II

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Na manhã seguinte, quando acordei, Carol estava colocando a mesa para o café da manhã. Era praticamente o mesmo lanche da madrugada, mas ela estava vestida, e havia um saco marrom sobre o balcão. Eu a observei do sofá, a maneira como colocava o cabelo atrás da orelha, como este parecia irradiar luz própria, o jeito que fechava as portas dos armários para não me acordar.

Estava encantado.

- Bom dia. – falei.

- Bom dia – respondeu, abrindo um largo sorriso. – Você toma café?

- Sim, eu gosto de café de manhã.

- Pois então farei à moda brasileira. É um café bem forte, mais pra tinta do que pra chá. Quer tentar? Se não gostar, te preparo outro.

- Adoraria um café tinta.

Ela sorriu. Ela sempre sorria. Não parecia fazer outra coisa além de sorrir.

- Eu andei vendo os horários dos ônibus. – ela começou. – Não sei pra onde você quer ir, mas o último sai às 18h. Vai pra Londres.

Meu sorriso congelou. Eu não queria sair nem do sofá, quem dirá da vila ou da vida dela, para ir justamente para o local de onde fugi.

- Não tem pra mais nenhum lugar?

- Tem, mas ai é você que tem que ver. Eu não conheço a Inglaterra tão bem assim, não posso te dizer pra que lado eles vão.

Eu só assenti. Tudo bem, eu teria que enfrentar minha vida mais cedo ou mais tarde, mas considerando tudo, queria que fosse bem mais tarde.

- Você trabalha hoje?

- Claro, sábado é o dia mais movimentado. Hoje parece que a cidade inteira vem beber. – ela deu a risadinha. – O que dá, mais ou menos, umas 30 pessoas.

Eu ri junto com ela. Era tão fácil ficar com ela!

- Por que não coloca uma música? Pode escolher o CD que quiser.

Eu nem pensei duas vezes, queria mesmo ver o tipo de música que ela ouvia. O quarto não era diferente do resto do apartamento, tinha uma cama de casal, um closet e uma cômoda, onde estava o som. Pensei que faria mais sentido a TV no quarto, mas nada em Carol parecia fazer sentido. Do lado do som havia um case de CDs, nenhum deles comprado em lojas.

- Você baixa música na internet e grava? – perguntei.

- Não conte pro FBI. – ela respondeu, rindo. Tive que rir também. – Eu prefiro colocar só as músicas que eu gosto nos CDs.

- Você poderia ter um pendrive.

- E qual é a graça? Não é redondo e não brilha.

Como ela conseguia me desconcertar. Procurei entre os CDs aquele que talvez me interessasse, e acabei me deparando com um escrito MPB. Achei promissor, gostava de música brasileira, e saber que ela também me alegrou. Coloquei para tocar e logo ouvi um suspiro.

- Você sabia que a palavra "saudade" só existe na língua portuguesa? – ela me perguntou. – Não existe tradução pra essa palavra em nenhuma outra língua. Às vezes acho que "saudade" é uma coisa que apenas os portugueses sentiam, por isso os fados.

- Mas o que é "saudade?" – minha pronuncia foi obviamente deplorável.

- A tradução mais próxima seria "eu sinto sua falta", mas a palavra diz mais do que sentir falta. "Saudade" define uma dorzinha no peito por estar longe do que se ama, seja uma pessoa, sua terra natal, uma comida, um tempo no passado, ou tudo isso junto, numa palavra só. É amar incondicionalmente o que está longe e não pode ser atingido naquele momento. Para mim, é a palavra mais bonita da minha língua.

Um Conto sobre o ImprovávelWhere stories live. Discover now