Conto 2: O cara do metrô

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Mal entrou no vagão, Ana disparou para pegar um assento. Estava cansada, tinha estudado o fim de semana inteiro e ainda teria uma semana inteira de provas e trabalho para encarar. Merecia um pouco de descanso.

Mas ela não era a única que se achava merecedora de um assento. Outros três caras, que não deviam ser muito mais velhos do que ela, dispararam pelo corredor e se juntaram à Ana em uma corrida-que-todo-mundo-finge-que-não-é-corrida para ocupar os três assentos vagos que ainda estavam disponíveis.

Para o azar de Ana, os três conseguiram chegar mais rápido e pegaram os assentos antes do que ela.

"Idiotas!", pensou Ana, bufando baixinho. "Provavelmente passaram o fim de semana inteiro jogando videogame enquanto eu estudava."

Então, caminhou até uma das barras metálicas e envolveu as mãos nela, tentando se equilibrar com o balançar do metrô. Em seguida, fez um movimento de ombro para ajustar a posição da bolsa e, ao fazer isso, acabou olhando para a porta.

E o viu.

Era um garoto alto, com cabelo preto na altura da nuca e olhos esverdeados. Devia ter uns vinte e poucos anos, mais ou menos a idade de Ana.

Mal havia avistado-o, o metrô parou em uma das estações e o garoto caminhou em direção à barra metálica que ela estava segurando. Ao notar a sua aproximação, Ana desviou o olhar rapidamente (não queria dar tanto na cara, afinal) e discretamente começou a ajeitar o cabelo com a mão - sabe-se lá o que aquele ar-condicionado maluco da estação tinha feito com o seu cabelo.

O garoto abaixou a cabeça e soltou um pequeno suspiro. Ana logo inferiu que devia estar preocupado com alguma coisa.

- Com licença - disse uma senhora para ele. Estava sentada no banco de idosos, segurando uma bengala entre as pernas. - Quantas estações faltam para a estação da Luz, meu filho? Eu não estou acostumada a andar de metrô, me atrapalho toda - levou a mão direita à cabeça.

A expressão de preocupação do garoto foi embora e ele abriu um sorriso terno para ela.

- Faltam quatro estações, senhora. Eu vou descer lá também. Se quiser, posso te acompanhar até a saída - ele sugeriu.

O coração de Ana começou a acelerar. E ainda por cima é fofo com senhoras do metrô, Ana pensou. 

O rosto da senhora se iluminou.

- Agradeço muito, meu filho! Que Deus te abençoe.

- Imagina! - Ele sorriu mais uma vez.

Ana, então, pensou em dizer a ele que também desceria na estação da Luz e que, assim como a senhora, estava com medo de se perder na estação - ela fazia esse trajeto todos os dias, mas ninguém precisava saber disso.

Ao ouvi-la dizer isso, ele perguntaria se ela não gostaria de acompanhá-los - ele e a senhora - até a saída. Ana diria que sim e os três caminhariam lado a lado pela estação. No caminho, a senhora contaria toda a história de vida do seu filho, que tinha saído da Paraíba e ido para São Paulo em busca de trabalho. Ela estaria na cidade apenas para visitá-lo e logo, logo voltaria para a Paraíba, onde morava.

O garoto do metrô, por sua vez, escutaria toda a história com atenção, o que deixaria Ana ainda mais derretida por ele.

Depois de deixar a senhora na porta da estação, Ana descobriria que o garoto trabalhava em um local próximo do seu escritório e os dois decidiriam caminhar juntos até um determinado ponto.

No trajeto, ele contaria a ela sobre o seu trabalho e diria que não aguentava mais o seu chefe, que só reclamava e não valorizava o trabalho de ninguém – o chefe era o motivo por trás de sua expressão de preocupação no metrô.

- Espero conseguir outro trabalho logo para sair dali - ele diria.

Ana balançaria a cabeça.

- Eu sei como você se sente - responderia.

Então, contaria a história do seu chefe, um homem grosso que vivia gritando com os funcionários.

- Ele já foi até processado por assédio moral. Mas não deu em nada - ela diria e daria de ombros.

Eles continuariam conversando como velhos amigos até chegarem à rua onde os dois trabalhavam. Na hora de se despedirem, trocariam telefones e combinariam de continuar se falando.

Cinco dias depois, Francisco (sim, esse era o nome dele) convidaria Ana para ir ao cinema.

Sete encontros depois, eles mudariam o status do Facebook para "em um relacionamento sério". Ana apresentaria Francisco para os pais e Francisco a apresentaria para a sua mãe, uma advogada bem-sucedida que criara o filho sozinha, após ser abandonada pelo marido quando estava grávida.

- Gostei dela - diria Sandra para Francisco ao final da primeira visita de Ana à sua casa.

Seis meses depois, Ana e Francisco combinariam de ir a uma hamburgueria especial para uma comemoração dupla: os seis meses de namoro deles e o novo emprego de Francisco.

Dois anos depois, os dois se mudariam juntos para um apartamento. Não teriam dinheiro para comprar muitos móveis, por isso a casa se limitaria a uma cama, uma geladeira e uma televisão.

- Já contei para vocês como eu e a Ana nos conhecemos? - Francisco perguntaria para os amigos no open house. Eles, por sua vez, rolariam os olhos e assentiriam com a cabeça, entediados - já tinham ouvido essa história milhões de vezes.

Francisco ignoraria a reação deles e continuaria falando:

- Quem diria que tudo começou em uma estação de metrô, não é?

Oito meses depois, Ana receberia um aumento no trabalho e a novidade faria com que os dois tomassem a decisão de realizar uma pequena cerimônia de casamento. Convidariam os familiares e os amigos mais próximos e fariam um ritual simples na praia de Barra do Sahy.

- Eu sempre sonhei em casar na praia - diria Ana na hora do discurso dos noivos.

Ao longo dos dois anos seguintes, muita coisa aconteceria na vida dos dois. Eles viajariam para Paris (outro sonho de Ana), terminariam o mestrado (Ana em marketing digital e Francisco em economia), brigariam várias vezes por causa da decoração do apartamento (Ana não conseguia entender como Francisco achava que um sofá azul-escuro combinaria com o verde-limão das paredes) e fariam juntos um curso profissional de mergulho (um antigo interesse de Francisco e que Ana agora compartilhava).

Passado tudo isso, em uma tarde de domingo, Ana e Francisco sentariam no sofá da sala (Ana tinha vencido a discussão meses atrás e agora eles tinham um sofá preto - e não azul-escuro). Em uma conversa descontraída sobre o futuro, eles chegariam à conclusão de que estava na hora de ter um filho.

Onze meses depois dessa conversa, Ana daria à luz uma menininha, que receberia o nome de Maria Cecília - desde criança, Ana sonhava em dar esse nome para a filha. No dia do nascimento, Francisco não se conteria de felicidade e postaria no Instagram - ou seja lá qual for a rede social popular do futuro - fotos da pequena recém-chegada.

No meio do devaneio de Ana, o metrô para e a voz gravada dispara:

"Próxima estação: Terminal Luz. Transferências para Linha 7 - Rúbi e 11- Coral da CPTM e com a Linha 1-Azul do metrô."

Ana pisca várias vezes, recompondo-se de seu sonho louco.

O garoto se vira para a senhora sentada no banco e diz:

- É aqui, senhora. Vamos descer?

A senhora assente, se levanta e, caminhando ao lado do garoto, saí pela porta do vagão.

Caminhando atrás deles, Ana sai pela mesma porta. Mas, assim que pisa na plataforma, é engolida pela multidão, que a cerca por todos os lados.

Quando dá por si, havia perdido os dois de vista.

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