Um amor que nunca se cansa - Conto Extra - Rainha do ar e da escuridão

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Coração, você é grande o suficiente
Para um amor que nunca se esgota?
Oh, coração, você é grande o suficiente para o amor?
Já ouvi falar sobre espinhos e espigões.


Alfred Tennyson, "Marriage Morning"



– Em outra vida eu poderia ter sido um surfista – disse Jace. Ele estava deitado na areia aquecida pelo sol, ao lado de Alec. Ambos estavam com os braços cruzados atrás das cabeças para admirar melhor os fogos de Ragnor explodindo no céu. A maioria era em formato de símbolos de amor e casamento, mas alguns pareciam representações grosseiras que Jace torcia para que Max e Rafe não vissem. – Você teria passado o tempo todo pulando da prancha e socando tubarões – disse Alec. Seu novo anel brilhava ao luar. – Isso não é surfar de verdade.
Ele agora ostentava um ar de felicidade serena e paz. Jace não tinha como sentir inveja. Estava feliz por Alec, e também sabia de tudo que Alec vinha enfrentando. Nas três semanas desde o rompimento com a Clave e o exilio de Alicante, uma equipe de crise tinha sido formada em Nova York. O Santuário do Instituto – onde todos os membros do Submundo podiam entrar e sair em segurança – tinha se tornado o QG.
Jace e Clary dormiram um pouco no andar de cima e agora desciam para
encontrar Alec já trabalhando duro, cercado por outros membros do Conclave: Isabelle e Simon, Maryse e Kadir. Luke e Jocelyn às vezes apareciam, e
Bat, Maia e Lily estavam sempre por perto - assim como Magnus, quando
conseguia deixar as crianças com alguém.
Tinha muita coisa para ser feita. Um novo espaço precisava ser encontrado
para substituir o Salão do Conselho para reuniões. Também estava sendo feito um registro dos Caçadores de Sombras que optaram por ficar em Alicante e daqueles que agora formavam a Clave-Exilada. Muitos Institutos ficaram sem liderança, e novas eleições tinham que ser convocadas, inclusive uma para Inquisidor (embora Alec sentisse que Diego Rosales já fosse quase certo para o cargo). Simon ia ajudar Luke, Marisol e Beatriz a prepararem a nova Academia para os alunos. Basilias teria que ser reconstruído num novo local, mas como? Alicante sempre fora deles: um lugar secreto onde podiam planejar, construir e viver.
Caçadores de Sombras fora de Idris viviam em lugares abandonados ou esquecidos por mundanos. Não criavam salas de reuniões e hospitais próprios. Não erguiam pináculos, ou pelo menos não o faziam há gerações. Mas esta geração, suspeitava Jace, ia ser única sob muitos aspectos. – Você está dormindo? – Alec, apoiado num braço, olhou curioso para Jace.
Jace semicerrou os olhos para seu parabatai. As vezes era difícil se lembrar de que Alec era um adulto, ou que ele mesmo também era, aliás. Certamente Alec ainda era o menino que ele conhecera ao saltar do barco em Nova York. Alec com onze anos de idade, magrinho e nervoso, com cabelos escuros esvoaçantes. Jace queria protegê-lo e aprender com ele
ao mesmo tempo. De Isabelle ele gostou de cara, e mais tarde passara a amá-la. Com Alec foi
mais como uma chave se encaixando numa fechadura, um clique de reconhecimento. Algo que sussurrava eis alguém que você já conhece.
Jace nunca pensou muito em reencarnação, embora Jem falasse disso o tempo todo. Mas às vezes se perguntava se já conhecia Alec de outra vida.
– Não estou dormindo – respondeu. – Estou pensando.
– Ah – Alec falou. – Exige muito esforço, é?
– O casamento está te deixando irritante e metido – provocou Jace.
– Provavelmente respondeu Alec pacificamente, e se jogou novamente na areia. – Izzy e Simon noivos, eu e Magnus casados... quem poderia imaginar que você seria o último?
Jace fez uma careta, bem sutil. Seu pedido de casamento a Clary, que ela recusara, era um segredo que ele guardava. Não por ser humilhante ou doloroso. Mas porque Clary pareceu devastada ao recusar. Ela se ajoelhara, deitara a cabeça no colo dele e chorara enquanto ele passava as mãos pelo seus cabelos, em choque, sem saber o que tinha acontecido, o que ele tinha feito de errado.
Nada, alegara ela mil vezes. Ele não tinha feito nada de errado. O erro estava nela, em algo pelo qual ela nutria medo e pavor. Ela ficou jurando que o amava. Pediu tempo. Ele a amava demais para não lhe conceder esse tempo. E confiava demais
nela para não acreditar que ela só pediria uma coisa dessas se precisasse mesmo. Ele tentava não pensar no que significaria estar noivo, estar planejando um casamento como Simon e Izzy. Mas quando sentara com Alec ao lado do leito de Magnus, e vira Alec morrendo de medo de que Magnus fosse morrer sem entender o quanto era amado, sentiu o mesmo. Ele e Clary
tinham a ameaça da Clave. E se um dos dois tivesse morrido, e essa questão ficasse em aberto entre eles? E então Clary contara tudo a ele. Na barraca em Brocelind, segurando as
suas mãos, ela contara sobre seus sonhos, sobre a convicção de que ia morrer. Ela não queria deixá-lo viúvo. Ela também revelara ter percebido que suas visões eram de Thule, e pedira mil desculpas por tê-lo magoado. Ele respondera que apenas lamentava que ela tivesse carregado o fardo sozinha. E aí eles ofereceram conforto um ao outro.
E de manhã, quando se prepararam para a batalha, ele percebeu eles nunca chegaram a abordar o que fariam a seguir. Um pedido de casamento era permanente? Expirava após um tempo, como uma oferta de emprego? De uma coisa ele tinha certeza: ainda não estavam noivos. Era tudo muito desconfortável.
– Tio Jace – disse Max, em tom de reprovação, Jace piscou e percebeu que alguém, Magnus aparentemente, tinha colocado Max em seu peito.
Max estava olhando para ele, com o rosto franzido. – O tio Jace não está
se mexendo.
– O tio Jace parece preocupado – falou Alec, pegando Max. Ele agora
estava sentado com Max no colo. Magnus estava por perto, segurando Rafe
e conversando calmamente com Catarina.
– O tio Jace não está morto! – anunciou Max com um sorriso, e rapidamente se acomodou para dormir no ombro de Alec.
– Está tudo bem? – perguntou Alec. Seu olhar era azul e direto. Jace se sentou, limpando a areia de seu elaborado paletó de suggenes. Ficou imaginando se teria uma chance de vesti-lo de novo. Isabelle provavelmente convidaria Alec para acompanha-la ao altar e Simon convidaria Clary. Uma pena; ele ficava muito bem de dourado e azul.
– Tenho algumas decisões a tomar – falou.
Alec assentiu.
– Estou sempre com você – ofereceu – Pode comigo
Jace sabia que era verdade.
– Você se lembra de quando estivemos em um Edon? – perguntou Alec.
– Você bolou aquela estratégia para conseguirmos entrar na fortaleza de
Sebastian. Você sempre foi um estrategista – Ele levantou a cabeça para o vento marinho.
– Preciso de sua estratégia agora. Para ajudar na nossa reconstrução.
– Você sempre vai ter a mim, e o que eu puder fazer para ajudar – disse Jace – Aonde fores.
Alec sorriu, Jace olhou para a praia. Clary estava conversando com Izzy. Tinha enfeitado os cabelos com flores azul, Violeta e amarelo em contraste suas mechas ruivas. Ela usava um dos vestidos de que ele mais gostava: azul com decote simples. Estava escuro, mas não fazia diferença: ele conhecia o formato do rosto de Clary tão bem quanto conhecia o próprio, e também conhecia o sorriso dela.
E toda vez que ele olhava para ela, era exatamente como aos 16 anos. Ainda parecia um soco no plexo solar, como se ele não tivesse ar suficiente no peito. Alec acompanhou o olhar de Jace e deu um sorrisinho torto.
– Clary – chamou ele. – Venha buscar seu homem. Acho que ele está quase dormindo. – Jace emitiu um ruído de protesto, mas era tarde demais. Clary já estava vindo num turbilhão azul de saia, com seus olhos dançando. Ela esticou a mão para ajudar Jace a se levantar.
– Hora de ir para a cama? – perguntou ela.
Ele olhou para ela. Ela parecia tão pequenina, tão delicada. Sua pele era perolada, marcada por sardas, como uma boneca. Mas ele sabia o quanto ela de fato era forte. O aço corria sob toda aquela delicadeza.
– Nunca estive tão desperto – disse ele baixinho. Estava se lembrando
de uma noite há um tempo, uma estufa, uma flor que só desabrochava à mela
noite.
Ela ruborizou. Ele sabia que ela também estava se lembrando, Clary olhou em volta, mas ninguém estava prestando atenção neles. A calma de um final de festa recaia sobre a praia.
Ela puxou a mão dele.
– Vamos dar um passeio – sugeriu.
Preciso tanto de você. Agora a lembrança era mais sombria. Um casarão desmoronando, Jace se agarrando a Clary nas cinzas e na poeira das ruinas. Ele não sabia por que estava tão perdido em lembranças hoje, pensou enquanto seguia Clary pela costa, de mãos dadas com ela. Talvez fosse efeito do casamento. – deixava as pessoas nostálgicas. Não que ele sentisse saudade da época em que acreditava que ele e Clary nunca ficariam juntos. Mas as vezes você pensava em quanto tempo havia se passada que tivesse percebido.
Clary o arrastou para trás de uma duna de areia, bloqueando-os da praia. Pedaços de grama estalaram sob seus pés quando Jace se aproximou dela. Sempre havia uma ansiedade quando ele pensava em beijar Clary. Ela sempre o encarava com olhos tão arregalados, metade desejo e metade
travessura.
Ela pousou a mão no peito dele.
– Ainda não – alertou, e pegou sua estela.
– E agora começa a parte estranha e excêntrica – disse ele. – Eu já devia
saber que este dia chegaria.
Ela fez uma careta para ele.
– Aguenta aí, caubói – brincou ela, e começou a desenhar no ar com movimentos rápidos e familiares. Um Portal surgiu, azul esverdeado e brilhante.
– É muito grosseiro fugir de um casamento – disse Jace, espiando pelo Portal. O que era aquilo tudo?
– Vou comprar umas toalhas bordadas para Magnus e Alec – disse Clary, em seguida pegou a mão de Jace e atravessou.

Um amor que nunca se cansa - Conto Extra - Rainha do ar e da escuridãoWhere stories live. Discover now