capítulo 10

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Seis dias depois

Acordei sentando rapidamente na cama. Respiração descompassada, suor, lágrimas. Já fazem cinco dias desde que achei o álbum. Tenho o mesmo sonho todas as noites. Eu e Elisa, ela parece tão bem, tão linda. Estamos em meio a um campo de girassóis e mais atrás, as meninas e Eliot se divertem. Ela sorri para mim e então diz "vá, eu sei o que viu, e é o único que vai entender". Ela me abraça, olha uma última vez para o grupo e começa a andar. Eu tento alcançá-la, mas eu não consigo. Então a imagem das asas cortadas em suas costas aparece. E eu caio.

Fico me perguntando o que isso quer dizer. Parece tudo tão real. Sinto ela me apertar durante o abraço. Sinto ela comigo. O que ela quer dizer com "é o único"? Por que eu? Ela se refere ao álbum? Pode ter as respostas lá? Aish, perguntas e mais perguntas. Está querendo me ajudar Elisa? Acho que não precisava ser assim. Tem a Bia, a Selene, ela sim é uma boa escolha. Mas eu? Sempre soube o quanto sou atrapalhado, então como eu entenderia? Chega, se é isso que você quer, tudo bem.

Me levantei, não queria saber que horas eram. Fui até a escrivaninha e abri a última gaveta. Peguei o caderno e voltei até a cama me escorando na cabeceira. Acendi o abajur e comecei a ler. Ela tinha sete anos quando começou a escrever? O que pode ter aqui? Seria certo eu ler? Pare de pensar Raziel, vá. Tudo bem, é só ler, quem sabe você descubra o que tanto te assombra. Tudo bem, respira fundo e comece a ler.

~•~
Não sei quanto tempo se passou desde que comecei a ler. Mas parei no momento em que Eliot nasceu. Eu não sei nem como descrever o que li. É tão triste, carrega algo tão melancólico, mas ao mesmo tempo é perturbador, como um filme de terror. É pesado demais, ela tinha sete anos. Como podia ser assim? Foi o que ela nos disse. O que passou na infância. E finalmente entendi quando ela dizia "sempre foi assim". Ela sempre se sentiu daquele jeito. Ser alguém que você não é apenas para agradar alguém, é terrível. É como atuar, mas para sempre. Como Elisa aguentou sem falar com ninguém? Pelo que eu sabia, ela só começou a falar mais sobre, com a gente e o senhor Kim. Escrever, pintar, dançar. Ela se expressava, ela mostrava, e ninguém via. Por isso não falava. Ela achou que não iría adiantar. Ela praticamente colocava num pedestal o que sentia, mas ninguém percebia, talvez por não querer. Aí Elisa. Me perdoa por não poder ter te protegido.

Não sei em que momento comecei a chorar, mas só me dei conta quando senti a brisa da janela gelar meu rosto pelas lágrimas molhadas. Me encolhi e chorei o que ainda não tinha chorado. Não demorou muito tempo, minha mãe apareceu. Me aconchegou no seu colo, como fazia quando eu era pequeno, e passando a mão no meu cabelo perguntou:

-Que foi anjinho?

-Eu devia... mãe, eu devia...devia...ela estava tão mal…

-Meu amor, a Elisa está bem agora. Acalme-se e me explica o que aconteceu.

-Eu devia ter protegido ela, ajudado.

-Mas Raziel, filho, você fez isso. Quando ela vinha para cá, dava para perceber o quanto ela se sentia bem com vocês. Ela sorria tanto. Você não podia proteger ela de tudo. As pessoas têm os seus problemas na vida, isso é um fato. Uma pessoa nunca vai amadurecer se não passar por problemas. A mente humana precisa ser posta a prova.

-Mas mãe, ela não merecia o que passava. Você não entende. Elisa era literalmente um anjo, ela sempre pensava primeiro nos outros, nada era difícil demais quando precisava ajudar alguém, ela largava tudo só para fazer alguém sorrir. Ela não merecia aquilo mãe.

-Querido, você não podia proteger ela de tudo. Acredite, nós pais, queremos proteger vocês de todas as coisas ruins do mundo, mas não é possível. Não sei exatamente o que sentia pela Elisa, mas tenho certeza que não iria gostar de te ver se culpando por algo que não podia fazer. 

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