O Príncipe Sem Povo

12 1 1
                                    

A perseguição continuava. Bailey estava ofegante em cada longo passo que dava para correr mais rápido. Mal conseguia respirar e, para piorar, estava correndo sem um rumo. No fundo, ele sabia que não tinha chances nenhuma de fugir de uma maníaca que  conhecia o local melhor que ele.
- Você precisa me escutar! Eu não quero te machucar!
- Mas eu quero te machucar, e eu irei! Por justiça!
- Você considera isso justiça? - Suas palavras eram pronunciadas com intervalos, pois ele estava cansado.
A garota de armadura cinzenta e cintilante estava tão determinada a perfurá-lo com sua lança que não respondeu sua pergunta. Os dois corações a mil. Bailey mal conseguia respirar e sabia que, uma hora ou outra, acabaria se encurralando, por não conhecer o ambiente. E isso o deixava nervoso.
Por sorte ou azar, ele conseguia avistar de longe os contornos de uma grande floresta azul. Talvez sua única opção fosse correr até ela e tentar despistá-la através das árvores, o que é irônico, pois antes ele estava seguindo o homem misterioso na floresta, e agora estava sendo seguido. A diferença agora é que uma vida está em risco. Quando aquela vegetação apareceu por completo em sua visão periférica, avistou várias rochas de tons roxos neon. Como ele estava chegando cada vez mais perto delas e não havia tempo para pensar em como contorná-las, decidiu que iria escalar uma delas. A princípio, isso parecia impossível, até que ele enxergou uma pedra em formato de prancha, de altura menor que as demais. Ali estava sua oportunidade de escapar.
Bailey estava correndo tão velozmente que ao pular pela pedra, seu corpo foi para frente mais rápido que o esperado, e ele acabou ralando o joelho e perdendo o controle da direção. A garota recuou na frente da pedra para recuperar o fôlego perdido e ir atrás dele. Enquanto isso, Bailey estava cambaleando pela grama. Passou por cima de vários galhos e pedras. Um graveto, de alguma forma, arranhou sua bochecha. As cambalhotas seguiram-se até que ele esbarrou com uma árvore alta e grossa. Aquela colisão gerou um barulho tão alto que os pássaros moradores dos galhos daquela árvore se assustaram e saíram voando, preenchendo o céu com um monte de cores.
Ele permaneceu caído por algum tempo. Suas forças tinham sido zeradas e todos os seus músculos estavam dormentes. Quando ele conseguiu abrir os olhos, viu uma estrada de pedras lisas. Elas pareciam levar para algum vilarejo. Ainda tinha a possibilidade de que as outras pessoas parecidas com aquela garota também quisessem a sua cabeça, mas ele criou pensamentos positivos de que alguém iria ajudá-lo. Isso foi o suficiente para aumentar as esperanças de Bailey e dar forças para ficar de pé.
Movido pela força de vontade, ele conseguiu erguer um pé e depois o outro, sendo capaz de dar alguns passos até a estrada.
- Seu cadarço está desamarrado. - De repente, a garota surgiu dentre as árvores.
- O quê? - Espantado, Bailey virou-se para trás e andou de costas. A sorte não estava ao seu lado, pois ele pisou no próprio cadarço e tropeçou para trás.
- Você nunca teve chances de fugir. Agora, é hora de você voltar para onde nunca deveria ter saído. - Ela ergueu a lança.
- Por que você tem tanto ódio por eu ser humano? - Ele gritou. - Eu já disse, não sei como vim parar aqui!
- Porque... - Ela fez um "tch" com a boca. - Você não merece saber! Eu te odeio!
- Você não pode me odiar, eu nem te conheço. Não é lógico.
- E quem se importa com isso? - O lilás de sua pele tinha atingido um tom mais escuro que o normal.
Bailey estava se encolhendo de medo. Sabia que, se tentasse correr pela estrada, muito provavelmente iria tropeçar devido ao cansaço - ou pelos cadarços que não teve tempo de amarrar - e a garota iria alcançá-lo. Ele estava perdendo a esperança. Fechou os olhos e aceitou o que fosse acontecer.
Uma melodia de flauta ecoou pelo ambiente. Bailey não pode deixar de notá-la. Mesmo que não fosse o momento ideal para apreciar, ele a achou singela e bem ensaiada. Lembranças de sua infância vieram a tona. Pelo menos não morreria triste.
- De onde vem esse barulho? Na verdade, não importa. DESSA VEZ, você não tem... - Com aquele silêncio inesperado, Bailey abriu os olhos para ver o que tinha acontecido. Ela não estava conseguindo manter os olhos abertos e seu corpo estava ficando cada vez mais pesado. - Como... Fugir.
Ela caiu no chão. Pela aparência, ela estava muito cansada.
- Você está... Bem? - Ele estava muito confuso. Aquilo não fazia sentido. Alguns segundos atrás ela estava acordada e com mais do que energia suficiente. Talvez tenha sido a melodia?
As perguntas em sua cabeça eram tantas que ele não deu atenção aos barulhos de passos que se suscediam na estrada. Na verdade, só prestou atenção neles quando eles estavam perto. Alguém usando botas estava correndo. Bailey ficou com medo de outro ser como aquele aparecer e atacar também. Ele estava completamente indefeso e em desvantagem.
O nervosismo aumentava em cada passo. Entretanto, toda aquela tensão que ele sentia pareceu desaparecer quando o barulho da corrida revelou um garoto cinza com chifres azuis. Bailey lembrou da figura de mais cedo, porém percebeu que ele era mais baixo, como um adolescente. Ele tinha um cabelo volumoso preto e usava óculos redondos. Estava vestindo uma camisa preta, com um manto azul escuro por cima e um cachecol roxo. Botas marrons estavam prendendo a calça cinza.
Bailey ignorou a aparência do garoto. Olhou para suas mão e sentiu-se aliviado, pois não havia qualquer instrumento que pudesse ser usado como uma arma mortal, apenas uma flauta prateada. O garoto misterioso freou, colocou as mãos nos joelhos para readquirir fôlego. Percebendo que ele estava se aproximando lentamente, Bailey rastejou para trás.
- Não! Espera... - Ele respirou fundo. - Não vou te machucar. - Ele sorriu.
Isso era tudo que Bailey queria escutar naquele momento. Apesar disso, haviam dois perigos em se sentir seguro com aquele sorriso gentil: Ou ele iria ser atacado pelas costas, ou arranjaria um amigo em meio do que estava acontecendo.
- Não se preocupe. - Ele se aproximou mais e ofereceu a mão para ele levantar. - Eu sou Kristen. E você?
- Bailey. - Ele aceitou a ajuda com um sorriso e levantou. - Obrigado por isso, mas... Por que não me atacou, que nem aquela garota fez?
- Eu não tenho motivo pra te atacar. Na verdade, eu deveria ter. Você sabe o porquê, não sabe?
- Para ser sincero, não faço a mínima idéia.
- O quê? Os humanos se esqueceram? - Kristen estava perplexo. Seus olhos vermelhos se arregalaram.
- Desculpa, era algo muito importante, pelo visto.
- Não, não, tá tudo bem. Não é culpa sua. - Ele deu um sorriso confortante. - Isso é culpa das gerações que vieram antes de você. Eu gostaria muito de te explicar melhor, mas acho que temos que tratar de outra coisa mais importante agora. - Ele olhou para a garota de armadura.
- Então... O que fazemos com ela?
- Acho que deveríamos levá-la ao meu castelo e deixá-la descansando. Ela deve estar cansada de te perseguir e por isso estava tão estressada.
- Eu tenho um monte de perguntas agora. Mas a mais alarmante é: Você tem um castelo?! - Ele estava espantado.
- Bom... Sim, mas não. É complicado. Teoricamente é meu, porque meu pai, o rei do Reino Arcaico me deixou tomar conta dele, já que ninguém o habita mais. Isso porque ele era do Reino Humano, antes de tudo aquilo que está escrito nos livros de história acontecer. - Ele olhou para Bailey, que tentava raciocinar tudo. - É muita coisa para assimilar em poucos detalhes. Acha que consegue carregá-la?
- Posso tentar. - Ele segurou o corpo da garota. A armadura a deixava pesada. - Eu aguento. - Ele colocou os braços embaixo dos seus joelhos e seu pescoço.
- Se estiver muito difícil, posso tentar carregar também. - Ele percebeu o esforço que Bailey fazia. - Mas eu não sou muito forte.
- Você consegue tocar alguma melodia que a faça flutuar?
- Haha. Ainda não aprendi levitação.
Bailey seguia Kristen pela estrada de pedras. Estava feliz por não estar em perigo - pelo menos até a garota acordar.
- Eu estou bem curioso, Kristen. Como você fez aquilo com a flauta?
- Ah, aquilo foi um feitiço que aprendi. Todo Arcaico possui um Elementar Vital dentro de si que permite a manipulação do mesmo. Ao total, são sete. Água, Terra, Água, Fogo, Luz, Trevas e Som.
- E o seu Elementar Vital é o Som, né?
- Correto! Já os Metamorfos são diferentes. Eles não tem Elementares Vitais, e sim o poder de manipular emoções. Exemplificando, eles podem criar ilusões de coisas que não são reais e modificar os sentimentos dos outros. Por mais que exista um ou outro que ache sua raça superior, precisamos concordar que as duas são igualmente poderosas. Força física é tão importante quanto a psicológica.
- Entendi. - Bailey conseguia ver a animação de Kristen em falar sobre tudo.
- Ah, chegamos! - Avisou Kristen.
O caminho levava até um reino não muito grande, com um castelo do tamanho de uma grande mansão, com cinco torres e um portão, além de um fosso. Haviam várias casas na frente do grande palácio. Os tijolos de todas as construções tinham tons escuros. Aquele local não dava sinal algum de vida, com exceção das plantas. Apesar disso, Bailey não deixou de notar que, para um reino abandonado por anos, como Kristen disse, ele estava bem conversado. Os dois começaram a conversar no caminho até o castelo.
- Kristen, quando você começou a cuidar desse reino? Ele está tão conservado e inteiro!
- Obrigado! Eu vim para cá ano passado e desde então estive me esforçando para deixar ele limpo. Você tinha que ver antes, existiam vinhas em todo lugar. - Ele riu. - Ainda está vazio, mas... Um dia, esse será o Reino da Amizade, onde todas as raças irão viver juntas em paz e harmonia.
- Esse nome... - Bailey não conseguiu conter a risada. - Desculpa, mas não acha que é um pouco óbvio demais?
- É, talvez seja mesmo, hehe. Tem outra sugestão?
- Que tal Reino da Trindade? Para as três raças.
- E se um dia surgir outra raça e nós fizermos amizade com ela? Eles podem se sentir excluídos.
- Reino Alpha.
- Não sei o porquê, mas esse nome me atrai muito. Vou aderir! Vai ser o reino mais caloroso de Astheria!
- Astheria... Esse é o nome do lugar onde estamos?
- Sim, seja bem-vindo! Você pode esquecer aquela recepção não muito agradável e fingir que esta é sua primeira... - Kristen tentou amenizar o clima com uma risada boba.
Passando pelo portão aberto, os dois se dirigiram até um elevador central. Kristen apertou alguns botões. Bailey ainda carregava a garota.
- Humanos têm elevadores? - Kristen perguntou inocentemente.
- Sim.
- Entendi. E veículos de transporte?
- Também. Carros, motos, ônibus, aviões, barcos, bicicletas, etc.
- Uau. Nossa tecnologia é muito parecida!
O elevador chegou até uma grande sala iluminada por cristais no teto. Haviam dois corredores que levavam a dois quartos. No meio da sala haviam dois sofás e uma mesa de centro. Colada em uma das quatro paredes escuras, havia uma lareira com o fogo aceso. Na outra, um fogão, uma geladeira e um armário, com um micro-ondas dentro. Em outra, uma mesa e quatro cadeiras brancas estavam bem preservadas, com um jarro de margaridas sobre a mesa. Na última parede, havia uma estante de livros.
Por mais que o castelo fosse grande, todas as coisas de Kristen, reunidas ali, lembravam um apartamento.
- Seu castelo é bem confortável, mas por que você não utiliza os outros quartos para cozinha, sala de estar, sabe. Achei que a realeza gostava disso.
- É... - Ele olhou para o chão, com uma expressão de envergonhado. - O castelo é muito grande e como eu sou o único morador... Eu tenho um pouco de medo. Por enquanto, tudo vai ficar aqui.
- Ah, certo. - Ele olhou para os corredores. - Aqueles são os quartos? Onde eu coloco ela?
- No quarto do corredor a esquerda. É o meu quarto, os outros ainda estão em reforma.
- Ok.
Bailey carregou a menina até o quarto. Só havia uma cama, um guarda-roupa e uma cadeira. Ele a deixou sobre a cama e sentiu-se aliviado, pois suas costas doíam muito. Ficou a encarando por alguns segundos. Não podia negar que ela era fofa, apesar de seu instinto assassino. Kristen entrou no quarto, com um pedaço de torta de morango, colocando-o em cima da cadeira.
- Caso ela esteja com fome quando acordar. - Ele sussurrou, saindo do quarto.
Bailey também saiu. Estava preocupado com o que aconteceria quando ela acordasse, mas sabia que, enquanto estivesse com Kristen, o perigo seria menor.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 17, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

AstheriaOnde histórias criam vida. Descubra agora