A Revelação

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    Meus olhos estão entreabertos, mas não vejo nada. Minha boca treme e posso sentir o gosto do sangue, a dor de várias pancadas. Estou no que parece um carro, sei disso pois sinto a vibração do motor. Acredito que estou na mala do veículo, pois sinto a limitação do espaço e o quanto o ar de onde estou é abafado. Minhas mãos estão amarradas atrás das costas, meus pés estão livres mas não há como fugir no momento.
    As vezes, eu imaginava como seria a morte, como ela chegaria para mim, como ela se mostraria. Nunca imaginei que estaria indo ao encontro dela, numa mala de um carro qualquer. Minha mãe sempre me disse para não entrar em carros de estranhos, nem para aceitar nada de quem não conheço. Acredito que "não vá para a escola durante um ataque" era a próxima dica dela, mas realmente achei que não fosse necessário. Meus pensamentos me sufocam e minha respiração ofegante, faz com que o lugar pareça cada vez menor. Minha boca não está amordaçada, mas minha voz não sai de qualquer forma e mesmo se saísse, não haveria ninguém para ouvir e mesmo se houvesse, não mudaria muito. Cansei de gritar em silêncio, sem nunca ter alguém que ouça minhas dores. Algumas pessoas acham a morte, um evento que determina o fim da vida, mas eu sinto que já estou morta a muito tempo.
    Eu sinto quando o carro para e percebo o quanto o cheiro é familiar, que o aroma de terra molhada e de shampoo de gato logo rompe a porta e chega ao meu olfato. Estou em casa.
    Eles abrem o porta malas e me puxam para fora, sem cerimônia alguma eu sou jogada ao chão frio que logo esquenta com minha bochecha. Ele puxa o meu cabelo e me senta na na cadeira, a cadeira na qual eu fazia minhas refeições, agora é a qual vai me saciar pela última vez. Ele tira minha venda e me deixa ver sua máscara.

  -Beba, um pouco de água será a última vez que sua boca irá sentir algo que não vai ser seu sangue podre, amaldiçoado e sujo pela luxúria do seu avô. Preparada para o grande dia, Jenna? O dia da sua morte? - mais uma vez, é a voz da pessoa que me sequestrou. Eu não teria percebido antes, mas a frase que sinto já ter ouvido, me intriga e a entrega enquanto me dá um copo d'agua.
    -He-hellen? Mas que droga, é você não é? - eu não consigo nem mexer minha boca direito para falar, mas tudo simplesmente escorre dos meus lábios, como o mais puro veneno da mais poderosa cobra.
    -Parece que a cega não é tão burra quanto eu imaginei. - ela tira a máscara e eu me sinto muito burra por não ter percebido antes que a zeladora da minha escola, era a responsável pela morte dos meus amigos.
    -Mas que droga, por que fez isso? O que eu te fiz? Por que tanto ódio?
    -Você não sabe a merda que a sua família fez, sua família destruiu a minha e acabou com o casamento e a vida dos meus pais. Durante anos vivi na merda, esquecido no lixo. Apenas encontrei nele uma forma de vingança, você acha que foi fácil ter sobrevivido todos esses anos com a droga de um salário lixo de um emprego tercerizado pelo governo, onde há meses não recebo um centavo? Acha que eu simplesmente entrei lá e matei cada um dos seus amigos? Aliás, cada um não. Tem uma que é mais minha amiga que sua. Letícia?
    -O que? Como? Isso não pode ser possível. - Letícia entra na sala, eu posso ver seu rosto, seus olhos. Tudo nela me dá... Tristeza. Não importa o que eu faça, não consigo odiar ela e mesmo que ela tenha feito tudo isso, eu não posso acreditar no quanto eu fui burra por confiar e amar tanto, alguém que seria capaz de me matar pelas costas.
    -Letícia também foi bastante útil para que meu plano fosse perfeito. Uma pessoa boa com internet e computadores, é bastante útil para planejar cada assassinato. Apagar arquivos, deixá-los sem provas.
    -Você ainda não disse o porquê de tudo o que você fez. - disse baixo em lágrimas após descobrir a traição.
    -Seus avós, a culpa foi toda deles. Seu avô tinha um caso com a minha mãe, ela era extremamente apaixonada por aquele verme asqueroso capaz de tudo para ter alguém disposto a sucumbir a luxúria dele. Eles estavam prontos para fugir, quando eu era apenas um bebê dentro da barriga da minha mãe. Ao marcarem, ele não apareceu mas meu pai sim. Meu pai espancou a mulher, fez um parto forçado pois adivinhem, a vadia resolveu parir o porco no meio da surra e assim, nas lamas do sangue da prostituta que eu chamo de mãe, saí. Meu pai matou a cadela a socos, até não aguentar mais. Tocou fogo no corpo e enterrou os ossos no quintal, mas a vingança não estaria finalizada sem o grand finale. Como bom motorista de ônibus, ele sabia e conhecia qualquer rota. Ao saber que a sua família viajaria, ele foi atrás com o ônibus, seu ódio era tanto que bateu no carro e imagino o quão orquestral foi a morte de cada um deles. Meu pai fugiu para a floresta perto do acidente, onde se matou.
    -Isso não é possível, a família do motorista que matou meus avós tinha um filho, não uma filha.
    -Fiz questão que o crime fosse perfeito, então fiz tratamento hormonal. Você nunca percebeu, pois estava ocupada demais fingindo pros seus amigos ricos que tinha uma vida digna. Nunca sequer olhou para a zeladora atenciosa, que só queria saber como você estava para tornar mais fácil o trabalho de matar cada um. Seus amigos, estão todos mortos, seus pais e irmão também. Você agora é como eu, querida. Uma órfã jogada no meio do lixo, mas a diferença é que eu continuarei viva e você não vai ter a mesma sorte. Quando Letícia tinha 5 anos, você tinha 4. Eu te observava desde a infância e decidi que seria a escolhida para pagar por toda miséria que sua família trouxe a minha, pois era o filho mais novo da filha mais nova. Adotei Letícia como minha filha, ela era como eu. Abandonados as margens de um sistema fodido, a mercê da nossa própria ignorancia. Enquanto você sempre teve tudo, nós não tivemos nada! Você acha que é melhor que nós? Pois não é. - quando ele fala isso, vejo Janay aparecer de fininho na janela. Ela faz sinal de "shh" pra mim, então logo desvio o olhar. Meu óculos ainda está um pouco embaçado por causa da venda, mas consigo vê-la.
    -Acaba logo com isso, pai. Essa vaca merece sangrar. - diz Letícia
    -Paciencia, querida. Um grande final não pode ser apressado. - retruca Hellen

     Todos ouvimos um vidro quebrando, o que parece ter sido pisado. Janay, Minha mente alerta. Rapidamente, Hellen me amordaça novamente. Tento gritar mas não sai nada da minha boca direito, então Janay entra e logo é surpreendida por um soco, onde é lançada na parede e onde fica em pé parada, pois prontamente há uma arma sendo apontada para ela nas mãos da zeladora assassina.

    -Achei que tivesse terminado o serviço, Letícia.
    -Espera, não pode matar Janay. Por favor, não a mate. Ela não fez nada de errado, ela é uma boa pessoa. - é quando começa a fazer sentido as vezes que Janay e Letícia sumiam juntas nas festas. Elas se gostavam.
    -Nunca faça um serviço pela metade, darling. - um disparo é feito em direção a Janay, mas Letícia entra na frente. -Mas que droga, não! Por Deus, não! Por que fez isso? - grita Hellen se abaixando para segurar a cabeça de Letícia que está com os olhos quase fechando, pois seu coração foi atingido.

    Janay rapidamente sem nem pensar muito, me desamarra mas é surpreendida por Hellen a puxando pelos cabelos enquanto ambas gritam, mas uma por terror e outra por ódio crescente. Hellen levanta Janay no ar contra a parede, ela tenta se soltar mas cada esforço é em vão. Janay está rapidamente perdendo o ar e sua visão está turva. Levanto a cadeira na qual estava amarrada e a quebro nas costas de Hellen, usando o restante de força que eu tinha deixando cair a perna da cadeira de madeira que acabou ficando afiada, após ao quebrar, ter feito um estrago na diagonal. Hellen vira-se para mim derrubando Janay e dispara um tiro contra meu abdômen, ela se abaixa para se vangloriar sobre mim.

    -Você achou que me deteria? Como de sente sabendo que seus esforços não valeram de nada? Hein? Me responda, sua cachorra. - vocifera Hellen
    -Não valeram de nada? - tenho uma leve tosse de sangue - Not today, satan. - falo e cuspo no rosto dela.

    Janay levanta o punho com a madeira lascada na mão, então finalmente cravando a madeira na nuca (cervical) de Hellen transpassando seu pescoço e fazendo todo o sangue dela espirrar no meu rosto já quase sem vida.

    -Por favor, resista Jenna. Não me deixe sozinha. Eu não quero te perder, por favor. Jenna, eu te amo.

     Janay beija minha testa enquanto desfaleço em seus braços e a sirene da polícia invade minha casa. Parece que por um momento, consigo ouvir "Set fire to the rain" da Adele tocar.

Olhos FechadosOnde histórias criam vida. Descubra agora