais. Cada dia mais distante, cada dia mais do mesmo. Ele realmente já tinha previsto que as visitas fossem se reduzindo a cada dia, mas não achava que seria tão rápido.

Seu olhar logo recai sobre a cadeira vazia que havia ao lado da sua cama. Ele não via a pessoa que se sentaria ali logo logo, mas tinha certeza de que ela estava ali em algum lugar. A voz calma e até um pouco dura daquele que foi capaz de dobrar seu coração e mentes distorcidos em meros olhares.

Não há muito tempo haviam assistido o que se passou no programa de restauração da esperança. Realmente deveria admitir que era um grande idiota. Era não, é. E talvez devesse parar de agir como tal, mesmo que não tivesse consciência do que fazia no momento em que realizava a ação.

Um silêncio profundo envolvia a sua mente, afundando-o cada vez na cor cegante que parecia vibrar agora. Quando sentia que estava para quebrar diante do enorme peso da pressão da imensidão finita e infinita do quarto, um som o chama de volta a realidade. O barulho das dobradiças da porta parecia incomumente, e perturbadoramente alto. O garoto de cabelos castanhos entra pela porta e fica o observando por um tempo antes de checar cada um dos aparelhos conectados ao jovem de cabelos esbranquiçados.

Abre a boca para fazer a usual saudação, porém nenhum som sai de sua garganta. Alguns segundos se passam antes de decidir culpar a sensação incômoda de sua garganta ressecada. Observou por mais alguns momentos o seu salvador. Depois de todas as ocorrências, Hinata havia mudado um pouco o seu gosto por roupas e pela sua própria aparência. Havia começado a deixar seu cabelo crescer além do usual formato de mamona, até a altura dos ombros, além de ter trocado as usuais roupas claras e leves, um tanto comuns, para algumas mais escuras, remetendo ao seu visual na época em que era Kamakura Izuru.

Diante da imagem do moreno concentrado e os olhos heterocromáticos correndo pela tela furiosamente, não pode evitar liberar um sorriso breve. Hajime havia mudado tanto desde a época em que estudavam na Kibougamine que chegava a ser quase assustador. Por mais que o outro insistisse em dizer que era Hajime Hinata e não mais Izuru Kamakura, era muito palpável a diferença nas personalidades. Se fosse para terem se aproximado tanto assim antes, muito provável que o albino houvesse ajudado e compreendido melhor que ninguém os sonhos e desejos do menor, evitando até sua transformação, ou talvez não, considerando a sua natureza ainda mais hipócrita na época.

Quando foi trazido novamente para a realidade foi em resposta aos chamados do antigo Super Colegial Esperança. Mesmo que o tom preocupado na voz do amigo fosse algo que podia ser inteiramente da sua cabeça, mesmo que pudesse ser a mesma situação de uma troca de olhares com uma fera, onde tudo o que se vê são as suas emoções refletidas, ainda gostava de se iludir quanto ao que o outro podia sentir em relação a si.

Passaram aquele dia tendo conversas rápidas, uma hora ou outra com o maior interrompendo o o que dizia para perguntar coisas como palavras com determinados significados. Como possuidor de todos os talentos possíveis, o mais baixo respondia rapidamente com listas de sugestões, até ter ficado levemente curioso quanto ao porquê de tantas palavras e significados. Quando perguntava para que serviriam as respostas, apenas recebia uma resposta simples de que era segredo ou apenas era desconversado, mesmo que tivesse certeza de que o outro sabia que o via anotando cuidadosamente cada palavra em uma folha ou um caderninho que nem ele sabia de onde tinha tirado.

Essa foi uma rotina que perdurou por vários meses até um dia onde algo chamou a atenção do moreno em alguns dos exames que havia realizado recentemente com o amigo, se é que podia chama-lo assim. Uma progressão grave da demência frontotemporal, que por mais estranho ou incomum, foi basicamente assintomática. Não estava surpreso, foi tudo como o esperado, mas ainda assim, um sentimento incômodo se apoderava de seu coração.

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