Mal entrou no vagão, Ana disparou para pegar um assento. Estava cansada, tinha estudado o fim de semana inteiro e ainda teria uma semana inteira de provas e trabalho para encarar. Merecia um pouco de descanso.
Mas ela não era a única que se achava merecedora de um assento. Outros três caras, que não deviam ser muito mais velhos do que ela, dispararam pelo corredor e se juntaram à Ana em uma corrida-que-todo-mundo-finge-que-não-é-corrida para ocupar os três assentos vagos que ainda estavam disponíveis.
Para o azar de Ana, os três conseguiram chegar mais rápido e pegaram os assentos antes do que ela.
"Idiotas!", pensou Ana, bufando baixinho. "Provavelmente passaram o fim de semana inteiro jogando videogame enquanto eu estudava."
Então, caminhou até uma das barras metálicas e envolveu as mãos nela, tentando se equilibrar com o balançar do metrô. Em seguida, fez um movimento de ombro para ajustar a posição da bolsa e, ao fazer isso, acabou olhando para a porta.
E o viu.
Era um garoto alto, com cabelo preto na altura da nuca e olhos esverdeados. Devia ter uns vinte e poucos anos, mais ou menos a idade de Ana.
Mal havia avistado-o, o metrô parou em uma das estações e o garoto caminhou em direção à barra metálica que ela estava segurando. Ao notar a sua aproximação, Ana desviou o olhar rapidamente (não queria dar tanto na cara, afinal) e discretamente começou a ajeitar o cabelo com a mão - sabe-se lá o que aquele ar-condicionado maluco da estação tinha feito com o seu cabelo.
O garoto abaixou a cabeça e soltou um pequeno suspiro. Ana logo inferiu que devia estar preocupado com alguma coisa.
- Com licença - disse uma senhora para ele. Estava sentada no banco de idosos, segurando uma bengala entre as pernas. - Quantas estações faltam para a estação da Luz, meu filho? Eu não estou acostumada a andar de metrô, me atrapalho toda - levou a mão direita à cabeça.
A expressão de preocupação do garoto foi embora e ele abriu um sorriso terno para ela.
- Faltam quatro estações, senhora. Eu vou descer lá também. Se quiser, posso te acompanhar até a saída - ele sugeriu.
O coração de Ana começou a acelerar. E ainda por cima é fofo com senhoras do metrô, Ana pensou.
O rosto da senhora se iluminou.
- Agradeço muito, meu filho! Que Deus te abençoe.
- Imagina! - Ele sorriu mais uma vez.
Ana, então, pensou em dizer a ele que também desceria na estação da Luz e que, assim como a senhora, estava com medo de se perder na estação - ela fazia esse trajeto todos os dias, mas ninguém precisava saber disso.
Ao ouvi-la dizer isso, ele perguntaria se ela não gostaria de acompanhá-los - ele e a senhora - até a saída. Ana diria que sim e os três caminhariam lado a lado pela estação. No caminho, a senhora contaria toda a história de vida do seu filho, que tinha saído da Paraíba e ido para São Paulo em busca de trabalho. Ela estaria na cidade apenas para visitá-lo e logo, logo voltaria para a Paraíba, onde morava.
O garoto do metrô, por sua vez, escutaria toda a história com atenção, o que deixaria Ana ainda mais derretida por ele.
Depois de deixar a senhora na porta da estação, Ana descobriria que o garoto trabalhava em um local próximo do seu escritório e os dois decidiriam caminhar juntos até um determinado ponto.
No trajeto, ele contaria a ela sobre o seu trabalho e diria que não aguentava mais o seu chefe, que só reclamava e não valorizava o trabalho de ninguém – o chefe era o motivo por trás de sua expressão de preocupação no metrô.
- Espero conseguir outro trabalho logo para sair dali - ele diria.
Ana balançaria a cabeça.
- Eu sei como você se sente - responderia.
Então, contaria a história do seu chefe, um homem grosso que vivia gritando com os funcionários.
- Ele já foi até processado por assédio moral. Mas não deu em nada - ela diria e daria de ombros.
Eles continuariam conversando como velhos amigos até chegarem à rua onde os dois trabalhavam. Na hora de se despedirem, trocariam telefones e combinariam de continuar se falando.
Cinco dias depois, Francisco (sim, esse era o nome dele) convidaria Ana para ir ao cinema.
Sete encontros depois, eles mudariam o status do Facebook para "em um relacionamento sério". Ana apresentaria Francisco para os pais e Francisco a apresentaria para a sua mãe, uma advogada bem-sucedida que criara o filho sozinha, após ser abandonada pelo marido quando estava grávida.
- Gostei dela - diria Sandra para Francisco ao final da primeira visita de Ana à sua casa.
Seis meses depois, Ana e Francisco combinariam de ir a uma hamburgueria especial para uma comemoração dupla: os seis meses de namoro deles e o novo emprego de Francisco.
Dois anos depois, os dois se mudariam juntos para um apartamento. Não teriam dinheiro para comprar muitos móveis, por isso a casa se limitaria a uma cama, uma geladeira e uma televisão.
- Já contei para vocês como eu e a Ana nos conhecemos? - Francisco perguntaria para os amigos no open house. Eles, por sua vez, rolariam os olhos e assentiriam com a cabeça, entediados - já tinham ouvido essa história milhões de vezes.
Francisco ignoraria a reação deles e continuaria falando:
- Quem diria que tudo começou em uma estação de metrô, não é?
Oito meses depois, Ana receberia um aumento no trabalho e a novidade faria com que os dois tomassem a decisão de realizar uma pequena cerimônia de casamento. Convidariam os familiares e os amigos mais próximos e fariam um ritual simples na praia de Barra do Sahy.
- Eu sempre sonhei em casar na praia - diria Ana na hora do discurso dos noivos.
Ao longo dos dois anos seguintes, muita coisa aconteceria na vida dos dois. Eles viajariam para Paris (outro sonho de Ana), terminariam o mestrado (Ana em marketing digital e Francisco em economia), brigariam várias vezes por causa da decoração do apartamento (Ana não conseguia entender como Francisco achava que um sofá azul-escuro combinaria com o verde-limão das paredes) e fariam juntos um curso profissional de mergulho (um antigo interesse de Francisco e que Ana agora compartilhava).
Passado tudo isso, em uma tarde de domingo, Ana e Francisco sentariam no sofá da sala (Ana tinha vencido a discussão meses atrás e agora eles tinham um sofá preto - e não azul-escuro). Em uma conversa descontraída sobre o futuro, eles chegariam à conclusão de que estava na hora de ter um filho.
Onze meses depois dessa conversa, Ana daria à luz uma menininha, que receberia o nome de Maria Cecília - desde criança, Ana sonhava em dar esse nome para a filha. No dia do nascimento, Francisco não se conteria de felicidade e postaria no Instagram - ou seja lá qual for a rede social popular do futuro - fotos da pequena recém-chegada.
No meio do devaneio de Ana, o metrô para e a voz gravada dispara:
"Próxima estação: Terminal Luz. Transferências para Linha 7 - Rúbi e 11- Coral da CPTM e com a Linha 1-Azul do metrô."
Ana pisca várias vezes, recompondo-se de seu sonho louco.
O garoto se vira para a senhora sentada no banco e diz:
- É aqui, senhora. Vamos descer?
A senhora assente, se levanta e, caminhando ao lado do garoto, saí pela porta do vagão.
Caminhando atrás deles, Ana sai pela mesma porta. Mas, assim que pisa na plataforma, é engolida pela multidão, que a cerca por todos os lados.
Quando dá por si, havia perdido os dois de vista.
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Pare o mundo que eu quero descer!
Short StoryO que significa se tornar adulto? Saber tomar a decisão certa nos momentos difíceis? Não cair na risada em momentos inapropriados? Parar de correr atrás de pessoas que não te merecem? Acompanhe os contos da vida de Ana, uma garota que acha que enten...