Conto 1: Por que, Instagram, por quê?

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Um dia, Ana resolveu apresentar o Instagram para a sua avó.

Dona Dora não era muito chegada em tecnologia. Não demonstrava muito interesse pelo celular que os filhos tinham dado para ela - "as letras são muito pequenas para os meus dedos, eu fico escrevendo tudo errado", ela costumava dizer.

Além disso, tinha verdadeiro pânico de mexer no computador, pois morria de medo de apertar algum botão errado e acabar quebrando a máquina. "Vai que esse negócio explode...", ela dizia.

Mas Ana estava certa de que o Instagram poderia ser uma boa ferramenta para fazer com que a avó se aproximasse do mundo da tecnologia. Isso porque dona Dona adorava fotografias. No armário de seu quarto, guardava um álbum imenso, com fotos de cada fase de vida dos filhos e dos netos. Só de Ana tinha fotos da maternidade, do primeiro dia no jardim-de-infância, do aniversário de sete anos, do churrasco em que Ana apresentou o primeiro namorado para a família, da formatura do colégio, do primeiro dia da faculdade...O Instagram, pensou Ana, seria uma versão digital dos velhos e conhecidos álbuns da avó.

Assim, em uma tarde de domingo, Ana aproveitou que dona Dona estava sentada no sofá lendo um livro e se sentou ao lado da avó.

- Posso te mostrar uma coisa, vó? - Ana estendeu o braço, colocando o celular na altura dos olhos da avó.

- Não vai me dizer que você também está usando aquela coisa...aquele negócio...- dona Dora estalou os dedos várias vezes, tentando se lembrar do nome que lhe fugira à mente. - Ah, você sabe, aquele programa que parece um cardápio de pessoas! - ela franziu as sobrancelhas.

Ana soltou uma risadinha.

- O Tinder, você quer dizer?

- Isso! Esse negócio aí - disse, com um tom de desaprovação na voz. O tio de Ana tinha se separado há um mês e, desde então, vivia no Tinder. Dona Dora constantemente reclamava que, agora, o filho dava mais atenção para as "mulheres que ficam dentro do celular" do que para ela.

- Não, vó. Isso aqui é outra coisa. Acho que você vai gostar. Dona Dora fungou, mas Ana não deu atenção. - Isso aqui, vó, é o Instagram - disse Ana, deslizando o feed para baixo com o dedo indicador. - É uma rede social de fotos. Você posta uma foto e os seus seguidores podem vê-la.

Dona Dora não disse nada por um tempo. Então, virou-se para Ana e perguntou:

- E quem são esses seguidores?

- Ah, podem ser amigos, conhecidos ou pessoas que você não tem proximidade, mas que têm algum interesse por você e querem te acompanhar.

Dona Dora não disse nada.

Diante da falta de reação da avó, Ana olhou para o lado. A avó estava com os olhos fixos na tela e parecia que sua mente estava a mil.

- Está tudo bem, vó?- Você deixa pessoas que nem te conhecem direito verem coisas sobre a sua vida? - ela perguntou, perplexa.

Ana deu de ombros, meio sem graça.

- É assim mesmo, vó. Todo mundo já está acostumado com isso...

Dona Dora fechou a cara.

Ana engoliu em seco, mas achou melhor continuar sua explicação. "Conforme ela for entendendo como funciona, vai começar a gostar", pensou.

- Olha só esse amigo meu, por exemplo - Ana apontou para a foto de um amigo em frente à Torre Eiffel. - Ele foi para Paris e compartilhou as fotos da viagem no Instagram.

- E pra que ele fez isso? - disparou dona Dora. - Ah, vó...- disse Ana, um pouco desafinada.

- Para as pessoas verem as fotos da viagem...

- Mas por que as pessoas precisam ver essas fotos aí?

Ana fez uma pausa.

Em seguida, fez um coque com o cabelo - sempre fazia um coque com o cabelo quando não sabia o que dizer. Então, resolveu mudar de tópico e passar para outra foto.

- Olha, essa minha amiga acabou de conseguir um emprego na Honda. Ela postou uma foto dela no elevador do trabalho. Dá uma olhada - Ana apontou para a foto de uma menina tirando uma selfie no espelho. - Não é legal?

Dona Dora ficou em silêncio.

- Vó?- E pra que ela fez isso? - Isso o quê?- Mostrar essa foto aí, para todo mundo ver.

- Ah, vó, é o que eu te falei antes - Ana deu uma risadinha sem graça. - É para os outros verem, saberem o que a pessoa está fazendo.

Dona Dora cruzou os braços.

- Mas por que você precisa saber o que as pessoas estão fazendo?

Ana engoliu em seco.

- Ah, vó...- ela fez uma pausa. -

É porque...porque...sei lá, é legal saber da vida dos outros.

- Mas pra quê? - Dona Dora levantou as mãos para cima, inconformada.

Ana, então, teve uma ideia. Pensou em mostrar para a avó fotos do perfil de um amigo que era cozinheiro. Ele estava sempre postando fotos dos pratos que estava fazendo. E dona Dora adorava cozinhar, então talvez se interessasse por aquelas fotografias.

- Olha só as fotos desse meu amigo, vó - Ana deslizou os dedos pela tela e começou a mostrar fotos dos pratos: um salmão ao molho de maracujá, uma tortilha de chocolate com morango....- Maravilhosos esses pratos, né? Olha quantas pessoas comentaram nessa foto da tortilha!

A avó remexeu os óculos e se inclinou para frente, como se quisesse chegar mais perto da tela. Então, ficou um bom tempo observando a tela - o que Ana interpretou como um sinal positivo. "Acho que, agora, eu peguei ela!", pensou.

Dona Dora tirou os olhos da tela, inclinou-se para trás e encostou as costas no sofá.

- Mas pra que ele colocou essas fotos aí? - perguntou, levando os braços para o alto da cabeça. - Meu Deus, pra quê?

Ana soltou um suspiro e jogou os braços para cima, deixando o celular cair em cima de uma almofada.

- Ok, vovó, você venceu - jogou o corpo de qualquer jeito no encosto do sofá. - Eu não sei. Não sei por que as pessoas postam coisas.

Silenciosamente, a avó cruzou os braços e sorriu, satisfeita. Então, voltou a ler o seu livro.

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