II - Guiado pelo CAOS

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Estava paralisado e chocado, vendo o sangue escorrer pelo pescoço do amor de sua vida enquanto ela gritava. Como o homem não tinha íris nem pupila, era impossível saber se olhava Gerrard.
- SOCORRO! ALGUÉM - suplicou Kaia.
Treyor a agarrava com força, ainda com seus dentes cravados no pescoço dela. Se debater não causava efeito algum, o agressor era bem mais forte do que a vítima.
- Solte-a. - ordenou Gerrard, que juntara toda sua coragem para falar.
Mesmo os olhos de Treyor sendo totalmente vermelhos, o homem simples sentiu que o miravam. O vampiro largou sua noiva no chão chorando e o encarou com um sorriso de satisfação. Suas vestes pretas o deixavam camuflado naquela terrível noite, apenas se via seu rosto pálido com sangue escorrendo por sua boca e os caninos da parte superior de seus dentes, maiores do que o comum.
- Ele não salvou seu irmão, nem eu, muito menos ela. Não salvará você também. - disse o vampiro, com uma voz grossa e fria, que conseguia entristecer qualquer um que estivesse a ouvindo.
- FUJA, GERRARD - gritou Kaia, que ainda jazia esanguentado no chão e chorava.
Nem precisava pedir duas vezes. Com suas roupas largas e sujas ele disparava entre os pinheiros e as árvores secas, tomando muito cuidado com os tropeços, sem conhecer os limites da criatura que o perseguia e do caminha que trilhava. Não encontrou a subida em que despencara, então, apenas estava correndo como um louco pela floresta, fugindo de um vampiro que mordera a pessoa que mais amava, sem saber quando voltaria a sua vila.
Já corria por minutos quando descansou, sem ouvir um passo sequer de alguém por perto. O barulho que predominou enquanto ele se apoiva em um tronco de uma árvore para descansar foi de um uivo bem alto. Som bem estranho, pois nunca ouviu relatos de lobos perto do seu vilarejo. Por outro lado, era melhor um som de uivo distante que passos próximos.
Foi quando teve um tempo para processar os acontecimentos e pensar em tudo que seu irmão falou por um bom tempo. Dizia que a barreira se enfraquecia e os monstros iriam invadir a vila. Também falava muito de vampiros, criatura essa que Gerrard não acreditava existir até aquela noite, que prometia ser bem longa.
E Kaia, ainda estaria sangrando e chorando no chão? Treyor voltaria lá para finalizar o serviço? Tudo que mais queria era estar com ela, junto de todas as maneiras, assim como na infância quando ficavam próximos e compartilhavam seus momentos de glória e fracasso juntos. Depois de ficar sem falar com Kaia por anos, Gerrard pensou que ela não se lembrava mais dele, mas, a poucos minutos, provou reconhece-lo somente por usa voz. "Asneira, ela devia me conhecer por ser o irmão do maluco da vila, afinal, minha voz não é a mesma de anos atrás" pensou ele, após refletir um pouco mais.
Seu último pensamento envolvia a frase do vampiro: "Ele não salvou seu irmão, nem eu, muito menos ela. Não vai salvar você também.". Qual era o significado disso? Quem não iria salvá-lo? Ou melhor, quem poderia salvá-lo?
Mas seus pensamentos foram interrompidos por uma silhueta. Ao observar de quem era, viu o contorno de um homem em pé, o homem não tinha cor, era um corpo totalmente preto. O homem se aproximava dele, se misturando com a floresta escura, até Gerrard notar que preto do corpo do homem havia se expandido, ou ele tinha se expandido. Agora parecia um homem alto e gordo, inteiramente preto e vazio. Logo a escuridão do corpo se expadiu pelos pinheiros e pelo chão, tudo estava se tornando escuro, não se podia ver nada.
O homem simples se virou, passou pela árvore onde descansara e correu na direção oposta à escuridão, que o perseguia e se expandia a uma velocidade maior do que ele conseguia se locomover. Tudo à frente era escuridão. Não conseguia mais enxergar árvore ou chão, mas continuo correndo até colidir com algo e cair. Gerrard não conseguia ver contra o que colidira, nem mesmo o chão, onde se encontrava. Mas podia senti-los com seu tato, e o usou para se locomover.
Não adiantava ir a qualquer lugar, porque tudo continuava escuro. Não havia chão, árvores, céu ou Lua. Ele só conseguia ver seu próprio corpo e as roupas sujas que usava.
- É uma situação desesperadora esta, não concorda? - perguntou uma voz que vinha de todos os lugares.
- Quem é você? Onde estou? E o que está acontecendo comigo? - indagou desesperado.
- Que mal-educação a sua ao não responder minha pergunta. Mas não se preocupe, não sou mal-educado, responderei suas perguntas imediatamente e após isso responderá as minhas, será uma coversa amigável; primeiro, sou o bicho-papão, um deles. Você está na escuridão prporcionada por mim, tudo a sua volta existe, pode ser tocado, cheirado e sentido, mas não pode ser visto. E você, está em um estado que eu chamo de arma.
- Por que o chama assim? - perguntou à voz enquanto procurava alguma luz para fugir do breu.
- Me responda primeiro, lembre-se das regras para termos uma boa conversa. Está em uma situação desesperadora?
- Claro que estou! Não consigo ver por onde ando, nem lhe ver, não sei onde está, muito menos onde estou.
- Eu estou em todos os lugares. Ao me ver, você me dá o direito de me expandir, privilégio que não tive por muitos anos por causa do maldito mágico que me impedia de chegar perto desses humanos tão adoráveis. Agora, respondendo sua pergunta, chamo o estado em que você se encontra de arma porque a maioria das pessoas que entram nele saem feridas e, muitas vezes, mortas. Contudo, uma arma precisa de gatilhos e de munição. Você é o gatilho, e a munição são seus pensamentos, porque os pensamentos são as balas da arma da loucura. Estando aqui comigo, você vai pensar e enlouquecer até morrer, mas você decide quando puxar o gatilho.
- Posso fazer mais uma pergunta?
- Duas, no caso.
- Você poderia me falar sobre essa barreira?
- Interessante. Imagino que a história do poderoso mágico deve ter se tornado uma lenda na sua vila imunda. Matei poucas pessoas de lá depois de nascer, algumas adoraram o fato de se isolar do resto do mundo tendo como única companhia o pensamento. Certo dia, fui empurrado quilômetros por algo invisível, e nunca mais consegui chegar perto da vila, até hoje de manhã. Descobri com outros monstros que se tratava de uma barreira, que recentemente vinha diminuindo até não existir mais. Não sei se há muitas pessoas onde mora, mas elas não estão seguras - após falar isso, o bicho-papão deu uma satisfatória gargalhada - A história realmente se tornou uma lenda?
- Durante certo tempo, até duvidarem do mágico, pelo menos foi o que meu avô me disse. Hoje em dia, não acreditamos em monstros. Meu avô também disse que o mágico poderia estar enfraquecido... não dei atenção, pensei que era tudo loucura.
O monstro soltou outra gargalhada, que se espalhava por todos os lados.
- Parece que a mentira se tornou sua verdade. O que é aquilo?
O monstro se referia a uma luz distante, azul-turquesa, que estava crescendo e indo em sua direção. Gerrard se surpreendeu. Não acreditava em nada, nem em religião, nem em monstros e muito menos em um mágico. Como os monstros existiam, este homem poderoso também deveria existir. Se lembrou da fala de seu avô: "Suas cores preferidas eram azul-claro e azul-turquesa". Será que a única luz presente era o tal mágico querendo ajudar o homem simples?
A luz se espalhou e tomou conta de tudo que antes era preto. O bicho-papão não fez barulho algum. O azul-turquesa foi sumindo delicadamente de baixo para cima, revelando novamente o terreno desnivelado cheio de folhas e pedras, as árvores e pinheiros, e o céu, que acompanhava uma enorme e brilhante Lua cheia. Estava livre do monstro e conseguia ver novamente, mesmo que ainda tudo estivesse escuro, exceto pela luz da Lua e algo verde que brilhava no topo dos pinheiros.
Era uma criatura que voava e, por onde passava, deixava um brilho iluminando seus caminhos. Se parecia muito com uma mulher, mas bem menor que uma. Tinha asas que se moviam rapidamente. Era majestosa em seus movimentos próximos às árvores. De repente, ela parou e encarou Gerrard. Era tão pequena que talvez coubesse na palma de sua mão, mas a alegria que levava consigo era tanta que, mesmo por segundos, o homem simples teve esperança de que algo poderia dar certo naquela noite.
A fada então desceu, cintilante e com um vestido verde que iluminava tudo ao seu redor. Ainda olhava para ele, admirada e com um sorriso revelando dentes perfeitos e um charme incomensurável. Gerrard poderia passar o resto da noite exclusivamente olhando para a bela criatura que parecia ter sido esculpida de tão deslumbrante.
Se encontrava a poucos metros dele, acima da altura de sua cabeça. Estava tímida e suas bochechas começaram a ficarem rosadas, foi quando ela cobriu sua boca com sua mão, abafando um pequeno riso. E, atrás dela, revelava-se uma sombra de um animal com asas abertas. Sombra esta feita pela luz verde vinda do vestido da fada, que continuava parada.
Era um morcego que produzia a sombra. Ele agora voava em volta da fada, que começou a se assustar e procurar uma brecha entre os pinheiros para fugir. Quando mirou seu e correu, o morcego a encontrou no ar e mordeu seu pescoço, deixando Gerrard apavorizado. Como que uma criatura poderia ferir algo tão puro e belo? Isso também fez ele relembrar de Kaia, que provavelmente ainda estava sangrando em algum lugar da floresta, assin como a doce fada, que caiu em meio às folhas no chão. Estava morta.
O morcego tinha os vermelhos brilhantes, e fitou Gerrard. O morcego se aproximou do chão, ficando a pouco mais de um metro do mesmo, e suas patas começaram a crescer desnfreadamente, assim como suas asas e sua cabeça, que também mudava de cor enquanto os dentes caninos de sua boca cresciam mais que os outros dentes. Suas patas já eram pernas, e tinha um corpo humano, faltando-lhe apenas os braços. As asas emergiam de suas costas, a única parte que não mudara na transformação fora os olhos vermelhos e brilhantes de Treyor, que ainda eram os mesmo do morcego.
Gerrard se encontrava novamente paralisado, observando a última etapa da transformação: dos ombros abriram-se fenda, de onde saíram os braços incrivelmente brancos. As asas os envolveram, cobrindo-os e se transformando em uma veste preta que cobria todo o corpo do vampiro.
- Você é bom em se esconder, Gerrard. Irei dizer isso a seu irmão quando encontrá-lo. - disse com sua voz grossa e fria, que não parecia ser humana.
Ele até tentou juntar forças para mandar o monstro ficar longe de seu irmão, mas sua boca não abriu, aquele resquício de esperança que a fada trouxe sumiu, e ele estava inseguro. Só lhe restou uma alternativa: fugir.
Novamente estava correndo por entre os troncos de árvores e pisando em galhos, ouvindo as gargalhadas de Treyor bem próxima dele. Em certo momento, sentiu suas vestes largas serem puxadas levemente, mas não soube ao certo se realmente fora o vampiro.
Com o passar do tempo, Gerrard se encontrava cansado novamente, e as passadas atrás dele não mais existiam. Porém, havia um morcego nos céus, que sobrevoava ele. Não parou de correr, mas não tinha energia suficiente para continuar. Não sabia onde estava, o que o esperava e nem que fim teria naquela floresta. Descansou em um arbusto, torcendo para que o morcego não o avistasse.
Teve mais um tempo para processar tudo. A história que seu avô lhe contara sobre o mágico era real. A barreira também era, assim como seu enfraquecimento. Gerrard se sentia culpado por não ter conseguido pedir perdão a seu irmão, invés disso o largou ofegante e com um machucado. Se sentia horrível. Mas se tudo era verdade, os Afastados também eram. Talvez estivesse alguém, fora os monstros, vivendo próximo àquela região.
Refletiu também sobre o início de seu dia. Quando Merlim apareceu no campo, ele o humilhou, dizendo o motivo pelo qual sua namorada o deixou, sua mãe o afastou e porque não fora expulso, agora Merlim estava ferido, abalado física e mentalmente, e o pior: uma orda de monstros se movia de encontro a todos os habitantes da vila. E ainda Treyor falou que conversaria com seu irmão.
Gerrard faria de tudo para estar com seu irmão lutando contra as diversas ameaças que se estabeleceriam, mas estava perdido na enorme floresta, e a Lua ainda estava bem visível. Não tinha o mínimo de senso de orientação, ficaria perdido ali até morrer ou ser morto.
Sentiu alguém puxando suas vestes atrás dele, mas com delicadeza. Antes que virasse sua cabeça, a delicadeza sumira e ele estava sendo arrastado pelo chão da floresta. Quando tentava ver o que o puxava, acabava colidindo com algum tronco de árvore. Também sentia algo afiado perto de suas costas, provavelmente as unhas do bicho.
O bicho parou, pegando Gerrard de surpresa por não esperar tal atitude. O bicho o soltou e ficou de quatro, começando a uivar. Era um lobisomem. De quatro parecia um cachorro de três metros extremamente peludo, tendo um focinho com dentes que alcançavam facilmente o tamanho da palma da mão do homem simples e garras enormes.
Aproveitou o momento de distração do monstro para fugir novamente, mas o lobisomem não o perseguiu. O que aconteceu foi que uma luz surgiu atrás de Gerrard, projetando sua sombra no chão. Este não se virou para ver o que produzi-la esta luz que era azul, mas ouviu um grito de dor vindo do lobisomem, que não o perseguiu. Continuou correndo, como fizera a noite inteira. Se enfiando entre os pinheiros, colidindo com os galhos das árvores secas e...
Para sua surpresa, entre dois pinheiros, à meio metro do solo, estava um morcego de olhos vermelhos brilhantes. Era tão cansativo se safar de um monstro e encarar outro. Era um inferno. Quando aquilo iria terminar? Será que sobrevivera à toa e morreria a qualquer momento? A raiva da situação em que se encontrava o fez pegar uma pedra no chão e jogá-la no morcego.
Este se destansformou tão rápido que já era humano quando conseguiu segurar a pedra no ar, deixando Gerrard boquiaberto.
- Irá fugir novamente? Como ainda lhe resta forças? E o pior, como ainda lhe resta tanta covardia? Seu irmão não gostaria de saber que Gerrard ficara a noite fugindo, com medo de enfrentar seus problemas cara a cara.
- Você não vai chegar perto de meu irmão! - gritou o homem simples, cansado de tanto vagar sem rumo.
- Isso que eu queria ouvir. Lute, e quem sabe eu o deixo viver para sempre.
- Viver para sempre, no meu caso, só servirá para passar a eternidade pensando em como lhe matarei da pior forma possível. E, aliás, como teve coragem de morder sua noiva? Você é um monstro!
- Ela vai ter todo o tempo do mundo que utilizará refletindo sua escolha, hahaha!
Não teria chance contra Treyor, muito menos para correr e escapar como fizera. Fechou os olhos, como se soubesse o que precisava ser feito. Sentiu sua salvação à direita. Ao abri-los, o vampiro já avançava em sua direção, com o capuz cobrindo parte de seu rosto e a boca ensanguentada.
Disparou seguindo sua direita, tendo pela primeira vez um rumo. Treyor gargalhava, não tinha e menor noção de que Gerrard estava seguro. E era isso que lhe incentivava a correr com todas as energias que lhe restavam, tomando cuidado para não escorregar nas folhas espalhada pelo caminho.
Os sons de passos atrás dele se transformaram e um som de bater de asas. Teria que fugir mais uma vez do morcego. Agora as circunstâncias eram outras, já sentia o cheiro de sua salvação se aproximar. Enxergou uma casa de tijolos com telhados de madeira e foi em sua direção. A casa estava localizada em um terreno pequeno onde não haviam árvores, distoando do restoda floresta. Ao entrar no terreno, olhou para trás, onde o morcego passava pelas últimas árvores, perto de entrar no terreno. Mas foi impedido.
O morcego colidiu com uma barreira invisível, o impedindo de entrar no terreno. Ele tentava ultrapassá-la, mas sempre se chocava com algo que não podia ser visto por Gerrard, que estava bem próximo da casa de tijolos. O morcego se destransformou, revelando-se novamente Treyor, que recuou em direção à floresta com uma feição de raiva extrema.
O homem simples se virou e observou com mais atenção a casa, que tinha um telhado amarelo, feito de madeira, e uma chaminé, que expelia fumaça. Não sabia porque estava protegido ali, mas apreciou o descanso, torcendo para não ser temporário como os outros. Se aproximou da casa e abriu a porta, esperançoso. O interior da casa estava um breu completo, se não por uma fogueira ao fundo. Não queria entrar de imediato sem saber o que lhe aguardava ali dentro.
Após poucos segundos, sentiu uma dor imensa em sua barriga, que fora atravessada por um pedaço afiado de madeira, fazendo Gerrard tombar para trás, observando um homem gordo e alto passar pela porta com dificuldade. Depois de tudo que passara, aquele seria seu fim?

Entre uma barreira e um mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora