capítulo 11

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Quinze dias depois

Não tive coragem de contar a todas as meninas o que li. Beatriz é a única que sabe o que consta naquele álbum. Talvez tenha sido covardia minha contar para ela, mas eu precisava de mais alguém que entendesse. Não voltei a sonhar com Elisa. Para falar a verdade, não me lembro de nenhum novo sonho que tive. Depois de ler, algumas feridas se curaram, outras abriram. Mas não era hora de curar todas. Voltei a ver as garotas e não sai de perto da minha namorada. Todas estavam ainda muito machucadas. O álbum agora está guardado na escrivaninha do meu quarto, não posso devolvê-lo a estante do quarto dela. Não posso correr o risco de Eliot encontrar ele e realmente ler. Nessa última semana também estive mais presente na vida dele. Levei ele ao parque, cinema e até tiramos fotos. Não sei em que momento, mas quando percebi ele me dizia "é bom ter você Raziel, sinto que tenho ela de novo". E então o meu último sonho voltou a minha mente. Por isso hoje avisei todos que precisava sair. Passei na floricultura, e peguei um buquê de girassóis. Precisava conversar com ela, então, por que não ir visitar? Quando estava chegando perto do túmulo todo decorado com azulejos azuis, vejo alguém parado em frente a ele. 

-Senhor Kim?

-Olá Raziel- deixei as flores em cima do túmulo e indaguei com o olhar o professor- ela sempre foi boa ouvinte.

-Realmente, ela tinha bons conselhos.

-O que tanto te incomoda garoto? Faz um tempo que você parece perdido em pensamentos, e pelo que vi, não falou para ninguém. Se me permite saber é claro. As vezes é bom ter alguém pra conversar.

-Encontrei um álbum, podemos dizer que era um diário. Eu li, e o senhor sabe como a escrita dela é marcante. Sinto que vivi aqueles momentos com ela.

-Mas não pode ser apenas isso. Você parece cansado demais.

Eu devia contar? Não faço ideia, mas aquele sonho, a luz vermelha. Eu não posso ter errado, mas e se ele não entender? E se ninguém entender? Mas, e se ele for o único que entenda?

-Posso fazer uma pergunta Kim?- vejo ele acentir- acredita na lenda do fio vermelho?- depois de algum tempo em silêncio, miro meu professor.

-Tenho que dizer, que se me perguntasse isso a um tempo atrás, eu seria obrigado a dizer não. Mas muitas coisas aconteceram, e devo dizer que acredito sim nessa lenda. O fio vermelho é o que liga duas almas, duas pessoas, pela eternidade. Almas gêmeas. 

-Sim, mas ela não liga apenas no sentido romântico do assunto. As vezes é consequência, mas em alguns casos, é uma amizade, mais do que irmãos. As pessoas se conhecem como nenhuma outra vai conhecer, qualquer coisa que acontecer o outro sente.

-Por que pergunta isso Raziel?

-Talvez já saiba a resposta. Mas a alguns dias, sonhei com ela. Depois de ler tudo, naquela noite, sonhei que ela me abraçava. Tinha asas, era realmente um anjo. Ela disse que eu a liberei, e então mostrou nossos dedos ligados. Ela era meu outro lado do fio. Eu sabia que uma parte minha tinha ido com ela, mas naquela noite tive certeza. E por favor não ache que eu a amava de modo romântico, não, ela era como uma irmã, até mais do que isso. Mas eu amo Beatriz, e tenho certeza que meu coração bate por ela- sem perceber acabei falando rápido e sem pausa alguma. Ficamos um tempo em silêncio. Achei que ele estaria me criticando ou julgando, mas então ele quebrou o silêncio.

-Raziel, tenho algo também a lhe contar. Prometi que deixaria em segredo, mas não posso deixar que viva com essa pergunta rondando sua mente. Sei que quer saber mais do que qualquer um o que aconteceu naquela tarde com ela. Talvez já que leu esse diário, entenda melhor do que eu o que aconteceu.

-Espera, está me dizendo que sabe o que pode ter acontecido naquele dia? E não disse nada para nenhum de nós?

-Prometi a Laura que não diria. E agora, vou quebrar essa promessa. Por favor, não julgue um homem que pensou que poderia proteger vocês disso. Achei que se não dissesse nada, vocês viveriam e luto apenas. Mas não vou te deixar com esse peso nas costas. Quando entrou com Eliot no quarto dela, as meninas ficaram mais para trás e eu fui com Laura e o médico conversar. Eles têm uma hipótese, mas não podemos confirmar. Bom, talvez você possa. O médico disse que quando ela estava na ambulância ela mostrava o braço e pedia para ligar, nossos nomes estavam lá, como um lembrete- as cartas, por que acredito que as cartas tem ligação com isso?- Ele disse que quando chegaram com ela na sala de emergência, ela parecia delirar. Estava em agonia, como se o corpo estivesse sendo espancado. Ela sentia dor onde não tinha. Laura acredita que a mente dela começou a reproduzir as memórias como um filme. Memórias ruins, mas as boas também. Antes de apagar ela riu, e disse que te amava- olhei para ele com uma careta de surpresa, mas duvida. Ele apenas concordou e continuou- Eles não entenderam nada obviamente. Laura acredita que ela entrou em crise, e com a mente reproduzindo as memórias ela nem se deu conta do que fazia. Tomou remédios para a dor, tentando fazer ela parar. Os arranhões era como se ela estivesse se defendendo de si mesma. E nas costas estava ainda pior.

-A última coisa que ela escreveu, foi "será que perdi minha asas"- não pude deixar de chorar, ela tentava se libertar. Talvez até mesmo esperasse que as asas a salvassem.

-Sinto muito garoto. Mas saiba que ela não queria, foi a consequência de uma crise muito forte que ela não controlou.

Percebi quando o Kim me abraçou, que meu choro já estava rasgando minha garganta em soluços pesados. Nós dois sabíamos que podia ter sido evitado, se alguém estivesse com ela. Mas não estávamos. Ele foi embora, e eu fiquei mais um tempo. Lembrando das risadas que compartilhamos. E fiz uma última promessa para ela naquele dia. Não importa quanto tempo passe, nunca me esqueceria dela, e quando tivesse filhos ou netos, ela seria a maior aventura que contaria a eles. Afinal, ela realmente era.

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