Capítulo 2 - Amado

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Existe essa teoria sobre a vida onde tudo deve se encaixar perfeitamente para fluir, você deve ser um bom aluno, ter um bom emprego, ser resiliente e fantástico integrado a sua família, seus amigos devem ser bons, eles são confiáveis e vocês se sentam em algum lugar para discutir a vida. E os anos passam, e isso se mantém, sendo que a mínima parcela de um todo, vai ruir. Em algum momento, quando tudo estiver muito bem, você precisará de um sacode da vida para lhe lembrar que isso é um jogo de constante mudança, mesmo que você não suporte que as coisas não mudem, e isso é o que chamamos de: zona de conforto, e nessa zona de conforto, se você fica nela... parece que não está vivendo direito ou não quer que sua jornada, de alguma forma, continue a trilhar um caminho de sucesso. Mas quem disse que eu preciso sair da minha zona de conforto? Não é aqui onde eu deveria me sentir seguro, amado, útil? Porque diabos eu deveria sair dela?

Ser adulto não é nada legal, você vai chegando numa idade onde deveria ter acesso limitado a conteúdo de diversão, festas, alucinação, sexo e o que você tem? Contas, boletos, depressão, ansiedade, responsabilidades e uma luta diária e constante para não se tornar um zero à esquerda. Que merda! Às vezes eu só queria continuar preso a minha cama com uma sensação constante de incapacidade e impotência de fazer qualquer coisa no meu dia e apenas assistir os filmes clichês de adolescentes com hormônios à flor da pele que tem nesses serviços de stream. Contudo, o que me sobra é acordar cedo – mas não tão cedo para que chegue no trabalho em um horário que não se encaixe em 'atrasado para cacete', mas também não tão tarde – e trabalhar até dizer chega e que na mesma segunda-feira em que a semana comece, desejo que ela termine.

Meu nome vocês já sabem, Alexander, trabalho como fisioterapeuta em algumas clínicas do centro da minha cidade, tenho 24 anos e neste ano, em 9 meses eu pretendo cometer suicídio. No último ano, fiz seis tentativas no intervalo de 3 meses, e se estou narrando isso tudo é claro que nenhuma deram certo. Deveríamos fazer uma retrospectiva de como tudo aconteceu? Hm, é. Talvez você queira realmente saber se deve ou não continuar a ler o que pode ser uma história póstuma ou uma contagem regressiva dos meus dias. Vamos lá:

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Fui diagnosticado com depressão leve, ou distimia em termos médicos, e transtorno de ansiedade generalizada ainda na adolescência. Tudo começou quando estava começando a lidar com meus sentimentos para com outras pessoas, além de não ter um histórico familiar simples, leve e que realmente deva valer a pena mencionar, porém, na escola ainda quando me assumi para as primeiras pessoas como gay, era difícil lidar com meus sentimentos com certos garotos que se aproximavam de mim, em especial, Oliver, um rapaz recém mudado para minha cidade e que estava um ano abaixo do meu, era magnífico como ele andava nos corredores com sua beleza nada convencional – não que ele fosse feio, sabe?! – e seu sorriso, putz, aquele sorriso... Enfim, não é tão fácil engolir os sentimentos por alguém que está disponível para Deus e o mundo catar (pegar), e não poder dizer nada, sufoca e tudo que você deseja é poder dizer para essa tal pessoa o quanto você a deseja, o quanto você é a quer. E não fazer isso, meus queridos, é nocivo.

Com isto, tive de lidar com dias tristes, frios e nada fáceis, era difícil acordar e assimilar que havia um dia inteiro a ser encarado, máscaras a serem vestidas e sentimentos para lidar, exaustivo e causava um aperto no peito e sempre que sentia isso, ligava para casa perguntando se estava tudo bem, de alguma forma sempre achei que poderia ser um apelo divino para me lembrar que eu tinha algo a me preocupar. Não é fácil quando sua cabeça está tão lotada de merda, e tudo que você precisa saber, é que algo mesmo que fora de você, vai bem.

Chorava todos os dias, em algum momento escondido, na expectativa que o aperto no peito, o queimor passasse. Até que, achando que fosse resolver de algo (por ser o motivo), contei ao Oliver tudo o que sentia... E bem, a única resposta foi uma gargalhada acompanhada de "Não, nem mesmo se eu gostasse de você, rolaria", meus amigos, isso não é algo que deseja ouvir de qualquer um, por menos que seja culpa dele ou dela, quem você tenha colocado algum tipo de sentimento platônico. Devastador.

Os dias se passaram, e o aperto no peito não passou, a vontade de gritar no campinho da escola não passou. E quando desabei no meio desse campo, aí eu sabia que tinha algo errado. Foi nas mãos da minha melhor amiga, Mandy, que me permitir babar, chorar e me sentir o desgraçado que eu fui naquele momento. Até que em algum momento, meu peito queimou e o ar faltou, por algum motivo corri até meu caderno e escrevi uma página inteira de como me sentia:

"Eu não agüento mais gritar por amor, ou por coisas que me fazem querer chorar, mesmo que alguém venha me dar o ombro pra me consolar, não vou suportar tudo isso novamente, as dores são fortes, insuportáveis para alguém como eu, que tem tanta coisa a aprender. A primeira coisa ensinada foi como sofrer, e isso me enlouquece, quero gritar intensamente, chorar desesperadamente, tudo isso por coisas que não deveriam existir, odeio o amor, e todas as coisas ruins que ele nos proporciona, só queria ter realmente uma pedra de gelo no lugar do coração, e ser...

Imortal".

Dramático, não? Lendo isso depois de tudo que passei nos últimos tempos, me parece ficha. No entanto, para o adolescente de catorze anos, parecia o fim do mundo. E para o mundo dele, foi. Os anos passaram, a terapia aconteceu – inclusive obrigado a todos vocês que interviram nisso -, e apesar de tudo me tornei esse adulto problemático – ou como prefiro dizer, exótico – que vos fala.

O plot disso tudo aconteceu no ano passado, como eu já havia dito, quando no meu período de maior crise, após um término de relacionamento abusivo associado a tantas merdas na vida adulta, culminaram numa fossa profunda e cheia de cocô. E não havia, aparentemente outra escolha para alguém tão fracassado e desgraçado como eu, sabe?! Era o que eu achava.

A primeira tentativa ocorreu num dia após visitar minha mãe no hospital, ela estava se preparando para um procedimento cirúrgico eletivo de médio porte, mas que não era grave. Nós tivemos uma conversa extremamente agradável, e a deixei lá, segui para casa e sentei no chão do banheiro, do meu banheiro. A lâmina prateada rasgou minha pele lentamente, doía demais para que fosse de uma vez só, e quem sabe, na metade do caminho eu pudesse desistir.. mas, eu segui. E o sangue escorreu, e eu fui dormindo... dormindo... Até acordar com o braço sujo, o chão rubro e uma dor que queimava mais que meu peito, e a sensação de fracasso, pois não havia sido fundo o suficiente para que pudesse haver o resultado esperado. Minha irmã, Felicity, me achou e me acordou aos chutes, desesperada a coitada.

Levantei-me ainda zonzo, lavei o braço que estava aberto, e fiz um curativo eu mesmo. Nada se comentou entre nós dois, ela não perguntou, eu não falei.. e assim, ficaram nossos dias. Tenho uma cicatriz enorme na pele, não fui ao hospital para os pontos e tudo cicatrizou naturalmente, a ferida, minha dor e mente.

Até então. 

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⏰ Última atualização: Mar 27, 2020 ⏰

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