Can You Hold Me?

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Entre descasos e cansaços,
Minha dor me consumia.
Você não iria me segurar.
Iria?

2020, 03 de fevereiro.

Uma semana desde meu desmaio no banheiro.
Eu não me lembro muito bem o que aconteceu, somente sinto a dor.
A tão conhecida.
Fui dispensado do trabalho por tempo indeterminado. Chegamos a um consenso de que eu precisava de um tempo para me recuperar. Embora ache impossível.
E olha que eu já tentei.

Decidi pegar um ônibus até Daegu, embora não tivesse muito dinheiro, a saudade da minha família é superior a qualquer dificuldade que eu possa ter em um futuro não muito distante.

- Oi meu filho! - Minha mãe me recebe calorosamente.
- Oi mãe. - A abraço de volta.
- Não brinca! - Meu irmão aparece na porta, e me solto de minha mãe. - Yoongi!!!
Sou recebido com um tapa na cabeça.
- Não fique tanto tempo sem aparecer, moleque! - Finalmente me abraça. E sinto conforto.
O conforto que eu procurava.
O conforto que meu irmão sempre me passou, o qual eu senti saudades por toda a minha caminhada sozinho.
Absorvido em seu calor, me dou a oportunidade de liberar pequenas lágrimas de satisfação e saudade.

Geumjae sempre foi minha pilastra.
Me apoiei nele diversas vezes, e o fez sem receio.
Quando eu decidi sair de casa para seguir meu sonho, meu pais não aceitaram muito bem, mas o hyung bateu de frente comigo. Me deu confiança e tudo o que eu precisava para realmente conseguir dar início a minha jornada.
Mas não havia muito o que ele podia fazer.
Por fim, meus pais não puderam me prender, e ao partir, disseram que torceriam por mim, mas essa seria uma luta minha.
Eu não os julgo, nunca faria isso.

Quando Geumjae me levou até o ponto de partida de Daegu para Seoul, ele me fez prometer que voltaria para uma visita.
Eu prometi.
E após três anos, consigo cumpri-la.

- Eu disse que viria. - Ele se afasta e pega em meu rosto.
- Senti a sua falta! - Sorrio mostrando minhas gengivas. - Sem dente!
- Vai tomar no cu! - Caímos na gargalhada.
- Meninos, entrem! Eu acabei de fazer um bolo. - Minha mãe nos puxa para dentro.
Logo sinto o cheiro tão saboroso da baunilha.
- Ela vive fazendo bolo. - Meu irmão diz baixo, para que somente eu ouvisse.
- Por isso você está bochechudo. - Sorrio. - Eu gosto delas assim. Não as perca.
- Eu também gosto das suas, cadê elas? - Vacilo. Tremo.
- Enfiei no rabo. - Sorri e Geum vai na gargalhada.
Mas ele sabe.
Ele sempre soube.

- Então, meu filho, aconteceu alguma coisa? - Minha mãe diz servindo um pedaço de bolo para mim e meu irmão, agora sentados no sofá.
- Mãe... - Ela se senta ao meu lado, e pega em minhas mãos.
- O que foi, meu filho? - Seus olhos preocupados vidrados nos meus. Ela pode ver a minha alma. Somente ela.

Dona Min sempre foi o melhor exemplo de mãe. De mulher.
Desde criança me guiou para o melhor de mim.
Quando eu estava na escola primária, notei em minha casa um piano marrom, andei até ele como se me chamasse.
Minha mãe nos apresentou, me colocou em cima do banco e levantou a tampa do teclado, me deparando com as teclas jade. Arrastei meus pequenos dedos nelas, sentindo o quão sensíveis eram.
E eu me senti bem.
Nesse momento, minha mãe participou do melhor momento da minha vida. No conhecimento da música.
No conhecimento de mim mesmo.
Pois eu sou feito de música.
Eu sou música.

- Boa tarde, família! - Meu pai abre a porta, ele ainda não me viu. - Sinto cheiro de baunilha! Amor, você fez bo.. - Ele para ao me ver.
- Oi pai. - Me levanto e me viro para ele.
- Yoongi! - Anda as pressas em minha direção e me abraça. - Que saudade, meu filho!
E novamente, meus olhos se enchem de lágrimas.
- Oi pai. - As limpo rapidamente e olho para os seus olhos.
- Meu filho, como está magro. - Ele puxa minha nuca para que meu rosto fique em seu ombro. - Como você está?

Me afasto e volto a sentar no sofá, com toda a minha família reunida.

- Eu não estou bem. - Começo. - Eu não sei quem eu sou. Não consigo viver, pois somente existo. Eu não tenho prazer em viver.

Não direciono meu olhar a ninguém, o mantenho em minhas mãos, agora suadas.
- Yoongi... - Meu irmão se pronuncia. - Suas crises tem piorado?
- Crises? Que crises? - Minha mãe assume.
- Mãe, o Yoongi tem tido uns surtos, não sei do que são, mas é algo. - Ele diz. Sério.

Sem perceber, coloco meu dedão em minha boca, mordiscando toda a tensão.
- Yoon... - Ela se ajoelha na minha frente e estende uma mão até meu rosto. - Sua mãe está aqui. Nós vamos cuidar de você.

E com essas palavras, eu desabo.
Me ajoelho junto dela e me pega em seus braços. Logo sentindo os de meu pai e meu irmão.
E ali permanecemos por um bom tempo. Abraçados. Chorando.

- Você está bem com isso? - Geumjae está na porta de meu antigo quarto.
-É preciso. - Me levanto, já pronto.
- Então vamos nessa! - Se afasta e desce as escadas.
Minha mãe e meu pai já estão na porta e Geumjae se junta a eles.
- Está pronto, filho? - Minha mãe me pergunta enquanto desço a escada.
- Uhum.
Saímos de casa, rumo ao consultório do psiquiatra.

- Senhor Min? Pode entrar! - A recepcionista diz, alguns minutos após nossa chegada.
Primeiro eu entro sozinho, me sentindo mais confortável assim.

- Boa tarde, senhor Min. - O médico me busca na porta.
- Por favor, me chame de Yoongi. - O cumprimento e ele aponta para a cadeira, me sentando logo em seguida.
- Então, Yoongi, o que o traz aqui? - O psiquiatra se vira para seu notebook, esperando por respostas minhas, para que pudesse fazer suas anotações.
- Eu não sei. - Respondo.
Ele me encara.
Seu olhar profundo.
Meu único instinto é colocar meu dedão entre meus dentes.
- A quanto tempo você morde seus dedos? - Me pergunta. Arregalo meus olhos e o tiro de minha boca.
- Uns quatro anos? - Encaro meu dedão.
Talvez mais.
- E no que você pensa quando o morde?
- Em alívio. - As palavras saem da minha boca sem qualquer controle.
- Alívio de que? - Pergunta.
E eu penso.

Na primeira vez que me dei conta que estava comendo todas as minhas cutículas, eu estava prestes a fazer uma apresentação da minha antiga banda, ainda em Daegu. O pensamento de ter que me apresentar pra diversas pessoas, ver seus olhares de julgamentos a mim. Meus dedos me aliviavam.

- Da agonia de ter que encarar olhares de julgamentos. - Solto e sinto meus olhos arderem.

Ele se levanta e busca alguns lenços, me entregando logo em seguida.

- Como é a relação com a sua família? - Pergunta, se sentando novamente.
- Eu os amo. Meu irmão sempre me apoiou em todas as minhas decisões. Ele foi a base para muita coisa em minha vida.
- E seus pais?
Me remexo na cadeira, buscando uma posição mais confortável.
- São ótimos. - Volto a morder meu dedo. - Eles nunca gostaram da ideia de me mudar para seguir meu sonho em Seoul. Mas me deixaram ir.
- E como tem sido em Seoul?
- Puxado. Eu trabalho meio período como entregador e outra parte na empresa. Produzindo e afins.
- E você já se sentiu preso em alguma ocasião? - Ele me olha mais profundamente.
- Diversas vezes. Eu tô aqui, pois me dispensaram após eu sentir falta de ar no banheiro. - Me encolho na cadeira, me sentindo exposto e vulnerável.
- Yoongi, foi só falta de ar?
- Foi um ataque de pânico. - Digo por fim.
- Yoongi, a pergunta que vou te fazer agora é a que vai decidir o rumo dessa consulta. Você já teve pensamentos suicidas?
- Sim. - Digo sem receio.
- Já tentou? - Ele anota em seu notebook.
- Mais de uma vez. - Lágrimas rolam por meu rosto, dessa vez sem qualquer controle.- A última vez que desejei não estar mais aqui, foram três vezes no mesmo dia, e em uma delas, eu quase consegui.
- E você conversou sobre isso com seus pais?
- Eles não entenderiam. Como poderiam se eu mesmo não me entendo? - O encaro novamente.
- E seus amigos? Me diga sobre cada um deles.

Na verdade, eu nem sei se ainda os tenho.

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