O Humano Perdido

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Humanos. Sem dúvidas, uma das raças mais complexas de todas as galáxias e universos. Cada dia de vida é como uma batalha, onde perder nunca é uma opção. A variedade de sentimentos, mesclada com um forte desejo de se impor como ser vivo e, o mais alarmante, a lei do mais forte. Não é possível que linhagens evoluam sem que haja uma cadeia que impeça o desenvolvimento de um para o bem de outro.
Por bem ou por mal, os humanos não são assim por quererem. Tudo é por conta do processo evolutivo que os persegue desde o início, esquecido através dos milênios. Não há nada que garanta, entretanto, que se pudessem escolher entre paz e superioridade, escolheriam paz com certeza. Independentemente disso, não se pode generalizar todos. As exceções, mesmo que poucas, devem ser apreciadas. Aqueles que, apesar dessa briga evolutiva histórica, buscam apenas a harmonia em um mundo caótico. E a raça humana não é a única a possuir a capacidade de amar e também de não saber utilizá-la. Nunca foi, em um mundo tão infinito.
Em um planeta onde o amor e o ódio coexistem, boas pessoas existem. É o caso de Bailey, um humano bondoso, apesar de tudo. Durante os 14 anos de sua vida, sempre fora um garoto dedicado, honesto e humilde. Sua casa ficava na beira de Gracetown, uma cidade pequena no continente da Oceania, rodeada por praias rochosas banhadas pelo oceano e conhecida por alojar, afastada dos prédios e casas, uma floresta fechada. Seus dias se resumiam em ir para o colégio de Ensino Fundamental e aproveitar o resto do dia com sua mãe.
Sem dúvidas, ele amava sua mãe. Alguns meses depois do nascimento de Bailey, ela queria levá-lo para Gracetown e criá-lo longe do caos que existiam na cidade grande. O pai dele discordou da ideia, pois achava que o garoto deveria crescer e aprender com os problemas que poderiam ser proporcionados a ele. No fim, a mulher deixou o marido e levou a criança consigo. Mudou-se e, com o dinheiro que a família e o ex-marido enviavam, conseguiu criar o filho.
Apesar da vida tranquila e pacífica, muitas vezes ele se sentia entediado. As ondas do oceano que se chocavam violentamente contra as pedras do litoral da cidade, juntamente com o céu estrelado livre de fumaças, formavam uma grandiosa paisagem que cercava a cidade. Apesar de todo seu esplendor, com o passar dos anos Bailey foi se acostumando a tudo aquilo, além de começar a sentir um desconforto por ser uma cidade tão pequena.
- Te vejo amanhã, Bailey! – Um colega que estava junto dele na hora da saída se despediu e seguiu seu próprio caminho para casa.
- Tchau! Não esqueça de fazer sua parte do trabalho de geografia! – Bailey respondeu.
- Claro, claro.
- Estou falando sério, cara. - Ele gritou, mas o colega não o escutou. - Da última vez que fizemos um trabalho juntos, você deixou tudo para cima de mim... E ainda reclamou de que eu estava querendo pegar todos os pontos pra mim, por recusar colocar o seu nome. - Ele percebeu que não fazia diferença continuar gritando.
Ele estava voltando da escola, como sua rotina. O pôr do sol estava nítido no céu. Os cabelos castanhos escuros e lisos dele estavam balançando com as brisas marítimas. Por um momento, ele sentiu-se sortudo por Gracetown não ser uma cidade quente. O caminho para sua casa consistia em andar três longas quadras.
Enquanto andava por uma rua pouco movimentada, ele escutou um barulho de passos pesados. Quase que imediatamente, ele virou sua cabeça para o lado direito. Seus olhos cinzentos arregalaram quando ele viu uma pessoa com um longo capuz azul escuro que cobria da cabeça aos pés atravessando um beco e pulando uma cerca que separava a cidade da floresta. Claro, ele estava desconfiado e assustado. Mas aquela figura prendeu completamente sua atenção, quem quer que fosse, ele precisava descobrir o que estava fazendo. Afinal, não era comum que um cidadão andasse por aí com um longo capuz em um dia sem chuva.
Ainda que pensasse para si mesmo "Isso não é uma boa ideia", ele seguiu a figura. Atravessou o beco entre os dois apartamentos, dando passos lentos e silenciosos até chegar a cerca de ferro. Tentou olhar pelas grades da cerca, procurando sinal da figura, mas foi em vão. Então, Bailey ajeitou sua camisa branca com mangas vermelhas e escalou a cerca, que tinha metade dos 1,60 metros do garoto. Silenciosamente, ele foi desaparecendo entre as árvores e, algum tempo depois, já tinha adentrado na floresta. Ele olhava para todos os lados, na esperança de encontrar algo suspeito, mas foi em vão. Já estava ficando desesperançoso, então pensou em voltar para casa e não se meter em encrencas.
- .... Bem que poderíamos simplesmente destruir tudo.
Uma voz masculina foi ouvida um pouco mais a frente. A curiosidade de Bailey foi instantaneamente ativada de novo. Ele seguiu a direção de onde a voz veio e, depois de mais alguns passos, encontrou uma parte aberta da floresta, ainda escondido entre as folhas das árvores. Bem no meio, havia um pequeno montinho de folhas marrons e diversas borboletas voando sobre ele. Ora, não era outono, então por que aquelas folhas estavam ali?
Então Bailey avistou novamente o homem encapuzado. Cantarolando uma música em um tom baixo, ele se aproximou do monte de folhas. Bailey queria ter uma vista melhor do que o homem de costas estava fazendo. Por isso, contornou o local, mas pisou em um graveto frágil que ao se quebrar soou um barulho fino e alto. O homem escutou e virou a cabeça tão rapidamente que o capuz que cobria sua cabeça caiu. Por sorte, o garoto se abaixou rapidamente e disfarçou sua presença atrás de uma moita, por onde ainda conseguia observá-lo.
Bailey sentiu os pelos de seus braços vibrarem. Aquilo não era um homem humano. Tinha pele cinza clara e olhos amarelos com pupilas vermelhas, ao invés de brancos. No topo de sua cabeça tinham pequenos chifres amarelos. Seu rosto tinha uma expressão assustadora, com seus olhos semiabertos e um pequeno sorriso, como se a qualquer instante ele fosse cometer um crime do qual não se arrependeria.
Aquele homem, ou melhor, aquele ser perdeu o interesse no barulho e se virou novamente para as folhas. Ele pisou em cima delas e desapareceu, como mágica.
- O quê.... Como? - Bailey pensou para si mesmo, abismado.
Ele deixou de se esconder e foi analisar as folhas. Abaixou-se e tocou nelas, para garantir que não formavam um fundo falso e o encapuzado tivesse caído em um buraco ou esconderijo secreto. Mas elas eram reais.
- E se eu pisasse também? Talvez ele seja um mágico testando seus truques. Um mágico com uma fantasia estranha. - Ele sabia, no fundo, que poderia ser uma má ideia. Mas já havia seguido o homem até aqui e não conseguiria dormir de noite sem saber o que ele estava fazendo.
Respirou fundo, e colocou um pé de cada vez em cima das folhas.
- Isso é séri- Não conseguiu terminar a frase, quando sentiu todo o seu corpo perder a forma física e as cores de sua visão se mesclar.
Ele havia entrado em um portal. Todas as borboletas começaram a rodeá-lo cada vez mais rapidamente. Tudo estava girando e ele flutuando, em sua visão. Depois de alguns segundos, ele sentiu seus pés tocarem no chão de novo. Apesar disso, ele estava tão desnorteado que caiu para trás de olhos fechados. Bailey se esforçava para entender o que tinha acontecido. Seguiu um estranho com uma fantasia - que, sendo sincero com ele mesmo, não era uma fantasia e sim uma aparência real - e entrou em um portal. Apesar do coração estar a mil, ele abriu os olhos e se levantou.
Ele não estava no lugar de antes. No lugar do céu alaranjado devido ao pôr do sol, estava um céu preto, repleto de estrelas de variados tamanhos. Não só as árvores, como toda a floresta verde haviam sumido. Grandes montanhas azul-escuro com suas pontas pretas ocupavam o horizonte. A grama também era azul escuro. Perto dali, havia um pequeno lago com águas azul claro. O coração de Bailey estava a mil.
- Isso é um sonho, não é? Devo ter caído e dormido em algum lugar.... Como tudo isso estaria dentro da floresta? Não é possível. - Ele tentava convencer a si mesmo de que tudo não passava de um sonho, mas não conseguia. Uma brisa gelada que batia em seu rosto quebrava seu convencimento.
Assustado, ele procurou o celular em sua bolsa marrom. Quando achou, tentou ligar para sua mãe. Estava sem sinal. Nem o GPS estava pegando.
De repente, ele avistou o que poderia ser um coelho comum, se não fosse azul. Ele encarava o garoto com seus grandes olhos azuis.
- Oi, amiguinho. Está perdido também? - Bailey se aproximou lentamente dele.
O coelho deixou que Bailey se aproximasse, mas quando ele foi acariciá-lo, o coelho abocanhou o celular que estava na outra mão do rapaz e saiu correndo.
- Ei! Me dá isso, é meu! - Ele começou a correr atrás do coelho.
Os dois permaneceram naquela perseguição até que o coelho se viu encurralado por um lago com uma grande cachoeira.
- Agora você vai ter que me devolver! - Ele pegou o celular de volta, em um único movimento rápido. O coelho logo fugiu.
Bailey suspirou e guardou o celular na bolsa. Então, abaixou-se para tocar na água daquele lago. Ele agora tinha certeza: Tudo aquilo era real. Não era um sonho. Sua maior preocupação agora era saber onde estava e como voltar para casa.
- Será que existem outras pessoas aqui? - Ele disse, enquanto observava as águas da cachoeira batendo agressivamente contras as rochas. Não podia negar que, mesmo não sabendo que lugar era aquele, toda aquela paisagem era muito bonita.
- Você está perdido, garoto? - Uma voz feminina ecoou atrás dele. - Ninguém vem pra cá e você sabe o porquê. Se quiser, eu te levo para sua... - Bailey se virou para ela, que imediatamente parou de falar. - Um humano...
Os dois se olharam em choque. A dona da voz era uma garota de armadura cinza, pele lilás e cabelos azuis neon até o ombro. Ela tinha a mesma altura que Bailey e seus olhos pretos causavam arrepios nele. Ele tinha mais um motivo para se arrepiar: Ela estava segurando uma lança na mão direita, enquanto a outra segurava seu capacete.
Enquanto o silêncio ocupava o local, uma guerra de olhares havia se estabelecido. A expressão de assustada da garota foi escondida quando ela colocou o capacete e ficou em posição de ataque.
- Sem dúvidas, você é um humano. Depois de tantos séculos, vocês ainda querem nos destruir, não é?
- Moça, isso é tudo um engano, eu não-
- SILÊNCIO! - Ela gritou, interrompendo-o. - Você e sua espécie problemática...  Queriam tanto um mundo para vocês. Porque sentiam inveja dos nossos merecidos poderes. Porque não eram civilizados o suficiente para viver em sociedade! Mas, sabe de uma coisa? Metamorfos e arcaicos não precisam dos humanos. - Ela riu.
- Metamorfos? Arcaicos? - Apesar de estar com medo, Bailey não escondeu sua curiosidade. - O que são essas coisas?
- Coisas? - Ela se enfureceu. - Não somos coisas! Somos SERES! Cansei da sua ignorância. Não sei como veio parar aqui, mas você não irá atacar ninguém.
- Você vai me matar? - Bailey deu um passo para trás.
- Você deve estar zoando com minha cara, não é? Não faça uma pergunta tão idiota! - Ela correu na direção dele.
- Eu não tenho intenção de morrer hoje. – Bailey não sabia para onde estava indo, mas também não tinha intenções de deixar que a garota lilás tirasse sua vida tão injustamente.

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